Jerez: vinho fortificado rico em aromas (D. O. Jerez/Divulgação)
Tânia Nogueira
Publicado em 17 de outubro de 2018 às 05h55.
Última atualização em 4 de junho de 2020 às 15h17.
A expressiva participação do Brasil na 5ª International Sherry Week fala muito sobre quem somos como bebedores de vinho. Essa ação, orquestrada pelo Conselho Regulador dos Vinhos de Jerez e Manzanilla, que aconteceu na semana passada em mais de 30 países do mundo, tem uma maneira bastante inovadora de amealhar parceiros: permite que bares, restaurantes, escolas de gastronomia ou de enologia e até particulares criem eventos e promoções e os inscrevam diretamente na página oficial da Sherry Week sem ter de pagar nada por isso. O Brasil registrou 107 eventos, ficando atrás apenas de Inglaterra, Espanha, Japão e Estados Unidos.
Isso é curioso porque, no Brasil, o consumo de jerez (ou sherry, em inglês) é mínimo. Em 2016, segundo relatório do escritório comercial da embaixada espanhola em São Paulo, importamos apenas 7,7 mil dos 22,3 milhões de litros de Jerez que a Espanha exportou.
Como explicar essa distância entre entusiasmo pela Sherry Week e números de consumo? A grande massa dos brasileiros não consome vinhos por falta de dinheiro e de conhecimento do produto. Dos que consomem, a maioria bebe vinho de mesa, que antigamente se chamava de vinho de garrafão – o vinho mais barato.
Um grupo pequeno bebe os chamados vinhos finos, feitos de uvas viníferas como cabernet sauvignon, merlot e chardonnay. Mesmo essa parcela, no entanto, tem bastante dificuldade para entender o produto, preferindo apegar-se ao que é fácil de decifrar. Por fim, há um grupo mínimo, mas muito atuante, de amantes do vinho (profissionais e/ou consumidores) ultra bem informados, que buscam vinhos complexos, exclusivos, inovadores.
O jerez é um vinho muito difícil de entender. Por isso, só atinge esse topo da pirâmide. Mas é venerado nesse nicho. Daí o sucesso da Sherry Week por aqui. A ideia da ação é justamente educar o consumidor médio. Acho ótimo, porque amo jerez e, como o consumo é reduzido, a oferta de rótulos no Brasil é pequena. Segundo o escritório comercial espanhol de São Paulo, apenas nove importadoras trazem vinhos da região.
Criada em 2013 para conquistar o público jovem, principalmente os frequentadores de bares de coquetéis, a Sherry Week, ou Jerez Week como eu gosto mais de falar, é também consequência de uma revolução na região, que de uns anos para cá tem investido na qualidade. Quando eu era menina, jerez era bebida de velho. Para muita gente no Brasil, ainda é. Mas em Londres, Nova York e Tóquio está super na moda.
Produzido na região de Jerez de la Frontera, na Andaluzia, Espanha, para onde os fenícios levaram as primeiras vinhas por volta de 1100 a.C., o jerez como conhecemos hoje é um vinho fortificado que surgiu no final do século XVIII, quando a busca por qualidade para competir no mercado internacional resultou no sistema de envelhecimento em criaderas e soleras. Um vinho fortificado é aquele que recebe adição de álcool. O sistema de criaderas e soleras consiste em empilhar as barricas onde os vinhos amadurecem e misturar seus conteúdos, fazendo com que o produto final seja uma combinação de safras com diferentes tempos de envelhecimento.
A primeira coisa que alguém precisa entender antes de tomar um jerez é que, à diferença de outros fortificados como o porto e o madeira, ele nem sempre é doce. Na maior parte das vezes, é bastante seco. Quase salgado.
Além disso, é bom saber que podemos dividir os jerezes em três famílias. Os leves e refrescantes, como os finos e os manzanillas, têm uma passagem mais curta por madeira e não são oxidados, porque, apesar de ficarem em contato com o oxigênio na barrica como todo jerez, são protegidos por uma película de leveduras chamada flor, que se forma espontaneamente.
Há uma segunda família de vinhos mais complexos e intensos, como os amontillados, olorosos, palo cortado, que são oxidados e envelhecidos por mais tempo. Esses dois tipos são secos, feitos com a uva branca palomino. O terceiro grupo é o dos doces, feitos com as uvas pedro ximenes, palomino e moscatel, que costumam ser envelhecidos e oxidados. A melhor forma de aprender sobre jerez, como com qualquer outro vinho, é beber prestando atenção nos aromas, na sensação de boca, lendo os rótulos. A seguir quatro rótulos de diferentes tipos:
O jerez fino costuma ser muito fresco, com aromas de fruta e levedura. O teor alcoólico não é tão elevado porque a fortificação não pode matar a levedura que forma a flor. O Fernando de Castilla Fino, importado pela Casa Flora, tem 15 graus de álcool. É claro, esverdeado. No nariz, tem aroma de maçã verde. Na boca, quase não dá para sentir o álcool. É tão mineral que dá impressão de ser salgado.
Adoro tomá-lo para acompanhar peixe. Sirvo esse fino ou outro com carpaccio de haddock defumado, limão siciliano, raspas da casca do limão siciliano e flor de sal. É a melhor definição de uma boa harmonização para mim. Nesse caso, um mais um não é igual a dois, é um milhão. Custa 155 reais.
Os manzanillas são muito parecidos com os finos. Na verdade, são feitos exatamente da mesma maneira. Só que, enquanto o fino é feito em Jerez de la Frontera, o manzanilla é produzido em Sanlucar de Barrameda, uma cidade de praia no golfo de Cadiz, a alguns quilômetros de lá. Dizem que, por estar mais próximo ao mar, o manzanilla é mais salgado que o fino. Eu não percebo isso. O La Guita Manzanilla, importado pela Zahil, tem aromas delicados de fruta.
Dizem que, por ser a flor mais espessa em Sanlucar, os manzanilla costumam parecer mais jovens que os finos. Pode ser. Esse é fresco e elegante. Na degustação da Sherry Week, da qual participei no Museu do Vinho, em São Paulo, ele foi bem com uma tapa de berinjela e anchova salgada. Peixes salgados combinam muito com jerez. Custa 130 reais.
Oloroso quer dizer cheiroso. Este tipo de jerez se caracteriza pela complexidade aromática. Ou seja, tem uma gama enorme de aromas, que vão surgindo aos poucos na taça enquanto você vai tomando o vinho. O El Maestro Sierra 15 Años, importado pela Decanter, traz aromas de frutas secas e cristalizadas, caramelo, tabaco e um monte de outras coisas. Fortificado a 18 graus alcoólicos, acaba ficando ainda mais forte durante o envelhecimento porque perde água.
Na boca, tem mais corpo que os finos e os manzanillas, além de untuosidade, mais a mineralidade que dá aquele leve toque salgado. É completamente seco. Vai muito bem sozinho com um charuto. Mas acompanha bem também uma paella ou qualquer prato com açafrão. Custa 310 reais.
O cream é considerado um jerez meio doce. Porque é comparado com o pedro ximénes, que é extremamente doce. Costuma ser um blend de oloroso com jerezes naturalmente doces, pedro ximénes ou moscatel. O González Byass Solera 1847, importado pela Inovini, é um corte de 75% de palomino com 25% de pedro ximénes.
No nariz, tem frutas secas, figo, caramelo. Na boca, ele parece doce. Não demasiado, mas doce o suficiente para servir como vinho de sobremesa. Vai bem também com queijos, especialmente os azuis. Custa 163 reais, na Bacco’s.