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O CEO que fugiu em uma caixa: documentário da Apple TV+ traz versão de Carlos Ghosn; leia entrevista

Em entrevista a Casual EXAME, Mike Taylor e James Jones contam sobre os bastidores das filmagens, o caso e a relação com Ghosn

Carlos Ghosn em depoimento ao documentário "Procurado - A Fuga de Carlos Ghosn". (Apple TV+/Divulgação)

Carlos Ghosn em depoimento ao documentário "Procurado - A Fuga de Carlos Ghosn". (Apple TV+/Divulgação)

Júlia Storch
Júlia Storch

Repórter de Casual

Publicado em 23 de agosto de 2023 às 17h14.

Última atualização em 23 de agosto de 2023 às 17h50.

Raio-x, scanners e câmeras por todos os lados. O ingresso ou saída de qualquer aeroporto possui procedimentos de segurança tão rígidos e protocolares que é difícil imaginar falhas. Mas, em 2019, uma enorme caixa de instrumentos musicais conseguiu sair do aeroporto de Tóquio sem nenhuma revista. O conteúdo do baú não continha uma bateria nem mesmo um piano, mas uma pessoa, Carlos Ghosn, ex-CEO da Renault-Nissan. A fuga espetacular e ultradivulgada na época volta à tona nesta semana, com o lançamento do documentário Procurado - A Fuga de Carlos Ghosn, na Apple TV+, em que o executivo revela sua versão dos crimes que cometeu nas montadoras.

Inspirada no livro Boundless, escrito pelos repórteres Nick Kostov e Sean McLain do The Wall Street Journal, a série documental dirigida por James Jones traz entrevistas e filmagens inéditas com os principais personagens que viveram ao lado de Ghosn, como Carole Ghosn, esposa de Carlos, Mike Taylor, ex-membro das Forças Especiais do Exército dos Estados Unidos que executou o plano de fuga de Ghosn, Peter Taylor, filho de Mike que se envolveu no caso, Greg Kelly, ex-diretor da Nissan, Takashi Takano, advogado de Ghosn.

A produção, que estreia na sexta-feira, 25, conta a ascensão de Ghosn ao poder corporativo no Japão, suas várias prisões e os detalhes de sua espetacular fuga para o Líbano, assim como os eventos que se desenrolaram, como as prisões de Mike e Peter por quase dois anos no Japão e a previsão dos próximos acontecimentos.

Em entrevista a Casual EXAME, Mike Taylor e James Jones contam sobre os bastidores das filmagens, o caso e a relação com Ghosn.

O que te atraiu sobre a história de Carlos Ghosn para produzir um documentário?

James Jones: Soube sobre ele como a maior parte do mundo, com as manchetes ao redor do mundo sobre o homem que escapou em uma caixa. Obviamente me atraiu o fato de que esse empresário superstar foi reduzido a escapar em uma caixa, em uma espécie de enredo saído de Hollywood. Então fiquei intrigado e quanto mais comecei a ler e falar com as pessoas e entrar na história, ficou claro que essa não era uma história simples de uma espécie de uma injustiça contra um empresário. Era escuro e distorcido. E então, fiquei ansioso para ficar preso, investigar e descobrir o que realmente aconteceu em todas as partes dessa tempestade.

Existem muitas contraposições na série se Ghosn é um vilão ou uma vítima. Enquanto ele se defende há diversos fatos que comprovam o outro lado. Como você fez com que ele participasse do projeto?

JJ: Não foi fácil, ele é um homem obcecado com seu legado, mas ele o controla com muito cuidado. Mas nos conhecemos em um hotel em Beirute. Eu contei a ele sobre o projeto, conversamos bastante e detalhadamente. Acho que ele ficou impressionado por entender a complexidade e as nuances do caso. Como sempre, quando você está conversando com alguém sobre quem está fazendo um filme ou projeto, você é direto com essa pessoa, você diz 'escute, você não vai ter nenhum controle sobre a série. E haverá coisas lá que você não gosta, mas acho que você gostará mais, se estiver nele, e será um reflexo melhor da verdade'. Então acho que eles entenderam o poder que o documentário traria.

As negociações continuaram por um tempo porque tinham outros projetos, outras ofertas. E foi, no final das contas, apenas a ideia de que a nossa seria a maior e mais definitiva e que eles meio que confiaram em nós para contá-la corretamente. Eles acharam melhor fazer parte disso, em vez de assistir depois.

Se Ghosn não tivesse aceitado participar, acredita que poderia fazer o documentário sem ele?

JJ: Acho que teria sido muito difícil filmar sem Carole e Carlos. Ou sem Mike Taylor. Para o documentário fizemos todas as investigações, mas sem os principais atores diante das câmeras falando sobre isso, nunca parecerá a história completa. Você  quer olhar alguém nos olhos. Como se você estivesse decidindo se alguém é uma vítima ou um vilão, você quer vê-lo, sentar ali, olhando para a câmera, ver o branco dos olhos e realmente ter uma noção. Era um propósito como pessoa. Então acho que teríamos lutado. Teríamos conseguido de alguma forma, mas não teria sido a mesma história sem a participação dele.

Mike e Peter estavam presos, acho que durante o início da produção e como seria o documentário sem a participação deles e você sabia quando eles seriam libertados?

