Amber Ale infusionada com canabis. (Lauri Patterson/Getty Images)
Julia Storch
Publicado em 15 de janeiro de 2023 às 08h00.
É provável que você já tenha notado na lista de cervejas do seu bar favorito prefixos complexos e estranhos a frente de cervejas que você já conhece. Palavras como: Mango Kush, Lemon Skunk, Berry Gelato, California Orange, ou simplesmente a expressão "terpenada" compondo a designação ou descrição de uma cerveja, tendência que vem se tornando cada vez mais comum por aqui.
Tanto como apreciador quanto como produtor, tenho um grande interesse por cervejas terpenadas e gostaria de ajudar a esclarecer o que elas são e oferecem de fato.
Já peço que me perdoem pelo simplório jogo com a palavra, mas na verdade apesar dessas cervejas terpenadas não “darem barato”, elas poderiam ser mais “baratas”, e sem dúvidas são um novo “barato” no mundo cervejeiro.
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Não. Infelizmente, estas cervejas não dão nenhum “barato” - além do que o álcool já provem. Mas por que muitos acreditam que daria? Os tais terpenos são um grupo de compostos químicos que ocorrem naturalmente em diversas plantas. São bastante diversos e os principais constituintes dos conhecidos óleos essenciais. Eles tem diversas funções naturais (e muitas que podem ser usadas para benefícios humanos) mas as mais relevantes para nosso tema são as relacionadas ao aroma. Eles podem atuar tanto como protetores contra herbívoros, afastando-os, quanto atraindo insetos fundamentais para polinização.
E sabe qual planta - da família botânica Cannabaceae – é muito rica em terpenos? A maconha! Por isso a ideia de que terpenar uma cerveja poderia levar a uma viagem além do álcool. Porém, eles apenas fornecem aroma para a planta e não tem relação direta com os canabinóides que sim podem afetar nossa percepção da realidade. E atualmente apesar os nomes mencionados no inicio do texto serem de famosas linhagens de maconha “gourmet”, os terpenos utilizados no processo cervejeiro são puros e extraídos de frutas.
Como o lúpulo - membro da mesma família da maconha - também é abundante em terpenos, a presença desses compostos na cerveja não é por si só novidade. E nem a ideia de apresentá-los em maior quantidade no seu copo.
Quando um cervejeiro adiciona cargas brutais de lúpulo em uma cerveja, o desejo dele é que mais desses compostos sobrevivam ao processo cervejeiro e cheguem até o nariz dos consumidores.
E, infelizmente, esse processo acaba acarretando um baixo rendimento na produção. Assim se utilizarmos apenas uma solução em água de terpenos puros e superconcentrados teremos menos perdas no processo, e com isso, menor custo. Eu sei que isso ainda não se traduz no preço do copo daquela “Lemon Gelato Kush” que foi lançada ontem. Tem outros fatores mercadológicos aqui. Mas no custo elas podem ser mais equilibradas pela redução do desperdício.
Alguns dos terpenos purificados seriam mirceno, cariofileno, limoneno, alfa-pineno, e linalool. São misturas em proporções específicas de cada um que se apresentam nos diversos lúpulos e linhagens de maconha (e nas demais plantas). Isso permite aos cervejeiros copiarem as misturas já existentes, ou criarem novas sensações. E tudo isso pode ser feito já com a cerveja pronta, adicionando os terpenos praticamente no seu copo para uma explosão de aromas e sabores. Eles tem sido mais utilizados em estilos focados em lúpulos com as IPAs (mas recomendo o uso em sours também), então experimente já uma NEIPA, HAZY IPA ou outra IPA terpenada!
*Rodrigo Louro é biólogo, doutor em Bioquímica (USP), pós-doc em Biologia Molecular (EMBL), especialista em Microbiologia Cervejeira (SIEBEL), e sócio-fundador da Sinnatrah Cervejaria-Escola.