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Quanto vale um disco em 2020? Nem todo vinil é criado igual

Álbuns físicos chegam a custar 77 dólares, um preço extraordinariamente alto na era do streaming

Rory Ferreira: álbuns negociados por várias vezes o preço original (Alysse Gafkjen/The New York Times)

Rory Ferreira: álbuns negociados por várias vezes o preço original (Alysse Gafkjen/The New York Times)

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Daniel Salles

Publicado em 4 de outubro de 2020 às 06h00.

Última atualização em 5 de outubro de 2020 às 10h55.

Nos últimos anos, Rory Ferreira, também conhecido como o artista de hip-hop de vanguarda R.A.P. Ferreira, notou que no Discogs, um mercado de discos on-line especializado em revendas, as versões físicas de seus álbuns estavam sendo negociadas por várias vezes seu preço original.

Assim, ao planejar o lançamento em vinil de seu último álbum, "Purple Moonlight Pages", ele decidiu cobrar de acordo. "Não quero acabar com a festa de ninguém. Só quero ter certeza de que também vou ter uma participação justa", disse ele em uma entrevista por telefone em julho.

Nesse mês, ele lançou o vinil "Purple Moonlight Pages" por US$ 77, um preço extraordinariamente alto, mesmo para um LP duplo. Embora o álbum estivesse disponível em serviços de streaming havia meses, ele vendeu todas as 1.500 cópias disponíveis em seu site. E, no Instagram, começou a responder a comentários sobre o custo, tanto positivos quanto negativos. A um fã exasperado, ele escreveu: "Olha, entendemos. Você não valoriza a si mesmo ou o que você faz. Os outros não estão nessa. Agora, vá chutar pedras."

Cobrar US$ 77 por um álbum pode ser um exagero até mesmo nas melhores épocas, mas é especialmente ambicioso no atual clima da indústria musical, em que o álbum em si se tornou cada vez mais desvalorizado. O crescimento dos serviços de streaming por assinatura como Spotify e Apple Music separou, em menos de uma década, os álbuns e as músicas de um valor específico em dólares quase que completamente.

Portanto, quanto realmente vale um álbum em 2020? Depende do modelo de negócio.

Rory Ferreira em sua casa em Nashville (Alysse Gafkjen/The New York Times)

"Acho que a música tem valor, mas o valor não é monetário. A tecnologia deteriorou isso", comentou Steve Carless, sócio e cogerente de negócios da Nipsey Hussle. Graças à abstração entre artista e música nos serviços de streaming e à ascensão das mídias sociais, com a intimidade que esta cria entre artistas e fãs, a música física não é mais a principal forma de os artistas conseguirem a atenção e os dólares de seus seguidores.

"A música agora se tornou o veículo. Antes, era o que estava no fim da equação. Agora é o início da equação", acrescentou Carless.

Resumindo: para os artistas mais populares, o álbum em si é apenas uma pequena parte de um negócio multiplataforma, e nem está perto de ser o mais rentável. Embora ainda haja um negócio saudável em vendas físicas, e às vezes surjam novas maneiras de conseguir um lucro adicional – Taylor Swift recentemente lançou oito edições de luxo diferentes de seu novo álbum, "Folklore" –, geralmente o disco é a coisa que inicia fluxos de receita muito mais ambiciosos: merchandise, turnês, licenciamento e muito mais.

Isso, em um extremo. No outro, estão pequenos artistas ou gravadoras com uma base de fãs dedicada, para quem o álbum permanece no centro da conversa financeira, sendo ainda uma proposta lucrativa por si só.

Tudo isso para dizer que é mais difícil do que nunca determinar, em um sentido puro, o valor de um álbum. Ao contrário das eras do CD ou do LP, quando os preços de mercado dos discos eram essencialmente consistentes, o álbum é agora valorizado em uma escala móvel – para a maioria das pessoas que usam serviços de streaming, o acesso a um álbum é (ou parece ser) gratuito; para as mais dedicadas, porém, há a necessidade de investir seu dinheiro em seus ídolos.

