Nuri Bilge posa com a Palma de Ouro entre Tarantino Uma Thurman (ALBERTO PIZZOLI/AFP)
Da Redação
Publicado em 24 de maio de 2014 às 19h35.
A Palma de Ouro do Festival de Cannes foi atribuída neste sábado ao drama existencial e clássico "Winter Sleep", do turco Nuri Bilge Ceylan, 55, que dedicou o prêmio aos jovens que morreram na revolta recente que sacudiu aquele país.
Rodado em um povoado da Capadócia coberto de neve, no centro da Anatólia, "Winter Sleep", inspirado em três breves relatos do russo Anton Chekhov, é protagonizado por três personagens que debatem longamente sobre a moral e a vida.
"Dedico o prêmio aos jovens que perderam a vida nos protestos registrados no último ano na Turquia, declarou Ceylan, diante de artistas, produtores e cineastas de todo o mundo que assistiram no Palácio dos Festivais à cerimônia de encerramento da 67ª edição do evento.
A cineasta neozelandesa Jane Campion, presidente do júri, disse que se trata de "um filme de uma honestidade brutal", na entrevista coletiva após à premiação.
"Meu filme trata da obstinação dos homens em continuar se esforçando sem baixar a guarda, apesar da solidão, tristeza, e dos acontecimentos tragicômicos que os levam a seu destino", comentou em Cannes o diretor, que participou cinco vezes do festival sem levar a Palma de Ouro, até o dia de hoje.
A ação no filme é mínima: um menino atira uma pedra contra um carro e quebra a sua janela; dois turistas japoneses chegam ao pequeno hotel Othelo, propriedade de Aydin, ex-ator de teatro que vive ali com Nihal, sua jovem mulher, e Necia, sua irmã, e que escreve editoriais para um pequeno jornal da região e prepara um livro sobre teatro.
Embora pareça que nada acontece durante o filme, de mais de três horas, os diálogos, sempre intensos e, por vezes, longos, envolvem a plateia graças ao desempenho dos atores, cuja mínima expressão é captada pela fotografia de Gokhan Tirayak.
Embora nunca tivesse sido coroado com a Palma de Ouro, Cannes aplaudiu Ceylan desde o seu começo, atribuindo em 2003 ao filme "Longínquo" o Grand Prix, prêmio mais cobiçado depois da Palma de Ouro. Em 2008, o cineasta recebeu o prêmio de melhor diretor por "Três Macacos", e "Era Uma Vez na Anatólia" lhe valeu em 2011 outro Grand Prix.
Em 2012, ele foi premiado pela Sociedade de Realizadores Franceses em Cannes.
Em "Winter Sleep", Ceylan revela lentamente, e com uma lucidez não isenta de humor negro e crueldade, o que existe por trás das aparências, mostrando as contradições entre os três personagens.
Ceylan afirmou em Cannes que o que lhe interessa são os dilemas morais e a desilusão do homem moderno. Ele é considerado um cineasta clásico, herdeiro do renomado diretor sueco Ingmar Bergman, autor de "Cenas de um Casamento" e "Gritos e Sussurros".
Surpresa com premiação de filme italiano e homenagem a Godard
O prêmio a Ceylan era previsto pela crítica de Cannes, que, no entanto, foi surpreendida pela segunda recompensa mais importante da cerimônia, o Grand Prix, que premiou "Le Meraviglie", da cineasta italiana Alice Rohrwacher, uma fábula sobre a passagem para a vida adulta e a utopia da vida natural.
Alice, 33, recebeu o prêmio das mãos da estrela e diva italiana Sophia Loren, 79.
O filme de Alice "cria um mundo e nos insere nele", disse Jane Campion na entrevista coletiva, da qual participaram os nove membros do júri, entre eles o mexicano Gael García Bernal.
O outro prêmio que surpreendeu Cannes foi o do júri, atribuído conjuntamente a Jean-Luc Godard, 83, por "Adieu au Langage", e Xavier Dolan, 25, cujo "Mommy" caiu sobre Cannes como um raio.
O cineasta mais velho e o mais jovem da competição, respectivamente, foram ovacionados no Palácio dos Festivais. Dolan assinalou que divide com Godard a vontade de "experimentar" e guiar o cinema por novos caminhos.
"Dolan é um gênio, e Godard fez um filme que é um poema", disse Jane Campion.
EUA levam prêmios de diretor e atriz
O cineasta americano Benett Miller foi coroado como melhor diretor por "Foxcatcher", inspirado na história real de um homicídio cometido pelo herdeiro de uma das famílias mais ricas do mundo, os du Pont.
Esta foi a primeira vez que o realizador dos magníficos "Capote" e "O Homem Que Mudou o Jogo" competiu em Cannes. Ele venceu com um filme inteligente, que mergulha o espectador no mundo da luta livre através de um "thriller psicológico" sobre a ambição e o dinheiro.
O prêmio de melhor atriz foi para Julianne Moore, 53, por "Maps to the Stars", do canadense David Cronenberg, em que ela interpreta "Savana Segrand", atriz de sucesso efêmero que vive ressentida, à sombra da mãe famosa.
Consagração do ator de "Mr. Turner" e do russo "Leviathan"
O britânico Timothy Spall, 57, levou o prêmio de melhor ator por sua interpretação do pintor inglês J.M.W. Turner (1775-1851) no filme homônimo de Mike Leigh.
"Mr. Turner", de Leigh, conta a história do "pintor da luz" inglês, precursor dos impressionistas, que Timothy Spall encarna com veracidade e realismo, em seus momentos de luz e sombra.
Cannes atribuiu o prêmio de melhor roteiro a "Leviathan", drama impregnado de humor negro sobre a Rússia contemporânea, de Andrei Zvyagintsev, que o cineasta escreveu com o roteirista Oleg Negin.
Rodado em uma aldeia às margens do Mar de Barents, o filme de Zvyagintesev, apoiado por uma fotografia espetacular, narra a eterna disputa entre o indivíduo e o sistema.
Colômbia salva a honra da América Latina
A Argentina, que competiu com "Relatos Salvajes", de Damián Szifrón, foi embora de mãos vazias, mas a Colômbia salvou a honra da América Latina com uma Palma de Ouro para o curta "Leidi", do colombiano Simón Mesa Soto.
A coprodução da Colômbia e Grã-Bretanha, de 15 minutos, conta a história de uma jovem que sai em busca do pai de seu filho.
"Em sua história, estão condensados muitos aspectos do meu país e da América Latina em seu conjunto", disse Mesa Soto após a premiação, na última edição do festival presidida por Gilles Jacob.