A arquiteta e urbanista Raquel Rolnik (Revista EXAME/Exame)
Ivan Padilla
Publicado em 9 de abril de 2020 às 13h18.
Última atualização em 9 de abril de 2020 às 13h53.
Para a arquiteta e urbanista Raquel Rolnik, a quarentena nos apontou o caminho para cidades com melhor mobilidade
Que mundo encontraremos após a pandemia do coronavírus? Que lições teremos aprendido? Como passaremos a lidar com a saúde? Como ficarão aspectos do cotidiano, como as relações de afeto, o mercado de consumo, a espiritualidade? E a economia? Ninguém tem ainda essas respostas. O resultado vai depender de nossa compreensão dos acontecimentos, dos posicionamentos da sociedade civil, das atitudes socialmente responsáveis das empresas, dos caminhos adotados pelos governantes. Em resumo: vai depender de nós. Para tentar antecipar esses cenários, falamos com especialistas em diversas áreas. O resultado você confere nesta reportagem da edição 1207. Nos próximos dias, continuaremos o debate com outros especialistas aqui no site.
A seguir, o depoimento da arquiteta e urbanista Raquel Rolnik, professora na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo:
Estamos vendo já alguns impactos da quarentena, mas o caminho somos nós quem vamos escolher. Em países como China e Itália, a ausência de carros nas ruas reduziu a concentração de dióxido de nitrogênio, resultante da combustão, segundo informações preliminares. As cidades estão mais limpas.
Dados como esses podem acelerar a discussão sobre mobilidade. Somos muito dependentes dos meios de transporte sobre rodas, enquanto nossas vias de trilhos são escassas. E não estamos falando de medidas paliativas, como trocar o carro próprio pelo Uber. Talvez, a partir desses acontecimentos, o Estado brasileiro passe a investir mais em linhas de trens e metrôs. É o que precisamos para ter cidades com melhor mobilidade.
Uma mudança na mobilidade traria um outro efeito: a redução das mortes por trânsito. Metade dos leitos nas UTIs está ocupada por vítimas de acidentes de carros. No momento em que tanto se fala de nossa capacidade hospitalar para enfrentar nossas necessidades, esse é um dado importante para levar em consideração.
Por fim, uma menor dependência de automóveis poderia colocar em discussão um modelo urbanístico que ganhou força por aqui principalmente a partir dos anos 1990, que é o deslocamento de parte das classes média e média alta para as periferias, nos condomínios de alto padrão, num autoconfinamento da vida em comunidade. Esse sistema depende do carro como meio de locomoção, já que trilhos exigem alta densidade populacional. A ocupação dos espaços poderá também ser repensada.