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Ouro em Tóquio, Ana Marcela relembra emoções do pódio e quer mais medalhas

Em entrevista exclusiva à EXAME, nadadora conta os bastidores da conquista Olímpica, o sonho de ganhar a única medalha que falta na carreira e pontua as dificuldades de ser uma atleta de elite no Brasil

Ana Marcela Cunha: depois do ouro em Tóquio, a nadadora agora busca a última que ainda lhe falta (Beto Speeden/Divulgação)

Ana Marcela Cunha: depois do ouro em Tóquio, a nadadora agora busca a última que ainda lhe falta (Beto Speeden/Divulgação)

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GabrielJusto

Publicado em 22 de agosto de 2021 às 14h30.

Última atualização em 22 de agosto de 2021 às 16h11.

Poucos atletas no mundo chegaram onde Ana Marcela Cunha chegou. Nadadora da maratona aquática, ela é uma das poucas atletas que carregam o título de "multimedalhista": em 15 anos, entre Jogos Sul-Americanos, Pan-Americanos, campeonatos mundiais e Olimpíadas, foram 11 medalhas de ouro, três de prata e seis de bronze. Também foi eleita a melhor nadadora do mundo em águas abertas por seis vezes. Tudo isso antes dos 30 anos.

    Filha de pai nadador e mãe ginasta, Ana Marcela começou a nadar ainda criança, e fez sua primeira prova no mar aos oito anos. Se encantou com os peixes e nem pensou em voltar para as piscinas. Graças ao apoio da família, do seu clube, o Unisanta, e de marcas como a Speedo Brasil (multisport detentora da marca Speedo no Brasil), que a acompanha há 11 anos, conseguiu se dedicar exclusivamente ao esporte (um privilégio no Brasil) e, finalmente, subir ao pódio Olímpico.

    "A coisa mais legal dessa Olimpíada foi eu poder pegar a medalha e colocar em mim. Essa emoção de se premiar, de eu mesma poder pegar a medalha e pensar 'meu deus, isso está acontecendo mesmo!', foi muito marcante", contou Ana Marcela em entrevista exclusiva à EXAME. "Por mais que eu já tenha subido em muitos pódios, nada se compara à emoção, ao turbilhão de emoções que eu estou vivendo desde o momento que a prova acabou até agora."

    Sempre reafirmando a importância de sua equipe técnica ao se referir a si mesmo como "a gente", Ana Marcela fala sobre sua conquista como se fosse "só mais uma prova". Não por desdém, mas por ter conseguido manter a cabeça no lugar mesmo após "bater na trave" algumas vezes: mesmo sendo a melhor do mundo à época, a atleta não se classificou para Londres 2012 e, na Rio 2016, teve problemas com a alimentação durante a prova e chegou 10º lugar.

    "Para mim, o psicológico sempre foi um ponto positivo. Quando eu perco, ou quando eu não tenho um resultado como eu esperava, eu procuro não ficar martelando a parte negativa", conta Cunha que, agora com o ouro no pescoço, usa a fama para dar visibilidade à dura rotina dos atletas brasileiro, que "fazem milagres" com a estrutura que têm para treinar e ainda precisam escolher entre o esporte e os estudos.

    "Existem modalidades cujas atletas não tem um centro de treinamento com uma sala de musculação. E, aos 18, você precisa escolher entre os esportes e os estudos", pontua a nadadora. "Nos EUA, eles pensam em formar a pessoa para o futuro passando pelo esporte. Você só pode treinar se tiver boas notas. Existe esse incentivo, que aqui no Brasil a gente não tem."

    Confira a entrevista completa com Ana Marcela Cunha para a EXAME:


    Um dos momentos que mais chamou atenção na sua vitória foi uma entrevista que você deu, logo após a prova, dizendo que já sabia que iria ganhar. Que sensação foi essa?

    Eu passei por muitas coisas me preparando para isso e, de fato, depois de um treino animal que eu fiz, eu disse ao Fernando [Possenti, técnico] que, para alguém ganhar de mim nessa Olimpíada, teria que nadar muito. Eu estava muito convicta e muito segura de tudo o que fizemos nos treinos, dos resultados que eu estava conseguindo. Eu não sabia se alguém tinha se preparado melhor do que eu, mas eu sabia que eu estava no meu melhor momento. 