Isso causou estragos nos modelos de negócios das gravadoras, e também nas paradas da Billboard. A fim de incentivar as vendas imediatas, os artistas que querem chegar ao número um na semana de lançamento começaram a vincular álbuns com outros itens mais caros. Hoje, o lançamento de um disco pode muitas vezes se parecer mais com a abertura de uma loja de roupas.

Antes da era do streaming, os artistas tentavam extrair o máximo de valor do próprio álbum.

Talvez o exemplo mais importante seja o disco "Once Upon a Time in Shaolin", da banda Wu-Tang Clan. O grupo disponibilizou uma cópia, que foi vendida em leilão em 2015 por US$ 2 milhões ao (hoje em desgraça) executivo farmacêutico Martin Shkreli, que a entregou às autoridades em 2018.

Parte da inspiração para o leilão da Wu-Tang foi o lançamento da mixtape de 2013 de Hussle, "Crenshaw". Hussle, talvez o primeiro artista da era moderna a propor um modelo de preços premium para um meio moribundo, ofereceu cópias físicas de "Crenshaw", por US$ 100, usando o slogan "Proud2Pay". (A mixtape estava disponível gratuitamente on-line.) Ele vendeu mil cópias. Para demonstrar que o lançamento de "Crenshaw" não foi um acaso, ele aumentou a aposta com seu lançamento seguinte, "Mailbox Money", oferecendo cem cópias a US$ 1.000; todas elas também foram vendidas.

Hussle entendeu que o álbum físico não era mais um sistema de distribuição de música, mas um canal para o entusiasmo dos fãs, uma mercadoria que é um símbolo em si mesma. Essa foi uma percepção fundamental numa era em que as vendas físicas estavam em declínio e os serviços de streaming, com seus próprios interesses econômicos, estavam prestes a se inserir como intermediários cruciais entre artistas e fãs.

Carless descreveu a intenção de Hussle como "Vamos parar de olhar para a maioria e focar a minoria" – cortejando aqueles ouvintes apaixonados e com muitos recursos. O CD em si, numerado e assinado, tornou-se "uma lembrança importante", disse Carless, e veio com certos privilégios para os fãs – um número de telefone que poderiam usar para contatar Hussle, um concerto privado. (Hussle lançou "Crenshaw" no mesmo ano em que o site Patreon, que propôs um modelo de relacionamento financeiro semelhante entre artista e fã, começou a funcionar.)

Rory Ferreira empunha um vinil (Alysse Gafkjen/The New York Times)

O que isso destaca é algo que Hussle sabia, e algo que o Radiohead descobriu há mais de uma década: há camadas de fãs. Alguns – a maioria, na verdade – não pagarão nada pela música. Mas os poucos que estão dispostos a pagar podem mais do que os compensar. Em 2007, o Radiohead lançou seu sétimo álbum, "In Rainbows", mediante um download "pague quanto quiser" e em vários formatos físicos; três milhões de pessoas pagaram por uma cópia.

No mercado de discos on-line Bandcamp, cerca de 80 mil álbuns são vendidos por dia. Metade deles é digital: o preço médio desses álbuns – muitos dos quais são "pague quanto quiser" – é de US$ 9, embora, de acordo com Joshua Kim, diretor de operações da Bandcamp, alguns fãs paguem várias vezes isso voluntariamente; em um caso, um fã pagou US$ 1.000 por um álbum.

Kim contou que a parte que mais cresce nos negócios do Bandcamp são as vendas físicas, particularmente as do vinil. "Vemos o Bandcamp como um lugar em que a música é valorizada como arte. Os formatos físicos são provavelmente a expressão mais concreta disso." Ele comparou os consumidores dispostos a pagar mais pela música que podem obter gratuitamente às pessoas que compram alimentos orgânicos ou roupas de origem ética, encontrando valor em "compensar os artistas de forma justa".

 

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