Pop it: brinquedo que se tornou febre entre as crianças parece um plástico bolha infinito (Victoria Popova / EyeEm/Getty Images)
Agência O Globo
Publicado em 24 de outubro de 2021 às 11h15.
Era só um pedido corriqueiro, desses feitos quase diariamente em casas com crianças. Acabou em desavença familiar com pano de fundo ideológico. Há mais ou menos um mês, o barbeiro Rafael (que preferiu não divulgar o sobrenome), de 30 anos, recebeu uma mensagem da filha Manoela, de 7, falando sobre o pop-it, um brinquedo de silicone flexível, que parece um plástico bolha infinito. A menina estava “doida” pela novidade, e Rafael correu para comprar o passatempo da hora. Escolheu o formato de borboleta, todo colorido. Dias depois, ela avisou que desistiu do presente.
— De repente, ela começou a falar que o pop-it é do diabo, que é para separar a família. Fiquei aterrorizado. A criança é pura, não tem maldade. Ninguém pode ficar colocando isso na mente dela — desabafou Rafael. — É só um brinquedo que está na moda, para se divertir. E ponto.
Febre internacional, o pop-it é um tipo de “fidget toy”, ou brinquedo para inquietação, em tradução literal. Estourou durante a pandemia, com a promessa de aliviar o estresse de crianças entediadas em casa e com aulas na modalidade remota. Nas últimas semanas, o item se tornou o novo alvo de grupos conservadores do país. O pastor de uma igreja publicou um vídeo no YouTube relacionando o pop-it às cores da bandeira LGBTQIAP+ e acusando o movimento de querer “destruir a família”.
Nas redes sociais, outros usuários repetiram a associação do brinquedo ao movimento, em vídeos que chegaram a ter mais de 100 mil visualizações. A teoria ganhou eco na internet e também fora dela, como na casa de Manoela. A menina vive com a mãe evangélica em Niterói. Separado e com uma nova família, Rafael mora na Cidade de Deus, no Rio. Depois que Manoela recusou o brinquedo, ele decidiu presentar a filha mais nova, de sete meses, fruto de outro casamento.
— Aqui na minha casa não discriminamos ninguém. Cada um, com a sua escolha, vive sua vida como quiser — disse Rafael. — É uma pena que minha filha cresça aprendendo a odiar o que é diferente.
Antes mesmo de o vídeo do pastor circular pelas redes, a dona de casa Anete Vieira, de 38 anos, já havia relacionado o brinquedo às cores da bandeira LGBTQIAP+. Mãe de Elias, de 6 anos, e da recém-nascida Adele, ela diz não ver problemas no brinquedo, mas preferiu comprar um de cor única: verde. Adele destacou que o arco-íris tem sete cores, e o brinquedo, assim como a bandeira, seis.
— Tenho orientação cristã, então tenho critérios para oferecer brinquedos ao meu filho. Acredito que tudo tem uma teoria, uma ideologia — disse Anete. — O pessoal do marketing trabalha muito em cima dos símbolos, das cores. As da bandeira são lindas, mas já são usadas pelo movimento LGBT. Se não coaduno com os mesmos ideais, por que apresentar para meu filho?
Anete vive em Barreiras, na Bahia, e é integrante da Igreja Adventista do Sétimo Dia. Ela afirma que acredita no casamento entre homem e mulher, “conforme constituído por Deus” para formar a família. Apesar de respeitar quem faz escolhas diferentes, diz não querer “trazer para dentro de casa”.
Frequentador da mesma igreja de Anete, o fisioterapeuta Anderson Vian, de 33 anos, discorda da colega. Em seu canal bíblico no Youtube, ele criticou a fala do pastor que espalhou a teoria sobre o pop-it. Ele defende que as cores do brinquedo remetem às do arco-íris, uma “aliança que Deus fez com Noé e seu povo para mostrar que não mais acabaria com o mundo por meio de um dilúvio”. Diante da polêmica, explicou o trecho bíblico aos filhos Pietro e Lorenzo, de 6 anos e 2 anos, e liberou a mania do momento.
— Eles têm de ter conhecimento para tomar decisão — opinou Vian. — Meu filho mais velho conhece a história toda de Noé. Para mostrar o que está incorreto, no nosso entendimento, precisamos ensinar o correto antes, segundo a Bíblia.
Pedro Paulo de Bicalho, presidente do Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro, afirma que as cores de um brinquedo não modificam a relação de uma criança com ele. E que a faixa etária para a qual o pop-it é dirigido ainda não tem maturidade para distinguir as pessoas pela orientação sexual ou identidade de gênero.
— É mais uma das invenções que têm a ver com negacionismo, com esse momento esquisito que estamos vivendo — lamentou Bicalho. — Essa é uma faixa etária que ainda não se constituiu sob a égide do preconceito. Essas pessoas não fazem a menor ideia de como se desenvolve uma criança.
A empresa Luka Plásticos, em Valinhos, interior de São Paulo, gaba-se de ser a primeira a lançar a versão brasileira do pop-it e a única a ter o produto com certificação do Inmetro. A empresa já vendeu mais de 200 mil unidades do brinquedo desde agosto e dobrou seu faturamento.
O diretor da Luka Plásticos, Gonzaga Pontes, de 63 anos, conta que sete de cada dez brinquedos produzidos são os com mais de uma cor. Ele explica que o pop-it é feito num molde de aço, onde são adicionadas mantas de silicone prensadas e “cozidas” até se obter o formato desejado. Quanto mais cores, segundo ele, mais lento fica o processo.
Pontes ainda não tinha ouvido sobre a polêmica conservadora em torno do pop-it. Ele conta que todos os comentários recebidos sobre o brinquedo, até então, haviam sido positivos. Ao ser apresentado à teoria pelo GLOBO, ressaltou que é cristão.
— Isso é uma besteira. Não vai mudar em nada para a gente. Nossa linha de negócio continua a mesma: fabricar produtos bons que atendem ao público. Tivemos a felicidade de enxergar o pop-it antes e continuamos fechando novos negócios — comemorou Pontes, que, antes de desligar o telefone, desejou “um bom dia e que Deus te abençoe”.