    Como foi o dia da prova, e o que passava pela sua cabeça até a hora da largada?

    Eu já estava desconectada de tudo, falando só com o Fernando, com os meus pais e com a minha namorada, e com a minha psicóloga. Acordei às 2h15, para chegar ao local de prova às 4h e largar às 6h. Não gosto de fazer nada correndo. Tenho vários TOC’s, então prefiro fazer tudo no meu tempo, mesmo que precise acordar mais cedo. Eu estava tão motivada e tão segura do que eu podia fazer que a única coisa que passava pela minha era fazer a prova. Eu coloco meu fone de ouvido e vou fazendo o que precisa ser feito. Não consigo explicar o quão fácil é porque já faz muito parte da minha rotina. 

    Na hora do pódio, todo mundo aqui no Brasil estava emocionado por você. Deu para sentir isso de lá?

    A coisa mais legal dessa Olimpíada foi eu poder pegar a medalha e colocar em mim. Essa emoção de se premiar, ao invés de ser uma pessoa que vai ali te dar parabéns… Eu mesma poder pegar a medalha, pensar “meu deus, isso está acontecendo mesmo!”, é algo muito diferente, muito marcante. Por mais que eu já tenha subido em muitos pódios, nada se compara a emoção, ao turbilhão de emoções que eu estou vivendo desde o momento que a prova acabou até agora. Escutar o hino nacional, olhar a bandeira… Não é mais uma copa do mundo, não é mais um mundial. É a Olimpíada, a mãe de todas! É surreal!

    Saúde mental foi o grande tema dessa Olimpíada. Como você lidou com o emocional durante todos esses 63 dias longe do Brasil?

    A parte mais estressante é o treino, quando a gente treina e não vai bem. Mas para mim, o psicológico sempre foi um ponto positivo. Nunca tive depressão, pensamentos ruins… Quando eu perco, ou quando eu não tenho um resultado como eu esperava, eu procuro os pontos positivos daquilo, sem ficar martelando a parte negativa. Claro que a gente treina para melhorar nossos pontos fracos, mas eu busco também não me deixar levar por pensamentos negativos. A preparação mental vem junto com a preparação física, então eu não dou chance para a cabeça pensar no passado, numa prova que eu fiz e não fui bem. Isso é algo que a gente não precisa no momento de competir, e eu não me dou chance para pensar nisso.

    Como você escolheu a maratona aquática? Você sempre preferiu o mar à piscina?

    Quando criança, a gente sempre começa na piscina. Mas eu sempre fui apaixonada pelo mar. Inclusive, aos oito anos, fiz minha primeira prova em águas abertas - foram 200 metros lá no Porto da Barra, e eu fiquei apaixonada pelos peixes. Depois que eu saí da prova, eu só queria voltar para o mar para ficar vendo eles. Não era nem pela competição, era pelos peixes. Então eu tive essa sorte, de aprender e ter resultados tanto no mar quanto na piscina, sem precisar fazer uma migração de um para outro.

    Além da natação, você chegou a tentar alguma outra modalidade esportiva quando mais jovem?

    Eu tentei aprender ginástica rítmica com a minha mãe, que era ginasta, mas eu sempre fui mais dura que rapadura. Na natação, realmente, eu deslanchei. A água sempre foi o meu vício. Na praia, eu só queria ir para o mar. Deixava minha mãe louca. 

    Você dedicou sua medalha à sua família e à sua namorada. Como é esse apoio da família, que deixa os atletas com o coração quentinho?

    Eles estão sempre me acompanhando. Meus pais foram atletas, então eles têm noção de como é essa vivência. Eu sempre tive apoio deles, dos meus avós. Nunca houve um dia em que eles disseram “hoje não”. Mesmo quando não tínhamos dinheiro, eles davam um jeito de pelo menos um deles me acompanhar. Normalmente era meu pai, enquanto minha mãe ficava cuidando do petshop que nós tínhamos. E os meus avós me ajudavam me buscando e me levando para os treinos, revezando com os meus pais. E sempre que eles estavam nos treinos, ficavam na borda da piscina curtindo comigo e me incentivando.

