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Marcha é a versão mais pé no chão da corrida

Modalidade inventada na Inglaterra do século 19 é um misto de caminhada e corrida

Marcha é um exercício que queima muitas calorias, uma média de 60 por quilômetro (Scott Barbour/Getty Images)

Marcha é um exercício que queima muitas calorias, uma média de 60 por quilômetro (Scott Barbour/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 3 de abril de 2012 às 12h27.

São Paulo - Se alguém lhe falasse do nascimento de um esporte na segunda metade do século 19 na Inglaterra e lhe pedisse para adivinhar de qual modalidade se tratava, você, como bom brasileiro, não teria dúvida em chutar: futebol. Correto, mas também acertaria se citasse outro — a marcha atlética, um misto de caminhada e corrida que vale medalha desde os Jogos Olímpicos de Londres, em 1908.

A marcha é vista por alguns profissionais do esporte como uma atividade física até mais completa que a corrida, por recrutar um número maior de grupos musculares. "É uma modalidade que trabalha todo o corpo — pés, pernas, quadris, tronco, ombros e braços, cujos movimentos têm de ser mais estáveis que na corrida. Além disso, o risco de lesões é menor, já que não há fase aérea [momento em que os dois pés estão fora do chão] e, por isso, o impacto sobre as articulações é menor", diz Ivo da Silva, professor de atletismo da Universidade Regional de Blumenau (SC) entre 1978 e 2010 e treinador de marcha.

A marcha também é um exercício que queima muitas calorias (uma média de 60 por quilômetro, dependendo do condicionamento do atleta e da velocidade). "É uma atividade aeróbica que ajuda no emagrecimento e no controle de peso", diz Cleber Guilherme da Silva, professor de atletismo da Unip e da FMU e que lecionou a disciplina na USP entre 1999 e 2003.

Marcha Lenta

Embora a marcha ofereça benefícios, dificilmente você deve ter visto alguém marchando na rua ou no parque. A modalidade sofre com a pouca difusão e a ausência de provas para amadores (só há uma no Brasil, a Meia de Blumenau). E depende de iniciativas individuais para ser respeitada e se desenvolver.


A primeira competição de marcha atlética no Brasil aconteceu em 1937 — uma prova de 5 km em Porto Alegre. Os pais da ideia foram José Carlos Daudt e Tulio de Rose, ligados à Sociedade de Ginástica de Porto Alegre (Sogipa). Eles foram a Berlim assistir aos Jogos Olímpicos no ano anterior, encantaram-se com a marcha e decidiram trazê-la ao Brasil.

Durante muitos anos, ela foi praticada de modo quase amador pelos atletas gaúchos e só chegou a outros estados, como São Paulo e Minas Gerais, nas décadas de 50 e 60, respectivamente.

O panorama começou a mudar a partir da década de 80, graças à atuação de Ivo da Silva, então coordenador de atletismo da prefeitura de Blumenau, em Santa Catarina. "No início dos anos 80, eu via que Santa Catarina deixava de conquistar medalhas na marcha nos campeonatos nacionais de atletismo porque não tínhamos atletas na modalidade. Foi aí que comecei a sugerir ao presidente da Federação Catarinense de Atletismo que implantássemos a marcha nas competições do estado."

Em 1983, as provas de marcha começaram a figurar no calendário do atletismo catarinense. Quando comunicou a novidade a sua equipe e questionou qual dos treinadores ficaria responsável pela implantação da marcha na cidade, nenhum quis se habilitar para a tarefa — e repassaram a bola a ele. "Eu aceitei o desafio, para provar a todos que, mesmo sem nenhum conhecimento sobre a prova, mas com dedicação e vontade, eu mudaria a história da marcha no Brasil."

Foi então que Ivo começou a estudar a modalidade e, como também lecionava as três primeiras partes da disciplina de atletismo na Universidade Regional de Blumenau, ele deu um enfoque mais aprofundado sobre marcha em seu curso. "Muitos não se interessaram, mas outros usaram o esporte como ferramenta importante em suas aulas de educação física nas escolas", diz Ivo.

O primeiro campeão

O trabalho de Ivo deu resultado e, a partir de 1985, um grande nome da marcha apareceu em Blumenau: Sérgio Galdino.


O atleta, nascido em 1969, conquistou 12 títulos brasileiros e cinco sul-americanos na modalidade e ainda participou de três Olimpíadas na prova de 20 km (1992, quando ficou em 27º, e 1996 e 2004, quando terminou na 26ª posição).

Os resultados de Galdino e a formação de outros atletas fizeram com que se dissolvesse certo preconceito contra o "rebolado" da marcha em Blumenau e na cidade vizinha, Timbó. De lá veio José Alessandro Bagio, que ficou em 14º lugar nos 20 km nas Olimpíadas de 2004 e 2008, as melhores colocações olímpicas brasileiras. "Aqui, as pessoas podem marchar na rua que o povo acha normal e não faz comentários ofensivos", diz Ivo.

