O encantamento de A Separação reside na forma extremamente sutil com que o diretor cria as ramificações entre a vida privada e aspectos políticos e sociais do Irã (Kevin Winter/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 21 de janeiro de 2012 às 18h18.
Quase sempre associado à histórias profundamente cerebrais e dramas estrelados por criancinhas pobres, o cinema iraniano passou, de uma hora para outra, a ser cortejado até nos salões da indústria americana. O responsável por esse feito é A Separação que, depois de ganhar o Urso de Ouro no Festival de Berlim de 2011 e sair no último domingo, dia 15, da festa do Globo de Ouro com o prêmio de melhor filme estrangeiro do ano, agora desponta como virtual vencedor da categoria no Oscar.
Atrás da façanha está Asghar Farhadi, um jovem diretor de 39 anos relativamente novo no circuito dos festivais internacionais de cinema – Procurando Elly (2009), seu longa-metragem anterior, venceu o Urso de Prata de direção em Berlim, mas teve carreira modesta nos cinemas estrangeiros. Craque na sutileza, desta vez Farhadi deixou o mundo a seus pés com a história aparentemente simples de um casal em processo de divórcio que revela a complexidade da realidade de seu país.
O encantamento de A Separação , que chegou às salas das grandes cidades brasileiras na sexta-feira, dia 20, reside na forma extremamente sutil com que o diretor cria as ramificações entre a vida privada e diversos aspectos políticos, religiosos e sociais do Irã. O ponto de partida é o divórcio entre a professora Simin (Leila Hatami) e o bancário Nader (Peyman Moaadi), que recusa-se a mudar com a mulher para o exterior porque precisa tomar conta do pai senil.
Já sem contar com a ajuda da esposa em casa, Nader contrata Hodjat (Shahab Husseini), uma jovem mãe grávida de um segundo filho, para cuidar do inválido e de Termeh (Sanira Farhadi), a filha adolescente do casal. Extremamente religiosa, Hodjat trabalha às escondidas do marido, um sujeito psicologicamente instável e cheio de dívidas. As diferenças morais e religiosas entre as duas famílias começam a ficar mais evidentes, mas não menos complexas, quando um grave incidente os coloca diante de um juiz.
Assista ao trailer de A Separação:
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O grande trunfo de Farhadi, também autor do roteiro, é não tomar partido. Ao contrário, o diretor consegue conquistar a solidariedade do espectador para ambas, expondo com imagens e palavras a ambiguidade dos conceitos de verdade, justiça e moral dentro da sociedade iraniana.
Por muito menos outros filmes iranianos, como O gosto da cereja (1996), de Abbas Kiarostami, que fala sobre suicídio, foram banidos do país. “Com o tempo, aprendi a desafiar (intelectualmente) e a convencer as autoridades que regulam o cinema no Irã”, disse o bravo diretor em Berlim, em entrevista ao site de Veja.
- Seus filmes anteriores também são centrados em núcleos familiares e falam sobre casamentos em dissolução. Como o senhor os distingue de A Separação?
Asghar Farhadi: Estava decido que, se voltasse a fazer um filme que mostrasse detalhes da vida íntima de uma família, ele deveria conter elementos que pudessem ser aplicados a toda sociedade iraniana. Bastava ser suficientemente realista. Foi o que fiz. Tentei colocar todas as minhas preocupações com o país em A Separação. As linhas básicas do drama cinematográfico estão lá, mas o divórcio do casal é apenas um instrumento que permite que o espectador entre na história.
- Podemos dizer que o filme é um retrato das contradições políticas, religiosas e morais do Irã moderno?
Farhadi: O Irã é um país muito grande, com diferentes culturas, classes sociais e níveis de aceitação religiosa. Então, não seria realista descrevê-lo como um retrato do país inteiro. O que posso dizer é que A Separação fala sobre um grupo específico da população do Irã, e que tento ser o mais realista possível em relação a realidade dele.
- No filme, é a filha adolescente do casal quem questiona o comportamento tanto do pai quanto da mãe, e ainda tem que escolher com qual dos dois terá que ficar no final do processo de divórcio. É um personagem simbólico?
Farhadi: A verdade é que acredito que o futuro (do Irã) será feito pelas mulheres, daí o peso da decisão recair sobre a filha deles. É dela a responsabilidade de escolher entre o pai, que de certa forma está ligado às raízes, às tradições, e a mãe, que deseja outra vida para si e para a filha.
- Seu filme tangencia diversos aspectos políticos, religiosos e sociais polêmicos em seu país. Outros filmes iranianos já foram banidos do país por muito menos. Os censores estão mais maleáveis?
Farhadi: Às vezes, fazer cinema no Irã é como subir num ringue de boxe. Há pugilistas que se movimentam muito, desferem golpes a torto e à direita, temendo o que possa acontecer. E há os mais tranquilos, observadores, que esperam o rival baixar a guarda para desfechar seu golpe. Faço parte deste segundo grupo. (risos)
- Então o projeto foi submetido, como de praxe, às autoridades iranianas?
Farhadi: Não há outra forma de fazer filmes no Irã. O processo é longo, mas acho que aprendemos, com o tempo, a desafiá-lo. Primeiro submetemos o roteiro à aprovação de um comitê. Caso aprovado, o projeto recebe recursos do governo e passa para a próxima fase, as filmagens. Mas depois temos que submeter o filme pronto a outro comitê. São eles que decidem se ele é lançado ou não. Assumi o risco de não mostrar tudo para o meu público, a confiar no poder de compreensão dele, e acho que isso ajudou. O tempo em que os diretores tinham que ensinar o público a ver e entender um filme já passou.
- Como o cinema iraniano sobrevive em meio a tantas restrições?
Farhadi: Acho que as limitações que nos são impostas ajudam, de certa forma, a tornar o nosso cinema único, diferente. Porque estamos sempre buscando novas formas de nos expressar através dos filmes. Ainda não conseguimos derrotar a censura, mas acho que ainda conseguimos fazer filmes melhores do que em muitos países que gozam de mais liberdade de expressão. As limitações podem, em um curto período de tempo, inspirara a criatividade. A longo prazo, no entanto, são capazes de destruí-la.