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No carnaval, tradição cede passagem e funk ganha as ruas

As marchinhas e o samba definitivamente cederam lugar a outros ritmos - sobretudo o funk - na folia das multidões

 (Facebook do Bloco Pinga Ni Mim/Divulgação)

(Facebook do Bloco Pinga Ni Mim/Divulgação)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 13 de fevereiro de 2018 às 09h24.

Última atualização em 13 de fevereiro de 2018 às 15h47.

São Paulo - Até 1899, carnaval não tinha trilha oficial. A primeira marchinha foi Ô Abre Alas!, de Chiquinha Gonzaga, que logo ganhou o gosto popular. Quase 120 anos depois, talvez a festa esteja mais popular do que nunca, só que as marchinhas e o samba definitivamente cederam lugar a outros ritmos - sobretudo o funk - na folia das multidões.

A nova passarela do samba paulistano, a Avenida 23 de Maio, na zona sul de São Paulo, é um termômetro. Conforme dados oficiais, 1,95 milhão de foliões foram para a via ontem e anteontem para pular ao som de hits dos anos 1980 a 2000 (do pop ao axé), além do sertanejo. O público total do carnaval, segundo a Prefeitura, é de 8 milhões, ao se considerar os 326 blocos que já desfilaram pela capital desde o dia 3 - são 4,25 milhões desde Sábado.

Ontem, houve quem fosse para a folia, mas não para curtir o Pinga Ni Mim. "Nem sei que bloco é esse. O que importa é essa bagunça aqui." Com uma caixa de som instalada no canteiro central da 23 de Maio, o comerciante Rafael Oliveira, de 28 anos, promoveu o próprio baile funk para a mulher, amigos e quem mais queria dançar.

Aliás, bastava se afastar um pouco do trio elétrico para ouvir uma outra batida sendo reproduzida em várias caixas de som, como a de Oliveira, espalhadas outros pontos da avenida. Mais experiente no ramo, o analista de sistemas Thiago Juliani, de 33 anos, já dispunha de estrutura mais potente de "baile".

Pagou R$ 500 em uma caixa de som de 300 watts e dominou o trecho sob o Viaduto Paraíso, onde centenas de pessoas se protegiam do sol de 33°C. "Peguei até uma bateria de moto e agora dá para ficar 6 horas tocando direto. Na semana passada estava na Vila Madalena e só parou de tocar porque roubaram meu iPhone. Tive de comprar outro celular", disse, feliz em promover a festa. "O pessoal gosta porque eu toco o que eles pedem." E o que eles pedem? "Sempre funk."

O fenômeno também é notado por quem se manteve fiel aos grupos tradicionais, como o Esfarrapado, mais antigo bloco de São Paulo, que fez ontem no Bexiga, região central, seu 72.º desfile. "Acho que perdeu o glamour. Na Vila Madalena ontem só tocaram algumas músicas de carnaval. Depois foi funk, Pabllo Vittar e Anitta."

O Vai, Malandra de Anitta está no top 3 do serviço de música digital Spotify. Pelo terceiro ano consecutivo, o funk deve emplacar o ritmo do carnaval. Mas vale notar o quanto as redes sociais é que hoje ajudam a ditar rapidamente o ritmo dos blocos. Ao lado de Anitta, surgem Jojo Todynho, do viral Que Tiro foi Esse?, e MC Loma, com o vídeo Envolvimento.

E quem é MC Loma? Uma menina de 15 anos, de Jaboatão dos Guararapes (PE) que postou um vídeo no YouTube em 20 de janeiro e logo ganhou a internet. Nas ruas, seu nome já é ouvido ao lado das gêmeas Lacração, Mirella e Marielly Santos. Mas quem foi que deu espaço a essas meninas no carnaval? Em Olinda, elas dançaram Envolvimento, enquanto a música era cantada por Anitta. Lembrando que ela e seu Bloco das Poderosas também fizeram ferver o carnaval de Salvador, com Pabllo Vittar e Jojo - contando com a folga momesca de Ivete Sangalo, após o nascimento das filhas no sábado de carnaval.

E nem as ladeiras de Olinda se mantêm totalmente fiéis à tradição. Na Praça João Alfredo, diante da Igreja de São Pedro, circulam dezenas de blocos e troças adeptas do frevo. Mas bem ao lado, na Ladeira do Bonfim, o cenário é bem diferente. Um verdadeiro paredão de caixas de som - estrategicamente colocadas na frente das casas centenárias que servem de hospedarias coletivas durante a festa - reproduzem o que há de novidade no universo funk.

Pela primeira vez, até blocos saíram às ruas nesse ritmo. A mineira Flávia Soares, de 23 anos, aprovou a "inovação". "Já havia passado dois carnavais em Olinda, mas agora gostei demais."

No Rio

Mas se o funk das cariocas Jojo e Anitta virou produto "exportação" para o restante do País, em sua terra natal não se vê nada muito diferente. No sábado, o centenário Cordão da Bola Preta, com suas marchinhas e sambas, foi escolhido por 340 mil foliões. No mesmo dia, o Bloco da Favorita, que desfilou pelo sexto ano consecutivo, atraiu para a orla de Copacabana, zona sul, 690 mil pessoas, ao som de sucessos funkeiros.

Para o compositor de samba João Pimentel, a mudança no gosto do público é natural. Ele data o processo de dez anos, quando surgiram blocos como Sargento Pimenta, em homenagem aos Beatles; Fogo e Paixão, de música brega; Toca Rauuul, que homenageia Raul Seixas; e o próprio Bloco da Favorita.

"No começo houve polêmica porque os blocos antigos e mais tradicionais foram engolidos pelos mais novos, principalmente na zona sul. Mas os jovens não são tão ligados ao carnaval tradicional e buscam seguir ritmos que gostam mais", avalia Pimentel. "Como mais gente fica na cidade no carnaval, esses blocos ganharam ainda mais impulso. É um caminho inevitável." As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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