    É gostoso poder retribuir tudo isso. Porque não sou só eu ali competindo. É o meu técnico, é todo um staff multidisciplinar que está ali no feriado, no final de semana… Meu técnico mal viu as filhas crescerem, porque está desde 2012 nessa vida de viagens - quatro deles só comigo. É muita coisa. E poder retribuir tudo isso é muito bom, me deixa muito feliz. 

    Muita gente se emocionou também com a sua relação com a sua namorada. Os bilhetinhos que ela fez, você dedicar a medalha para ela... Estar à vontade consigo mesmo em relação à sua sexualidade te ajuda no esporte?

    Eu sempre fui muito na minha, porque querendo ou não, aqui no Brasil nós temos um pouco de medo de como vamos sair na rua. Não sabemos se a pessoa que está do nosso lado entende, se aceita, se é agressiva ou não. Nós vivemos um momento em que o mundo está mudando. Muitos atletas estão mostrando isso para o povo, e eu tenho aproveitado esse momento para mostrar quem eu sou. Nada mais justo do que dedicar a medalha a quem esteve comigo durante toda essa trajetória. Ter essa chance de me posicionar mostrar essa história é bom, porque muitas pessoas se identificam. Cada um pensa de uma forma, mas eu quero mostrar que eu sou feliz estando com quem me faz bem e não tenho vergonha disso. Essa é a mensagem.

    Durante a prova, nós ficamos super apreensivos - especialmente quando você caiu para o quinto lugar. O que se passa na sua cabeça lá, dentro da água?

    Isso foi muito da nossa estratégia, que não era ficar à frente sempre. Eu tinha consciência de que eu não precisava estar na ponta. Meu foco era nadar no meu ritmo, ser o mais econômica e hidratar o melhor possível nas paradas, porque a água estava muito quente. E ter muita paciência, porque se eu fico afobada, o coração acelera e o gasto energético é maior. Eu brinco que eu fui europeia: sangue frio total. São 15 anos vivendo isso, então hoje, de certa maneira, é só mais uma prova. 

    A estratégia era nadar um pouco mais atrás, sempre no vácuo, descansando um pouco, para conseguir chegar ao final em primeiro. Teve um momento que eu vi que estava em quinto, e isso não estava nos planos. Então eu decidi ir mais para frente aos poucos, passando uma por uma, até ficar na segunda linha, onde eu precisava estar para abrir a última volta. Tem que ter sangue frio, porque se eu acelero na hora errada, acaba com a estratégia toda.

    A natação não é tão popular quanto o futebol, que está na vida do brasileiro todos os dias, e não só a cada quatro anos. Daí na Olimpíada, de repente, todo mundo está olhando para você. Como você lida com isso?

    Eu sou ativa nas redes sociais, mas muito mais no Instagram, onde eu sigo só o que eu quero ver, sem ficar procurando pelo que estão falando de mim. É a Cacá, minha namorada, que ficava me mandando os memes. Mas eu entendi o quanto eu tenho de visibilidade - que eu não sou só uma atleta, uma pessoa, mas uma marca. E isso é por causa das redes sociais. Depois da prova, eu virei uma outra coisa. E tomo muito cuidado com o que eu falo, com o que eu posto, porque as críticas são sempre maiores que os elogios. “Ah, mas já participou de três Olimpíadas e não ganhou”. Imagina ouvir isso depois de passar anos treinando oito horas por dia? É um desgaste muito grande. Mas depois da prova, muitas pessoas passaram a seguir e comentar coisas positivas. E isso não tem preço. É só depois da conquista que a gente consegue mostrar esse valor.

    Agora com todos esses seguidores, qual o plano da marca Ana Marcela?

    Querendo ou não, a gente vive treinando para ser reconhecido. Mas eu vou continuar sendo a pessoa simples que eu sempre fui. É muito engraçado, por exemplo, quando eu vou a um restaurante e as pessoas me abordam falando “nossa, você está aqui, comendo”. Eu falo: “mas é claro! a gente come também!” (risos) Sou ser humano como qualquer outra pessoa. Inclusive, não vou em restaurantes caros, não. Eu adoro ir no quilo. Afinal, sou nadadora, né? Eu gosto de fazer pratões!

    A Speedo Brasil te patrocina há mais de 11 anos. Como que o apoio de uma marca te ajuda a ser uma atleta melhor?

