Itens do movimento contra assédio sexual #MeToo são vendidos durante protesto em Hollywood, Estados Unidos (Lucy Nicholson/Reuters)
Estadão Conteúdo
Publicado em 11 de janeiro de 2018 às 11h49.
Um grupo de 30 mulheres, lideradas pela militante feminista Caroline De Hass, denunciou nesta quarta-feira, 10, na França, a suposta "apologia do estupro" feita por outro grupo de 100 mulheres, entre as quais a atriz Catherine Deneuve.
Em uma carta aberta publicada na terça-feira pelo jornal Le Monde, este coletivo reivindicou a liberdade sexual e criticou o "denuncismo" das campanhas #MeToo e #BalanceTonPorc, que lançaram a reação de mulheres nos Estados Unidos e na França contra a desigualdade, o assédio e a violência sexual.
Em sua tribuna, as 100 atrizes, escritoras, jornalistas, filósofas, produtoras culturais, arquitetas, fotógrafas, médicas, entre outras profissões, se dissociaram do movimento de denúncia despertado pela revelação dos atos de violência sexual cometidos pelo produtor de Hollywood Harvey Weinstein.
O texto teve o título original "100 mulheres por um outro discurso", alterado para "Nós defendemos uma liberdade de importunar, indispensável à liberdade sexual", frase que consta do texto, mas que acabou ganhando destaque suplementar em todo o mundo.
No artigo, as signatárias argumentam: "O estupro é um crime. Mas a cantada insistente ou desajeitada não é um delito, nem o galanteio é uma agressão machista".
"Essa febre de enviar os 'porcos' ao abatedouro, longe de ajudar as mulheres a ganhar autonomia, serve na realidade aos interesses dos inimigos da liberdade sexual, aos extremistas religiosos, aos piores reacionários", completam, criticando a visão da mulher como "seres a parte, crianças com rostos de adulto que demandam proteção".
A controvérsia provocada na França ganhou rapidamente as redes sociais, onde a hashtag #BalanceTonPorc (#DenuncieSeuPorco) tem grande repercussão há semanas. Em questão de horas, tornou-se tema de debate internacional, com adesões e críticas.
Em resposta, o grupo de 30 outras personalidades públicas e militantes associativas assinaram um novo texto, dessa vez publicado pela site de informação FranceInfo.
Organizadas pela feminista francesa Caroline De Hass, também subscreveram o texto as jornalistas Lauren Bastide e Giulia Fois, a presidente da associação Cadelas de Guarda, Marie-Noëlle Bas, a psiquiatra Muriel Salmona, entre outras.
Em um artigo visceral e por vezes irônico, elas denunciaram a iniciativa anterior, defendendo as campanhas de denúncias nas redes sociais.
"No momento em que a igualdade avança, mesmo um meio-milímetro, as boas almas nos alertam imediatamente para o fato de que correríamos o risco de cair nos excessos", diz o artigo.
As militantes lembram que todos os dias "centenas de milhares de mulheres são vítimas de assédio".
"Dezenas de milhares são vítimas de agressões sexuais. E centenas de estupros", advertem, acusando o grupo oposto de "confundir deliberadamente uma relação de sedução, baseada no respeito e no prazer, com uma violência".
Caroline De Hass acusa ainda o grupo de "utilizar a visibilidade midiática para banalizar violências sexuais" e de serem "reincidentes em matéria de defesa de pedocriminais ou apologia ao estupro".
A alusão é clara em direção a Catherine Deneuve, que em março passado defendeu o cineasta Roman Polanski da acusação de estupro de uma menina de 15 anos com quem manteve relações sexuais nos anos 1970.
"Eu sempre achei que a palavra estupro foi excessiva", afirmou, minimizando o ato de Polanski, pelo qual foi condenado pela Justiça americana.
O texto acaba em tom de confronto: "Os porcos e seus/suas aliados/aliadas têm razão de se inquietar. Seu velho mundo está desaparecendo".
Com a publicação dos artigos, o confronto intelectual em torno do tema se inflamou na França. Em entrevistas em séries, as signatárias dos dois textos trocaram acusações.
Peggy Sastre, doutora em filosofia, jornalista e escritora e uma das autoras do primeiro texto, acusou o grupo de Caroline De Hass de tentar censurar o debate.
"É digno dos maiores processos de Inquisição da História", afirmou a jornalista, militante do feminismo dito "hedonista", ao jornal Le Figaro.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.