Ferran Adrià, chef espanhol: debate sobre o futuro dos restaurantes (Josep LAGO/AFP)
Guilherme Dearo
Publicado em 23 de maio de 2020 às 07h00.
Última atualização em 23 de maio de 2020 às 07h00.
Um dos principais expoentes da cozinha molecular, o chef espanhol Ferran Adrià garante que a pandemia é uma "tragédia" para os restaurantes, embora o confinamento possa ter servido para reconectar as pessoas com a cozinha.
O chef de 58 anos garante que o confinamento não afetou muito o trabalho de sua fundação, que prevê reabrir em agosto, após nove anos, seu emblemático restaurante elBulli, três estrelas Michelin e cinco vezes coroado o melhor do mundo pela revista "Restaurant", na forma de um centro de pesquisa.
Mas vive com "muita tristeza" o momento do setor: fechados há meses e diante de uma temporada turística abaixo do mínimo, prevê uma "tragédia" para a restauração, principalmente para a alta gastronomia.
Como você vive o confinamento?
Levanto-me às 4h30 e trabalho até às 21h, parando para comer um pouco, mas trabalhando muito. O trabalho a distância já era bastante normal na elBulli Foundation, porque viajo muito. Agora, sem poder sair, é muito mais eficiente.
Também compartilho receitas on-line e tento ensinar as pessoas a se organizarem na cozinha. Isso me ajuda a encontrar uma rotina.
E, fora do trabalho, algumas tardes, assisto ao documentário "The Last Dance" do Chicago Bulls de Michael Jordan. É genial, recomendo a todos que querem entender o que é liderança com pressão.
Como o confinamento mudou você, e como você acha que vai mudar o mundo?
Pessoalmente, no elBulli, passei seis meses em Montjoi (uma enseada remota na Costa Brava, onde o restaurante estava localizado). Nos primeiros dois meses e meio, fiquei verdadeiramente confinado lá. Essa ideia de viver sozinho, tranquilo, eu já experimentei.
No nível social, o medo de que haja outra pandemia permanecerá. Ao abrir um negócio, ou planejar um projeto de vida, você questionará: "e se houver outra pandemia?".
Mas sou da opinião de que não vamos mudar muito. Os seres humanos há milhares de anos têm sido vaidosos, egoístas. Há uma parte maravilhosa e anônima, as pessoas que ajudam e são solidárias. Nós as vimos durante esta pandemia. Mas é uma pequena porcentagem. A outra parte, onde eu me incluo, permanecerá a mesma: vaidosa e egoísta.
Como você vê a situação no setor de restaurantes, um dos mais afetados?
É um drama brutal, uma tragédia. Todas as perspectivas em nosso setor agora não fazem sentido. Falar sobre culinária, se você gosta mais tradicional, ou não, é secundário. Agora, a pergunta é: se eu for solvente, poderei abrir meu negócio. Não sou solvente, não poderei abrir meu negócio. Porque não se trata de abrir um bar e pronto. Neste setor, você deve ter 70% de ocupação, ou não é um negócio, com exceções. E quem irá a um restaurante gastar 100 euros com todos os problemas? Ninguém (...) Vamos a restaurantes porque é um ato social. O mais importante é estar com os amigos. Comer bem, sim; mas com amigos. Se você não puder fazer isso, será muito difícil.
Durante o confinamento, muitos chefs como você aproveitaram a oportunidade para compartilhar receitas na Internet e ganharam muitos seguidores. Como você interpreta isso?
Algo que sairá desse confinamento é o conhecimento de uma parte da população sobre o que é cozinhar. Alguns fizeram isso por diversão, e outros porque, pela primeira vez em suas vidas, ou cozinhavam, ou pediam algo para levar todos os dias. Hoje muitas pessoas entraram na cozinha. Aí sim, haverá uma mudança social e muito mais com o teletrabalho.