FARIA LIMA, EM SÃO PAULO: avenida concentra analistas do mercado financeiro e escritórios de algumas das maiores empresas do Brasil (Germano Luders/Exame)
Estadão Conteúdo
Publicado em 22 de setembro de 2019 às 12h05.
“Nem parece que fica no Brasil”. “É o nosso Vale do Silício”. “A crise passa longe daqui”. “Ela representa apenas 1% do País”. Essas são algumas das frases que de tão repetidas e escritas já se solidificaram na cabeça de quem ouve “Faria Lima”. Na verdade, em seus 4,6 km de extensão, a avenida paulistana abriga muito mais diversidade do que essa imagem de “ilha de prosperidade e fantasia” nos faz supor.
Para começar, a região do Largo da Batata tem uma visível vocação popular - com comércio de rua, botecos e um grande fluxo de trabalhadores. As tentativas de “gourmetização” não alteraram tanto a paisagem. Cervejarias chiques dividem espaço com os tradicionais pés-sujos e o chope artesanal repousa ao lado do “litrão”. A moradora da região e psicóloga Edna Felizardo Maffei de 79 anos, traduz a diversidade desse pedaço com uma única palavra: “democracia”. “Tem de tudo por aqui. Quem diz que a Faria Lima representa 1% do Brasil é porque nunca, de fato, andou por ela.”
Ainda no Largo da Batata, também flagramos a doméstica Marlene Rodrigues, de 48 anos, subindo no ônibus. Ela repara nos “mundos” que compõem a avenida - mas acredita que não se misturam. “Os prédios do outro lado são muito bonitos. Nunca entrei neles. Acho que é porque a avenida tem dois lados, dois povos diferentes.”
Ao sair do Largo e avançar pela avenida, não pisamos, imediatamente, na Faria Lima do dinheiro ou da tecnologia. Existe, pelo menos na aparência, uma “ascensão social” bem menos abrupta. Depois da Rua dos Pinheiros, ela é repleta de pequenos comércios, lojinhas e promoções “no estilo 25 de Março”: “tudo pela metade do preço” ou “leve 2, pague 1”. Mas, mesmo em seu pedaço popular, já é possível sentir o vento do empreendedorismo. O engraxate Denilson Santos das Neves, de 16 anos, que há dois atua na Faria Lima, tem um business plan claro. “Comecei engraxando com uma caixinha. Depois, ganhei uma cadeira de um cliente e comecei a usá-la”, disse. “Agora, estou juntando dinheiro para uma segunda cadeira e dobrar meu faturamento”, completou. Ele cobra R$ 15 pelo serviço, o que não é aleatório. “Cobro porque acabam me dando R$ 20 - já com a caixinha.”
O Shopping Iguatemi ainda é um marco na avenida. A partir dele, a Faria Lima vai se transformando em algo mais “exclusive” e “personnalité”. O comércio popular é substituído pelas butiques e, principalmente, por uma arquitetura moderna e arrojada.
Perto do shopping, encontramos um sócio do Clube Pinheiros (que também fica na Faria Lima) e frequentador da via, o advogado Rubens Leite, de 73 anos. Ele considera “babaquice” quem diz que a Faria Lima representa apenas 1% do PIB do Brasil. “O Brasil pode não ser este aqui, mas a avenida é uma parte do Brasil.”
Deste ponto, é possível reparar na movimentação da ciclovia da Faria Lima. Entregadores de aplicativo dividem espaço com engravatados e modernos. O trânsito de bikes e patinetes se intensifica no almoço. Não é raro ver pessoas que trabalham nas redondezas realizando pequenos trajetos com eles. “Aqui é o nosso Vale do Silício. Tudo a ver o uso do patinetes na avenida. A Faria Lima é disruptiva em relação ao resto do País”, disse o empresário Guilherme Rajzman, de 23 anos. Os entregadores esperam o celular tocar, deitados sobre o Monumento às Musas, na Praça João Nassar. Quase em frente à praça, executivos tentam combinar pratos de salada e filé de frango com laptops ou celulares com hashi. Os restaurantes por quilo nas vias paralelas ficam cheios. Grupos que investem em almoços de negócio preferem os restaurantes de alto padrão.
O horário de almoço é perfeito para observar o perfil de quem circula por lá. O look “camisa azul e sapato-tênis” ainda reina na Faria Lima de alto padrão, mas, aos poucos, tatuagens e camisetas coloridas vão tingindo a paisagem. Essa mistura é o resultado da chegada de empresas como o Google e de uma série de startups que se instalou na região -- a mesma que também abriga os tradicionais escritórios de advocacia, bancos, operadores do mercado financeiro...
Na hora do almoço, você pode encontrar funcionários como Gabriel Al-Assal, de 28 anos, e Matheus Lourenço, de 25, que estão dentro do padrão tradicional dos “camisas azuis”. “Acho que a Faria Lima tem um ambiente bem familiar”, conta Al-Assal. Mas também é possível se deparar com pessoas mais parecidas com o tatuado Matheus Palma, de 21 anos, que tira uma hora de almoço para ouvir música e relaxar na rede. De perfil mais alternativo, Palma diz que as “multinacionais da Faria Lima passam essa sensação de que lá não é o Brasil”. Na média, segundo ele, os empresários da região não estão satisfeitos com a economia do País. “Mas acham que a outra alternativa era pior”, falou.
O Patio Victor Malzoni, embaixo do edifício que abriga BTG e Google, transformou-se no desafogo da Faria Lima. Como a região não tem muitos espaços de convivência, é nesse lugar que muita gente vai para respirar, refletir e esquecer das agruras de um dia de trabalho. O espaço tem uma mesa de pingue-pongue comunitária para quem prefere “esfriar a cabeça” a almoçar. Normalmente, a “mesa” fica ocupada por funcionários de bancos e empresas de tecnologia. Não é raro discussões de trabalho serem resolvidas na bolinha.
Além disso, “seres da Faria Lima” que convivem com metas e projetos estão optando por 20 minutos de meditação. Pouco antes do meio-dia, o grupo que pode variar entre 10 e 30 pessoas se reúne no Patio Victor Malzoni. Lá, eles sentam em círculo e fazem exercícios de meditação e respiração. O criador do projeto é o advogado Marcelo Corazzi Breda, de 27 anos. “Foi uma coisa que nasceu naturalmente.” Hoje há menos estranhamento. Ainda, claro, é possível ouvir alguns comentários jocosos. “Só 1% do PIB pode se dar ao luxo de ser zen no Brasil”, brincou um rapaz de camisa azul e sapato-tênis.