JJ: Conhecemos Rudy, que é outro filho de Mike, em Beirute. Fiquei preocupado com o pai dele e com o irmão dele. Ele estava me contando pequenos trechos sobre as condições em que se encontravam no Japão. Então eu penso em um nível humano. Eu realmente esperava que eles pudessem voltar para casa, nos Estados Unidos. E da perspectiva de um cineasta, eu estava realmente ansioso para conhecer Mike e Peter. Foi apenas no ano passado que eles foram libertados e, você sabe, eu não queria ser direto sobre eles, que já passaram por tanta coisa. Houve um trauma, houve consequências físicas de estar nessas condições. Então eu não queria ser um dos muitos jornalistas batendo na porta deles e ligando para eles. Queria ser respeitoso e decente.

E então me lembro de Mike me ligar. Acho que foi na véspera de Natal. E eu estava tão animado para receber a ligação que queimei o molho para o peru que estava assando. E logo depois de cinco minutos no telefonema o alarme de incêndio em nossa casa disparou, acordou o bebê, e ficamos sem molho no dia de Natal, mas eu estava tão animado que Mike estava me ligando. Ele foi uma figura muito importante em toda a história. Eu precisava encarar isso com calma recentemente e foi o que fiz, e então nos conhecemos alguns meses depois em Massachusetts. Estou emocionado que isso deu tudo certo.

Qual foi a reação de Ghosn sobre a série?

JJ: Bem, ele tem que esperar até sexta-feira como o resto do mundo.

Mike, quero saber o seu lado da história. Mas primeiro, o que você sabia sobre a história de Ghosn antes de ajudá-lo a escapar do Japão?

Mike Taylor: Eu não sabia muito sobre a história até receber um telefonema de um de seus amigos me perguntando se eu poderia ajudar a libertar alguém que estava sendo torturado. E eu disse, 'tudo depende'. Então, no final das contas, fui ao Líbano e me encontrei com essa pessoa e a esposa de Ghosn, Carole, e eles fizeram uma discussão muito articulada e profunda sobre o que Carlos estava enfrentando e a tortura que ele estava recebendo e como era injusto e era o sistema de justiça de reféns. E assim por diante. Isso é o que eu realmente aprendi sobre ele. E foi por isso que decidi ajudar. se alguém estiver sendo torturado assim, eu estaria disposto a ajudá-lo.

E você acreditou na época que ele era uma vítima?

Bem, não posso dizer judicialmente falando. Esse não era o meu interesse. Meu interesse era simplesmente não permitir que alguém fosse torturado.

A situação de Ghosn era muito delicada e a mídia estava, e ainda está, muito focada nele. O que te motivou além de ajudá-lo, pois no final foi muito arriscado para você e seu filho.

Sim, foi principalmente isso, porque todo mundo ficou saturado de todo mundo, me dizendo no Líbano e em outros lugares, 'que cara legal. Isso é injusto. Olha, o que eles fizeram com Greg Kelly'. Os japoneses  fizeram essa operação e o enganaram para que Kelly viesse poucos dias antes de fazer uma cirurgia muito crítica nas costas e o prenderam em Tóquio. Portanto, parecia que o sistema estava vivo e funcionando bem em todo o mundo, inclusive no coração da América. Não são os seus cidadãos americanos que estão fora. Então essas são as coisas que realmente chamaram minha atenção e me convenceram a ajudá-lo.

E você considerou que também poderia ir para a cadeia?

Bem, fizemos pesquisas jurídicas de antemão. E quer saber, muitas pessoas no resto do mundo não entendem que o fugir do julgamento não é crime no Japão. Se fosse um crime, eles acusariam Carlos disto também. Ajudar alguém a escapar da fiança também não é crime, é apenas um crime, de acordo com o código penal japonês, se você ajudar alguém que escapou da custódia estando preso em um carro da polícia e uma delegacia de polícia. Mas, estar em liberdade sob fiança como ele estava não era crime, então pensou-se que não, não há crime sendo violado aqui porque fugir do julgamento não é crime no Japão.

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Entenda o caso

Ghosn liderou a aliança Renault-Nissan-Mitsubishi até o topo da indústria automotiva mundial. No Japão, Carlos Ghosn é venerado por reerguer a Nissan, cujo controle passou para as mãos da Renault em 1999.

À frente da Renault e da Nissan, em 2016, o empresário ampliou essa aliança à Mitsubishi Motors, levando o grupo à liderança na venda de automóveis.

Sua remuneração, uma das mais elevadas entre os executivos franceses, causou em 2015 embates com o Estado francês, acionário de 15% da Renault.

Como CEO da Nissan, ganhou 1,1 bilhão de ienes (8,8 milhões de euros) de abril de 2016 a março de 2017.

Também recebeu 7 milhões de euros por ano como CEO da Renault, posto que ocupou desde 2009, depois de ser diretor-geral a partir de 2005.

Em junho de 2017, a agência de notícias Reuters afirmava que a aliança refletia um sistema de bônus escondidos para seus dirigentes, por meio de uma sociedade instalada na Holanda. Ghosn negou.

Em fevereiro de 2018, Ghosn aceitou reduzir em 30% sua remuneração, uma condição imposta pelo Estado para apoiá-lo em mais um novo mandato de quatro anos.

No ano passado, promotores franceses haviam emitido um mandado de prisão internacional contra ele e outras quatro pessoas que estariam ligadas a uma concessionária em Omã, que teriam ajudado o ex-gigante do ramo automobilístico a desviar milhões da Renault.

Na ocasião, os mandados de prisão afetaram também donos ou ex-diretores da Suhail Bahwan Automobiles, concessionária no país. Entre os usos do dinheiro que teria sido desviado da Renault para o bolso de Ghosn, por meio da empresa do ramo automobilístico no Oriente Médio, consta a compra de um iate de 120 pés — cerca de 36 metros.

Atualmente, Ghosn reside em liberdade em Beirute.

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