    A Speedo Brasil, é o meu patrocinador mais antigo, e eu nado também pela UNISANTA, que é o meu clube. Isso me dá segurança para investir naquilo que eu preciso. É poder contar com pessoas que eu sei que estão ali para me ajudar. Eu só cheguei onde cheguei porque consegui investir na melhor qualidade em relação a tudo: nutricionista, massagem, equipamento, técnico…Tem atletas que não tem um clube que dá renda para eles. O meu técnico, o Fernando, já esteve nessa situação também, e eu tinha que pagar um salário para ele. Hoje, ele tem carteira assinada no COB, o que é uma ajuda indireta para mim, que posso economizar esse dinheiro para investir em outras coisas, como viajar melhor para conseguir competir bem. O COB nos paga apenas passagens na econômica, e aí eu pego esse dinheiro que vou guardando para ir de executiva - assim, eu consigo dormir e chegar descansada no destino. Não é pela comida, pelo banho, pela sala VIP, mas para conseguir deitar e dormir. 

    Onde o esporte brasileiro poderia chegar se todos tivessem esses privilégios que você teve?

    Se a gente tivesse que pegar algum exemplo, os Estados Unidos é o melhor. No Brasil, infelizmente, aos 18 anos, você precisa escolher entre o esporte e os estudos. É muito difícil encontrar um atleta aqui que consiga levar essas duas coisas ao mesmo tempo. Eu faço parte da Unisanta, e lá isso é possível. Mesmo em um ano olímpico, em meio à pandemia, eu consegui me formar em educação física, porque tive o apoio deles na adaptação das aulas, das provas… Em meses que eu viajo muito para competir e não consigo acompanhar as aulas, eu tranco e volto depois da competição. Fui fazendo seis meses por ano, e acabei levando oito anos para terminar a faculdade.

    Nos EUA, a coisa é diferente. Se você nada bem, você consegue bolsa para a faculdade. Mas você só vai nadar e competir se tiver notas boas. Então você cresce sendo educado para isso. Lá, os caras pensam em formar a pessoa para o futuro passando pelo esporte. Na NCA, que é a competição mais forte dos EUA - atrás apenas do campeonato nacional e da seletiva olímpica -,  você só pode competir se for aluno de faculdade. Você não pode ter contratos, salários, mas os caras abrem mão de tudo isso porque é o caminho mais fácil para se tornar um atleta profissional. Existe esse incentivo, que aqui no Brasil a gente não tem. 

    Você é de Salvador, mas hoje mora no Rio de Janeiro, justamente para treinar. Por quê?

    Hoje eu treino no Maria Lenk, que é um legado dos Jogos Panamericanos de 2007. Mas existem umas 30 modalidades cujos atletas não tem um centro de treinamento com uma sala de musculação no mesmo lugar em que eles treinam. Eu saí de Salvador para o Rio porque lá eu levava três horas por dia dentro de transporte e ainda tinha que arcar com toda a minha comissão técnica. No Maria Lenk, que é uma estrutura mais adequada e completa, eu treino na água, faço musculação, massagem, tenho nutricionista, psicóloga, alimentação… Tudo no mesmo lugar. Eu só preciso me preocupar em treinar, treinar e treinar. Saio e volto para casa zerada. 

    Antes da pandemia, as portas do Maria Lenk eram abertas para que atletas de base pudessem treinar lá também, ao lado de campeões olímpicos. Essa interação que precisa ser cultivada. Precisamos de mais instalações adequadas para que os atletas consigam dar o seu melhor. Muitas vezes nos questionam por não conseguirmos uma medalha, mas as pessoas nem imaginam o que passamos só para conseguir se classificar para a competição. Nós fazemos milagre com o que nós temos. O esporte é muito mais que só ganhar. Estar ali tem um valor, um significado. As pessoas querem ver o Brasil ali, querem torcer. 

    Agora que você é ouro na Olimpíada, quais são os próximos passos?

    Virou até meme: eu tinha acabado de sair da prova e o Fernando veio conversar comigo, me parabenizar. E justo quando fez um silêncio, ele disse: “agora só falta os 10km do mundial!”, que é a única medalha que eu ainda não tenho. E ficou muito engraçado, porque eu tinha acabado de sair da prova, super cansada… O nosso objetivo agora é esse. Já ganhei ouro nos 5km e nos 25km do Mundial, e agora faltam os 10km. É o objetivo!

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