LA P’TITE BOULANGERIE: o plano é que seja a primeira de uma cadeia nacional de micropadarias / Stephanie Strom | © 2017 New York Times News Service
EXAME Hoje
Publicado em 29 de julho de 2017 às 08h10.
Última atualização em 29 de julho de 2017 às 09h41.
Cap Ferret – Pascal Rigo tinha apenas sete anos quando se apaixonou pela arte de fazer pães. Ao passar um verão com a família na costa do Atlântico, fez um estágio em uma pequena boulangerie, uma das dezenas existentes na comuna de Lège-Cap-Ferret, a cerca de uma hora a sudoeste de Bordeaux.
Ao longo dos anos, à medida que ia fazendo fortuna no negócio de pães nos Estados Unidos, viu fecharem uma boulangerie após a outra até sobrar apenas uma nesta pequena cidade na ponta da península onde ele tem uma casa – um acontecimento que Rigo considera uma afronta à arte francesa de fazer pães.
Sua opinião sobre o pão daquela padaria não é muito boa. “As pessoas dizem que os franceses estão comendo menos pão por causa da história de tudo ter que ser sem glúten, ter baixo teor de carboidratos”, diz Rigo, sentado em um café mergulhando um croissant crocante em um chocolate quente feito à moda francesa, com chocolate derretido diluído em leite quente. “Mas pão como aquele… Essa é a verdadeira razão.”
Por toda a França, as padarias locais – as lojas familiares que fabricam as clássicas baguetes crocantes, brioches com ovo, pães redondos de casca dura e croissants tão leves quanto o ar – caíram em declínio nas últimas décadas à medida que algumas pessoas adotaram as dietas livres de carboidratos e outras se acostumaram a comprar pães feitos nos supermercados e nas lojas de conveniência, que usam ingredientes mais baratos. Enquanto isso, os aficionados por pão lamentam, a qualidade média dos produtos caiu, e muitas padarias tradicionais fecharam.
Então Rigo, um padeiro entusiasmado com um sorriso aparentemente perpétuo no rosto, entrou em uma cruzada pessoal para resgatar esse pilar da cozinha francesa, uma padaria por vez, começando por aqui com a La P’tite Boulangerie du Ferret, que abriu no verão de 2016. Ele a vê como a primeira de uma cadeia nacional do que chama de micropadarias.
Começou também a procurar boulangeries fechadas em cidades pequenas, na esperança de usar suas finanças para reabri-las. O plano é colocar jovens padeiros nas padarias que estão fechadas em comunidades com pelo menos duas mil pessoas.
“O pão é parte de nossa herança”, afirma Rigo, lembrando-se da demanda popular por pão que levou à frase infame “Que comam brioches”, durante a Revolução Francesa. “Gostaria de restaurá-lo em meu país.”
Aplicar uma estratégia moderna de várias lojas para um produto tradicional e feito à mão pode parece uma contradição. Mas Rigo, de 56 anos, fez dessa combinação uma carreira de grande sucesso. Ele ficou mais conhecido por fundar a La Boulange, uma pequena cadeia de padarias da região da Baía de San Francisco, que vendeu para a Starbucks em 2013 por US$100 milhões, e agora está ressuscitando a ideia com um nome um pouco diferente, La Boulangerie.
Sua visão para a França é uma rede de pequenas padarias, cada uma operada por um padeiro, alguns com a ajuda de um vendedor. Ele planeja abrir pelo menos outras quatro este ano em galerias, chamadas Les Halles Bacalan, que estão sendo erguidas pela construtora Biltoki no sudoeste da França. A primeira deve ser inaugurada em 15 de outubro.
Rigo também está negociando o aluguel para abrir uma P’tite Boulangerie no 10º Arrondissement em Paris e trabalhando para fazer um acordo com a Biocoop, um mercado orgânico, para colocar micropadarias em algumas das 400 lojas da cadeia em todo o país até o final do ano.
“O problema é a questão econômica da boulangerie, não o pão. Vou mostrar que você pode fazer pão bom e ganhar dinheiro”, afirma Rigo.
Depois de muitos estudos, ele determinou que o velho modelo de negócios simplesmente não funciona mais. “O imóvel custaria 400 mil euros e depois é preciso comprar equipamentos. Na hora de abrir, o padeiro médio já está com 800 mil euros no vermelho. Aí eles vão trabalhar 20 horas por dia porque não têm como contratar uma pessoa para ajudar, e ainda assim vão ter dificuldades para obter lucro.”
Seu plano é evitar esse problema diminuindo o tamanho de cada loja, reduzindo o número de pessoas necessárias para colocá-las em funcionamento, comprando os ingredientes de maneira centralizada para aumentar o poder de barganha das lojas e limitando o número de produtos vendidos. “Para poder ter lucro, os padeiros estão vendendo qualquer coisa, ao invés de tentar vender mais do que as pessoas realmente querem – baguettes des copains, ficelles, boules”, afirma Rigo.
Para piorar, os moinhos que há anos vendiam farinha para os padeiros franceses começaram a se tornar seus competidores nos anos 1990, investindo em cadeias de padarias que produzem pães comuns em escala industrial, frequentemente usando massa pré-pronta congelada.
“Eles vendiam duas baguetes pelo preço de uma, três pelo preço de duas, coisas desse tipo e, assim, toda vez que uma loja Marie Blachère abria” – parte de uma grande cadeia de padarias dos moinhos – “três boulangeries em três pequenas cidades fechavam as portas”, conta Rigo.
O número de boulangeries na França caiu de 37.800 em 1995 para 28 mil em 2015. Alexander Goransson, autor de um relatório sobre pão na França e analista líder da firma de pesquisa Euromonitor, diz que essa taxa diminuiu na última década, mas que as padarias continuam fechando.
Goransson diz que Rigo pode estar colocando seu plano em ação no momento certo, porque mais consumidores franceses estão mostrando interesse em pães de alta qualidade – eles os chamam de “artesanais” – que usam poucos ingredientes e são frescos.
Em uma manhã nublada, Virginie De Laval levou quatro baguetes da La P’tite Boulangerie em Cap Ferret. “Estou comprando porque o pão é bom”, afirmou.
Ela diz que às vezes compra pão no supermercado, mas pouco. “Acho que as pessoas hoje estão retornando cada vez mais para as comidas artesanais, sem conservantes e outros ingredientes que não conhecemos. Estamos valorizando mais a maneira como as coisas eram feitas no passado.”
Em um período de duas horas, 67 clientes – apenas 600 pessoas moram aqui fora da temporada – apareceram na pequena padaria para comprar baguetes, ficelles e croissants, todos feitos por Maud Moinard, de 23 anos, que administra o espaço.
Ela tem todo o equipamento necessário – resfriador de água, misturador, forno, pia, estufa, grande sacos de farinha e uma geladeira, embutida na clássica vitrine de mármore – e trabalha suas massas enquanto vende os pães. Ela conhece os clientes tão bem que antes mesmo que eles saiam de seus carros, já está embalando suas compras habituais em uma fina e barulhenta folha de papel marrom.
“Claro que às vezes fica complicado ser padeira e vendedora, mas dessa maneira sei o que tenho que fazer”, conta Moinard.
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