Futebol: jogos sem torcida serão comuns na retomada das partidas (Andreas Gebert/Pool/Reuters Brazil)
Agência Brasil
Publicado em 1 de junho de 2020 às 12h25.
Última atualização em 1 de junho de 2020 às 12h36.
A pandemia do novo coronavírus (covid-19) obrigou a humanidade a parar. A parar, repensar e mudar vários aspectos da vida. Diante de um vírus que se espalha com muita facilidade, um novo normal começa a se estabelecer a partir de alguns princípios: restrições de movimentação, menor interação social e cuidados extremos de higiene. No mundo do esporte de alto rendimento não é diferente. Grandes eventos, como os Jogos Olímpicos, a Copa América, a Eurocopa e campeonatos nacionais de futebol, tiveram de ser adiados ou cancelados enquanto se pensa em formas de realizá-los com segurança.
E é para tentar imaginar as mudanças que a prática esportiva de alto rendimento sofrerá em um futuro próximo que a Agência Brasil conversou com dois pesquisadores que tem o universo do esporte como seu objeto de estudo, o sociólogo e professor da Faculdade de Comunicação Social da Universidade do Rio de Janeiro (Uerj) Ronaldo Helal e o professor da Escola de Ciências Sociais/FGV-CPDOC Bernardo Buarque de Hollanda.
Um dos elementos que mais chama a atenção no novo normal do esporte de alto rendimento é a ausência de torcedores em praças esportivas. Segundo Ronaldo, diante de um vírus novo e com contágio muito rápido, não dá para ser diferente. No Campeonato Alemão, por exemplo, esta mudança fica bem evidente: “Com jogos com portões fechados e os jogadores sem se abraçarem na comemoração dos gols. E também fazendo testes regulares. Esta é a mudança que é possível no momento”.
Futebo
Bernardo também aponta o Alemão como o campeonato a ser observado, pois é a primeira das principais competições nacionais do Velho Continente a reiniciar após a pandemia, mas afirma que a realização das partidas sem a presença de torcidas não vai servir para todos os clubes, mas apenas para aqueles que estão na “vitrine do futebol mundial […], tendo exibição e alcance planetário”. No entendimento do pesquisador, estes conseguem, minimamente, “contornar o atual momento” com as receitas provenientes de transmissões televisivas.
Ronaldo diz que a primeira mudança causada pela ausência de torcedores nos estádios é percebida na performance dos atletas: “Você perde muito. Um espetáculo de massa, sem a massa. Mesmo transmitido pela televisão. É o mesmo que um teatro vazio. A tendência dos atores é não ter uma performance tão motivada por adrenalina como tem com a presença do público. Isso pode acontecer também no caso do futebol, sem o incentivo da torcida. Mas é o que se pode fazer no momento. Não sabemos quanto tempo vai durar. Acho que o público não vai se sentir nem satisfeito, nem insatisfeito, mas acho que vai entender que isso é o que é possível fazer no momento”.
Porém, em suas observações Bernardo identifica grupos que não receberam bem esta nova forma de consumir o futebol: “É interessante que, no caso da Europa, algumas torcidas organizadas estão promovendo campanhas contra a volta dos campeonatos. Partem da ideia de que, se não vai ter torcida, é melhor não ter futebol”.
Em meio a tantas incertezas, e pensando na realidade brasileira, o pesquisador da FGV afirma que “é muito pouco provável que aconteça algum campeonato com a presença do público no Brasil em 2020”.
Para o esporte brasileiro, que ainda está pensando em formas de retorno aos treinos, imaginar formas alternativas de torcer ainda parece algo distante. Mas na Dinamarca esta já é uma realidade. O campeonato nacional do país europeu optou por “levar” a torcida ao estádio através de telões instalados nas arquibancadas nos quais os jogadores veem imagens dos torcedores transmitidas por aplicativos de teleconferência.
Para Bernardo, em um contexto de agravamento da pandemia, as novas tecnologias não devem se restringir ao ato de torcer, mas também podem ser usadas para permitir que atletas que estejam em locais diferentes possam competir entre si: “Estamos em um ponto de inflexão em que paradigmas são repensados […]. Até que ponto podem ser criadas formas de cobrir performances esportivas nas quais as pessoas não estejam presentes? Isto pode ser especulado. Os atletas não estarão no mesmo locus presencialmente, mas você pode criar formas de competição filmada. Soa absurdo e especulativo hoje, mas de fato ainda estamos em um momento nebuloso no qual não conseguimos discernir o que acontecerá adiante”.
Um dos paradigmas que pode vir a ser questionado caso a pandemia perdure por um período de tempo muito longo é o da realização de grandes eventos esportivos no atual formato. “O formato tradicional de um encontro a cada quatro anos, que reúne todos [os atletas] no mesmo local, com vila olímpica, pode ter de ser refeito […]. Entendo que, assim como todas as áreas estão se adaptando, pode ser que muitas coisas no âmbito do esporte que sejam consideradas imprescindíveis, das quais não se abre mão, sejam reinventadas”, diz o pesquisador da FGV.
Mas algo que os dois pesquisadores afirmam torcer para não mudar, quando se fala em grandes eventos esportivos, é que eles continuem a ser entendidos como momentos de celebração da humanidade.
“Entendo também [assim como o presidente do Comitê Olímpico Internacional, o alemão Thomas Bach] a ideia dos Jogos como uma celebração da humanidade após a pandemia. Tomara que sejam vistos desta maneira mesmo. Porque há uma metáfora nos Jogos Olímpicos de uma união entre nações. O esporte proporciona um pouco isso. De as regras serem as mesmas para todos, que o melhor vence pelos seus méritos. Se superarmos esta pandemia, se já tivermos uma vacina, e espero que sim, espero que seja uma grande celebração da humanidade [os Jogos de Tóquio], da vida após a pandemia, de união entre as nações e povos”, conclui Ronaldo.