Em 2008, Ivo conseguiu a introdução dos 10 km de marcha atlética na Meia Maratona de Blumenau, a única corrida de rua do Brasil que admite oficialmente a modalidade (claro que, assim como caminhar, é permitido marchar em qualquer prova de corrida). Em 2011, foram 23 participantes a disputar a marcha na Meia. Ainda que Ivo tenha mudado a história da marcha em Santa Catarina, em outros lugares esse respeito e essa difusão são uma realidade distante. Nos outros estados no qual o esporte tem talentos, como Pernambuco (as marchadoras Cisiane Lopes e Érica Sena treinam por lá), Distrito Federal (onde João Sena e Gianetti Bonfim — ex-marchadora — comandam um grupo de atletas, entre os quais Caio Bonfim) e São Paulo (onde treina Mário José dos Santos Junior, medalhista de prata nos 50 km do Pan de Santo Domingo, com 4h07min37), a marcha está longe de ter o mesmo prestígio de que desfruta em terras catarinenses.

"Tem gente que diz que é marcha lenta, que é corrida de 'veado'. Não é raro mexerem com a gente", diz Caio Bonfim. Gianetti completa: "No atletismo mesmo nos olham torto". Para Ivo, a solução seria incluir a marcha nas competições escolares e ensinar as crianças brasileiras a marchar desde cedo: "Quem tem preconceito é o adulto, é o professor de educação física, não a criança", diz. "Nunca vi ninguém marchando amadoramente aqui em Pernambuco", diz Vanthauze Marques, treinador das marchadoras Érica Sena e Cisiane Lopes. Rodrigo Iglesias, fisioterapeuta da seleção brasileira de atletismo e do clube BM&FBOVESPA, de São Paulo, por sua vez, não se lembra de ter tratado um único "marchador de fim de semana" em dez anos de carreira.


E você?

Para o corredor, a marcha pode ser uma opção de cross training — modalidade paralela e complementar inserida na planilha para melhorar o rendimento no esporte principal. "Se você trabalha a marcha com corredores, incentivando a mobilidade do quadril que esse esporte proporciona, eles terão uma passada melhor", diz Cleber. A blumenauense Esmeralda Rocha, de 48 anos, corredora e uma das poucas marchadoras amadoras brasileiras, concorda: "Corro desde março de 2010 e marchei por seis meses. Nesse período, fiquei mais rápida na corrida. Quando você marcha, acaba sentindo mais facilidade ao correr".

Antes de dar suas primeiras passadas, entretanto, consulte um treinador e certifique-se de que ele conhece os "macetes" da modalidade, para não correr o risco de dar marcha a ré em seu condicionamento.

A marcha no mundo

A primeira aparição da marcha na Olímpiada se deu em 1908, nos Jogos de Londres, com as distâncias de 3 500 metros e de 10 milhas. Ambas foram vencidas pelo policial britânico George Larner. Um país que se tornou celeiro de marchadores é a Itália. O primeiro grande expoente italiano foi Ugo Friggerio, detentor de três medalhas de ouro em Olimpíadas (duas em 1920 e uma em 1924). Além dele, o país conta com outros grandes atletas da história da modalidade: Giusepe Dordoni (ouro nos 50 km da Olimpíada de 1952), Maurizio Damilano (ouro nos 20 km nos Jogos de 1980) e Alex Schwarzer (recordista olímpico nos 50 km, com 3h37min09, marca obtida em 2008), entre outros.

Na América Latina, o país de mais tradição é o México, onde a marcha se desenvolveu a partir de 1966, já perto da Olimpíada de 1968, realizada na capital mexicana. O país "importou" da Polônia alguns treinadores de atletismo, como Jerzy Hausleber, expert em marcha. Logo em seus primeiros anos de trabalho, ele colheu bons resultados: prata nos 20 km na Olimpíada de 1968, com José Pedraza Zuniga. Oito anos depois, em Montreal, o México levou a primeira medalha de ouro olímpica na modalidade, com Daniel Rocha, nos 20 km. No total, o país tem nove medalhas (três ouros, quatro pratas e dois bronzes) no masculino.

Outra nação latino-americana que merece destaque é o Equador. Jefferson Perez levou o país a suas únicas medalhas olímpicas, um ouro (1996) e uma prata (2008), nos 20 km. As competições de marcha são sempre longas: provas de 10, 20 e 50 km nas ruas ou nas pistas (onde as distâncias são dadas em metros).

Nos percursos de 50 km, somente os homens podem competir. Por isso, o volume de treino dos marchadores é bem alto, podendo oscilar entre 180 e 250 km semanais.

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