Pavarotti: sorriso largo, as piadas e a enorme quantidade de malas que carregava; traços pessoas do tenor são apresentados no documentário (Michel Linssen/Redferns/Getty Images)
Estadão Conteúdo
Publicado em 14 de outubro de 2019 às 11h20.
São Paulo — A primeira vez que Nicoletta Mantovani viu "Pavarotti", de Ron Howard, ela chorou a duração toda do documentário. Mas, desde então, a viúva do tenor italiano, morto em 2007, tem rodado o mundo para divulgar o filme.
"Pode parecer estranho, mas promover o longa me ajuda a estar mais perto dele", disse em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, durante o Festival de Zurique. "Continuo trabalhando para ele, como antes."
Mantovani conheceu o cantor quando tinha 23 anos e foi sua assistente pessoal. Em 1996, explodiu o escândalo de que os dois eram amantes, quando Pavarotti ainda era casado com sua primeira mulher, Adua Veroni, com que ficou entre 1961 e 2000 e que é mãe de suas três filhas mais velhas.
Com Nicoletta, ele teve Alice, nascida em 2003 - o outro bebê, Riccardo, morreu em complicações no parto. Nesse mesmo ano, Nicoletta e Pavarotti se casaram.
Tudo isso está no documentário, que estreia na quinta-feira, 17, e explora tanto o lado artístico quanto a vida pessoal do tenor. As mágoas da primeira mulher e das filhas ficaram para trás e, segundo Nicoletta Mantovani, o filme foi feito de comum acordo.
"Temos uma boa relação agora. Uma das filhas dele tem uma menina da idade da minha, elas se falam o tempo todo", disse. "A decisão era fazer um tributo completo a Luciano. Adua e suas filhas são uma parte fundamental da vida de Luciano e tinham de estar presentes."
A ideia do filme surgiu no aniversário de dez anos da morte de Pavarotti. "A gravadora Decca, que é parte da Universal, quis fazer uma homenagem a Luciano", contou Mantovani, enfatizando que Pavarotti nunca trocou de gravadora. Ron Howard tinha feito um documentário sobre os Beatles, então foi a escolha lógica.
"Abrimos nossos arquivos para ele e demos carta branca", disse Mantovani. "Queríamos que ele fizesse sua própria jornada por Luciano e também pela ópera, que ele não conhecia bem. Eu achei ótimo, porque o sonho de Luciano foi sempre levar a ópera a todos." O diretor, garantiu ela, teve o corte final.
"Procurávamos a sua visão. Ele trouxe novos olhares sobre o Luciano, de pessoas que o amavam, gente que compartilhou sua carreira com ele, seus colegas de ópera. Mas, no fim, há traços comuns que aparecem nesses diversos olhares: paixão, amor e curiosidade. Ele era muito curioso e aberto a novas coisas, queria aprender algo todo dia."
O documentário mostra sua carreira na ópera, mas dá igual destaque a seus projetos mais populares, como "Os Três Tenores", com Plácido Domingo e José Carreras, e "Pavarotti e Amigos", uma série de apresentações beneficentes com a participação de artistas pop como Sting e Bono.
Em muitas causas humanitárias, ele se juntou à Princesa Diana, que conheceu no início dos anos 1990. "Os dois tinham a mesma conexão com as pessoas, tinham o coração aberto a outros seres humanos, o que é muito raro de encontrar", disse Nicoletta Mantovani.
Com o U2, Pavarotti gravou "Miss Sarajevo", em prol das crianças vítimas da Guerra da Bósnia. "Ele cresceu durante a Segunda Guerra Mundial e sempre me disse que, quando as bombas estavam explodindo, a única coisa que fazia com que se sentisse melhor era dar a mão aos amigos e cantar mais alto do que as bombas." Hoje, Mantovani administra uma fundação que ajuda jovens cantores, mas o grande sonho é fundar uma academia de música gratuita, como Pavarotti desejava.
O filme também dedica bastante tempo a mostrar alguns traços da personalidade de Luciano Pavarotti, como o sorriso largo, as piadas e a enorme quantidade de malas que carregava - muitas guardavam um carregamento precioso de panelas, utensílios de cozinha, massa, vinagre balsâmico e queijos vindos diretamente da Itália.
"Ele sempre estava cozinhando para todo o mundo. Sempre havia um prato de massa, a qualquer hora do dia, um pedaço de queijo ou salame", contou Mantovani. "Ele cresceu na pobreza durante a guerra e oferecer comida para as visitas era obrigatório."
Foi essa personalidade generosa e aberta que encantou a jovem de 23 anos - o cantor tinha então 58. "O amor é uma coisa misteriosa", disse ela. "Eu estava tão feliz, porque ele era tão especial, que nunca pensei muito no futuro. Nem na diferença de idade.
Como Luciano dizia, ele era o mais jovem do casal, por causa de sua atitude." O que Nicoletta sente mais falta é justamente sua felicidade e seu sorriso. "Ele fazia qualquer dia ser especial, qualquer mau momento se transformar em bom momento." Além do ensinamento de aproveitar a vida ao máximo, Nicoletta Mantovani leva consigo as superstições de Luciano Pavarotti, como não usar roxo e ter pregos torcidos como amuleto.
"É estranho, eu às vezes abro bolsas, mesmo bolsas novas, e encontro um prego retorcido dentro. Então eu os carrego comigo." As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.