O comercial da Empiricus que virou meme trazia Bettina contando como transformou mil reais em um milhão (Reprodução/Divulgação)
Daniel Salles
Publicado em 7 de dezembro de 2020 às 14h09.
Última atualização em 7 de dezembro de 2020 às 20h57.
Adoro histórias de volta por cima. Mesmo quando o protagonista é alguém por quem não sinto nenhum apreço, e nenhum desprezo, como é o caso aqui. Sempre me bate uma empolgação forte de acompanhar uma reviravolta.
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Talvez você não se lembre ou nem conheça a Empiricus. Mas, provavelmente, se lembra da Bettina. Bettina, 22 anos, um milhão e quarenta e dois mil reais de patrimônio? O comercial da Empiricus que virou meme trazia Bettina contando como transformou mil reais em um milhão em poucos anos, sem segredo nem sorte, segundo suas palavras em um filme no YouTube. "Simples", ela dizia. O objetivo era vender relatórios de mercado financeiro e, talvez, fazer ingressar um punhado de novos investidores pessoas físicas na Bolsa.
Devem existir muitas análises por aí sobre as falhas de branding na campanha da Bettina, mas me arriscaria a dizer que o grande erro da Empiricus foi veicular um filme em um país tão diverso e desigual como o nosso com uma menina loira e branca dizendo que ficar milionária é simples.
Além de virar meme, a Empiricus tomou bronca da CVM (a autarquia que regula o mercado de investimentos no Brasil) e do Procon (esse você já conhece). No curto prazo, deve ter doído no bolso; no longo, doeu na marca.
Quando você se vê numa crise de credibilidade, o mais recomendado é reconhecer o erro com muita agilidade e corrigi-lo exageradamente com mais agilidade ainda. Nesse caso, o que vimos foi um pedido de desculpas que, para desapontamento geral dos consumidores, falava, em palavras bonitas, que o erro era nosso por termos entendido tudo errado.
Se a Empiricus tivesse interpretado o consumidor como sabe interpretar empresas, talvez a história tivesse sido outra.
Olhando pela lente do branding, o problema de percepção gerado na cabeça do consumidor foi a desconfiança e a charlatonice, falsas promessas e ganhos irreais no curto prazo. Uma vez que se perde a credibilidade, insistir no mesmo meio de comunicação é inútil. Em outras palavras: o consumidor desgosta da Empiricus por conta da Bettina vai continuar pensando da mesma forma se o próximo vídeo for com a Valentina.
https://exame.com/casual/bob-dylan-vende-direitos-de-suas-musicas-por-us-300-milhoes/
É um tombo difícil de se recuperar.
A Empiricus precisa, então, provar que seu produto - suas análises de mercado - têm valor e que sabe orientar investidores iniciantes. E mais: precisa que seus clientes não tenham vergonha de recomendar seus relatórios e assumir que consomem seu produto.
Eis que os sócios da Empiricus lançam um livro recentemente chamado "Princípios do Estrategista: O Bom Investidor e o Caminho para a Riqueza" e a "sorte" começa a virar. A genialidade começa no nome. “Princípios” é um termo muito usado no mercado financeiro, remete ao livro do Ray Dalio e, bem sabemos, está associado a "virtude". "Estratégia" é o oposto do curto prazo.
Comecei a varrer perfis de Instagram de influenciadores de finanças. Vi alguns recomendando o livro nos stories. A indicação do conteúdo veio “de gente que entende” na rede social mais intimista que existe. A audiência compra o livro, lê e ainda pode ser percebida como insider do mercado financeiro, já que soube do lançamento antes dos outros.
A credibilidade emprestada de terceiros não para por aí. O livro conta com um prefácio de André Esteves, sócio sênior do BTG, e de Gilson Finkelsztain, presidente da B3, e, também, com a contribuição de alguns outros nomes no decorrer das páginas.
Antes de abrir o livro, eu já podia sentir a empolgação da reviravolta de marca.
Li o livro.
A narrativa faz a gente se sentir tomando uma cerveja, ouvindo falar do mercado financeiro. Me senti no Brewteco - descontado o calor da Dias Ferreira e a cerveja derramada no pé. A linguagem reúne todos os jargões do mercado financeiro com termos que só um Faria Limer sabe usar. O livro faz alguém que sempre teve medo do mercado financeiro achar que agora pode começar a investir.
A maior parte dele pede cautela e diligência. Tem, ainda, uma tirada de onda por ter previsto uma crise, mesmo afirmando no restante do livro que ninguém sabe prever nada muito bem. E tem piadinhas infames e metáforas com o futebol. E tem até direito a um final, sem spoilers, emocionante.
Na minha breve análise, digo que está recuperada a imagem da Empiricus nos quesitos conhecimento de investimentos; visão de longo prazo; análise de mercado; e, claro, simpatia dos founders.
Fico mais impressionada por esta ação que custou muito pouco em mídia e em propaganda tradicional. Um esforço de tempo, de produção, e alguns R$ investidos podem mudar de vez a percepção da marca. Pode ser que um dia ninguém se lembre que a Bettina estava em uma campanha da Empiricus ou não lembre que sua campanha lá atrás foi mal sucedida. Será que em branding, assim como no Brasil, até o passado é incerto?
Guta Tolmasquim é estrategista de marcas e CEO da Brand Gym, empresa especializada em branding para empreendedores. Apesar de já ter andado de patinete pela Faria Lima, não saberia dizer a diferença entre Selic e CDI.