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Humorista Millôr tem obra gráfica reunida em exposição no IMS

A mostra, Millôr: Obra Gráfica reúne 500 originais e destaca os principais temas abordados em 70 anos de produção

Obra de Millôr: trabalhos estão expostos no Instituto Moreira Salles, em São Paulo, até o dia 24 de janeiro (IMS/Divulgação)

Obra de Millôr: trabalhos estão expostos no Instituto Moreira Salles, em São Paulo, até o dia 24 de janeiro (IMS/Divulgação)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 23 de setembro de 2018 às 14h51.

São Paulo - Primeira retrospectiva dedicada aos desenhos do humorista, dramaturgo e tradutor carioca Millôr Fernandes (1923-2012), a exposição que o Instituto Moreira Salles (IMS) reúne 500 dos mais de 6 mil originais sob a guarda da entidade desde 2013. A mostra, Millôr: Obra Gráfica, que tem como curadores Cássio Loredano, Julia Kovensky e Paulo Roberto Pires, destaca os principais temas abordados por Millôr em 70 anos de produção, sendo o marco zero a coluna Pif Paf, publicada na revista O Cruzeiro entre 1945 e 1963.

A exposição foi organizada levando em conta esses temas recorrentes na obra de Millôr. Assim, os curadores a dividiram em cinco núcleos: os desenhos autorreferenciais, o processo embrionário do humorista, que começou escrevendo o texto ilustrado por Péricles em Pif-Paf, sua visão do Brasil com todas as suas contradições (nos núcleos Brasil e Condição Humana) e as obras essencialmente visuais, que não têm o propósito de servir de comentário político, como era comum no trabalho de Millôr.

O humor gráfico do artista foi marcado por sua visão aguda da política brasileira. Millôr trabalhou para os principais veículos da grande imprensa (Jornal do Brasil, Veja) e participou ativamente do mais popular tabloide publicado durante a ditadura (O Pasquim). No livro que acompanha a mostra, o segundo a examinar a obra do artista (o primeiro, Desenhos, é de 1981), o recorte é diferente, mais variado. De qualquer modo, o assunto principal é o próprio Millôr e sua relação com o mundo - o que não surpreende, em se tratando de um artista que não fazia autorretratos como autoanálise, como Rembrandt, mas por puro egocentrismo.

Cássio Loredano, apontando para um desenho na exposição que mostra Millôr assistindo ao nascer de um novo dia, chama a atenção para os elementos que confirmam essa irresistível vocação cabotina: Millôr é o próprio sol, o pão de cada dia, "o alimento e a luz" que oferece ao leitor. "Ele era mesmo vaidoso, sabia qual era seu tamanho", define Cássio, comentando a sofisticação do seu traço e sua inteligência visual. Seu desenho, de fato, exige um espectador erudito, capaz de identificar citações a Mondrian, Picasso, Pollock, Steinberg e ao brasileiro Willys de Castro - uma série de desenhos na mostra evoca o esquema dos objetos ativos do artista neoconcreto.

A ambição intelectual de Millôr não se restringiu às artes visuais - ele foi dramaturgo e tradutor de autores como Shakespeare e Fassbinder. O outro curador da mostra, Paulo Roberto Pires, lembra que o desenhista lutou contra as adversidades de uma vida marcada pela "infância dura" no subúrbio carioca do Méier. Basicamente, foi um autodidata com uma breve passagem pelo Liceu de Artes e Ofícios. Trabalhando na revista O Cruzeiro como contínuo, aos 14 anos, aproveitou a convivência com jornalistas e veio a se tornar uma referência no meio. Ganhou autonomia nos 18 anos em que escreveu a coluna Pif-Paf, publicando sem censura (até 1963) sob o pseudônimo Vão Gogo, clara alusão ao gênio holandês da pintura Vincent Van Gogh.

Entre as peças preciosas da mostra está a reprodução de um pedido de desculpas dos editores de O Cruzeiro a leitores furiosos com uma sátira de 12 páginas da história bíblica da criação do mundo feita por Millôr em 1963. Indignado, ele transformou a Pif-Paf numa revista independente justamente às vésperas do golpe militar de 1964. Desnecessário dizer que durou pouco. O resto da história é mais ou menos conhecido. Millôr foi um dos humoristas mais censurados durante a ditadura - e há vários exemplos na exposição de ilustrações proibidas de circular pelo regime, riscadas com um enérgico "x" dos censores.

Todo esse material, conta a coordenadora da área de iconografia do IMS, Julia Kovensky, só está hoje disponível ao grande público porque Millôr, ao morrer, vítima das consequências de um acidente vascular cerebral, deixou com o legado 94 volumes que reúnem material publicado em jornais como "O Estado de S. Paulo" e revistas como O Cruzeiro e Veja.

Entre os 500 desenhos expostos no IMS, evidentemente os políticos, inspirados pelos absurdos do regime militar, se destacam, embora as obras mais autônomas, que dispensam uma narrativa, sejam as que definem a excelência do traço de Millôr.

MILLÔR: OBRA GRÁFICA

Instituto Moreira Salles. Av. Paulista, 2.424, tel. 2842-9120.

3ª a dom., 10h/20h. 5ª até 22h.

Grátis. Até 27/1

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