Futebol: protocolo sanitário mais rígido foi aprovado pelo Ministério Público. (Rodrigo Corsi/FPF/Direitos reservados/Agência Brasil)
Agência Brasil
Publicado em 1 de abril de 2021 às 18h54.
Última atualização em 1 de abril de 2021 às 19h20.
O futebol em território paulista está paralisado há duas semanas por causa do aumento de casos e internações pelo novo coronavírus (covid-19). A proibição de eventos esportivos foi determinada pelo governo de São Paulo após recomendação do Ministério Público Estadual. O pesquisador Bruno Gualano, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), porém, entende que a retomada só poderia ocorrer no formato de bolha sanitária, onde os envolvidos (jogadores, comissão técnica etc.) ficam totalmente isolados.
“Em um cenário como o nosso, onde a transmissão comunitária [da covid-19] permanece cada vez mais descontrolada, a única maneira que você tem para dar segmento a qualquer tipo de setor, não só o esporte, é isolá-lo da comunidade. Ou isola, ou para”, disse em entrevista à Agência Brasil.
Gualano integra a coalizão Esporte Covid-19, que reúne pesquisadores de instituições como os hospitais das Clínicas da FMUSP, Albert Einstein e do Coração, a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), o Complexo Hospitalar de Niterói (RJ), o Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia e o Núcleo de Alto Rendimento Esportivo de São Paulo (NAR-SP), com apoio da própria FPF. O professor coordenou um estudo, divulgado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), em cima dos testes feitos em 4.269 atletas que disputaram as competições paulistas em 2020 (masculinas e femininas, profissionais e de base) e em 2.231 membros de equipes de apoio.
A análise observou que a incidência de infecção pelo novo coronavírus foi de 11,7% (501) entre os esportistas e 7% (161) entre membros de estafe. O último grupo, que reúne dirigentes e membros de comissão técnica, onde a idade é mais elevada e as condições de saúde variam bastante, é o que registrou os casos mais graves. Entre eles, um óbito.
Segundo Gualano, a porcentagem equivale à da incidência em profissionais de saúde da linha de frente na pandemia. Em nota, o Comitê Médico da FPF sustentou que a comparação “é cientificamente incorreta, pois seguramente a testagem frequente em todos os atletas possibilitou maior número de diagnósticos, principalmente por serem assintomáticos” e que o futebol “realiza mais testes” que a maioria dos segmentos da sociedade.
“A comparação que fizemos é com base científica”, afirma Gualano. “Os profissionais da linha de frente da saúde foram testados por sorologia, então não há de se falar de eventuais casos não detectados pelo exame de PCR que acontece no futebol. O PCR não é o instrumento mais sensível para se detectar exposições a doença, uma vez que ele tem sensibilidade a uma faixa curta de tempo, três a dez dias. Os inquéritos sorológicos são mais informativos nesse sentido”, completa.
O pesquisador entende que a realização de mais de 30.000 testes (precisamente 31.632, segundo a FPF, entre 1º de julho e 31 de dezembro de 2020) mostra que a aplicação do protocolo no meio esportivo foi cumprida. O problema, segundo ele, está fora do ambiente do futebol.
“A positividade [considerando o total de testes realizados] foi baixa, o que significa que se testou adequadamente, isso é importante. O fator preponderante para o alto número de infecções é a falta de controle de transmissão comunitária. Os jogadores seguiram o protocolo no ambiente esportivo. Fora dele, não houve qualquer tipo de controle. Não sabíamos onde esses jogadores iriam se reunir à noite, onde sairiam para jantar, com quantas pessoas conviviam, se eles se higienizavam, se cumpriam o distanciamento. O protocolo não ia até esse ponto”, argumenta Gualano.
A pesquisa ainda comparou a incidência da covid-19 nos atletas do futebol paulista com outros países, e constatou que o percentual superou ligas como a do Catar (4%) e a Bundesliga, primeira divisão do Campeonato Alemão (0,6%). A nota do Comitê Médico da FPF entende que, “do ponto de vista científico”, tal correlação seria inviável, “afinal, existem enormes diferenças entre os países/ligas”, como as características de protocolos, o período da análise, as características sociais e o estágio da pandemia.
“Quando a gente faz um estudo como o nosso, de incidência de infecção em uma população restrita, o objetivo é comparar com outros cenários, saber em que estágio estamos de controle epidêmico. O que comparamos, basicamente, foi a abertura do futebol com outros países, que tinham dados publicados cientificamente. Claro que há peculiaridades no cenário epidêmico dos vários países, mais referentes à transmissão comunitária e menos com relação aos protocolos. Justamente pela comparação com outros cenários, a gente consegue chegar à conclusão de que a abertura do esporte em um ambiente não mitigado, de transmissão comunitária elevada, requer medidas mais rígidas de controle de transmissão”, conclui o professor da FMUSP.
Os jogos de futebol estão proibidos em São Paulo pelo menos até 12 de abril, um dia após o término da Fase Emergencial, a mais restritiva do Plano São Paulo, de combate à covid-19. A FPF se reuniu, no início da semana, com o Ministério Público para apresentar um novo protocolo, mais exigente, para tentar viabilizar a retomada da competição antes do dia 11. Entre as medidas, estão a adoção de bolhas para concentração de atletas e comissões técnicas, com testagem nas 24 horas que antecederem a entrada no isolamento, exames de PCR antes e depois de cada jogo e afastamento do atleta e rastreio de contatos no caso de resultados positivos. A entidade tem afirmado que a Série A1 (primeira divisão) estadual será finalizada na data prevista, em 23 de maio.