Gilberto Gil em uma apresentação: cantor foi um dos modernizadores da música brasileira (Thesupermat / Wikimedia Commons)
Da Redação
Publicado em 27 de junho de 2012 às 13h36.
São Paulo - “Existem muitas maneiras de fazer música. Eu prefiro todas”, disse certa vez Gilberto Gil. Nem sempre foi assim. Houve o tempo em que o compositor baiano, que completa 70 primaveras nesta terça-feira (26), foi um dos bastiões da Tropicália, movimento modernizante da música brasileira que deixava a passeata contra a guitarra elétrica de lado e caía de cabeça na psicodelia vinda do exterior sem medo de parecer burguês para a esquerda mais anacrônica e fechada.
Admirador de João Gilberto, Orlando Silva e Luiz Gonzaga, Gil abriu espaço para o rock paulistano de Arnaldo Baptista, Rita Lee e Sérgio Dias, aos arranjos do maestro Rogério Duprat e foi enfrentar de peito aberto as vaias dos puristas ao lado de um Caetano Veloso indignado, que respondia aos berros que ninguém entendia nada! Nada!
A coragem era de veterano, mas a carreira ainda não vai havia deslanchado completamente. Filho de família baiana bem estabelecida, Gil se formou administrador de empresas e até meados dos anos 60 tinha mulher e emprego fixo. Vida que só largaria de lado definitivamente após boa repercussão das canções Louvação e Eu Vim da Bahia no programa “O Fino da Bossa”, capitaneado por Jair Rodrigues e Elis Regina. As cores tropicalistas viriam à baila com Domingo no Parque (veja o vídeo abaixo), segunda colocada no 3° Festival da Record, em 67.
Antecipando-se ao clássico Tropicália ou Panis et Circensis, Gil lança seu segundo álbum em maio de 68 (capa ao lado), ainda com os ecos de Sgt Peppers Lonely Hearts Club Band, dos Beatles, nos ouvidos. O receituário de todo o movimento está ali. Os Mutantes, convidados de honra para o disco, não se fizeram de rogados.
Prontos para experimentações (quase) sem limites para um disco – que, sim, era de – MPB, exploram as guitarras sem dó. Que digam os riffs de Coragem para Suportar, o solo que abre a regravação de Procissão e o o rock sessentista na urbana Domingou. Gil mostrava o caminho. Daí em diante era só seguir em frente: a pedra fundamental tropicalista estava pronta e tabelada, era somente requentar, como ele próprio cantaria em Parque Industrial, do amigo Tom Zé.
Em julho daquele ano, Panis et circensis, Lindonéia e Batmakumba (todas em parceria com Caetano), Miserere Nobis (composta com Capinan) e Geléia Geral (com Torquato Neto) seriam imortalizadas ao lado de Gal Costa, Nara Leão e todos os outros registrados da capa do álbum (imagem ao lado).
Preocupação com temáticas sociais, quebra de barreiras comportamentais (o temido sexo livre), visual espalhafatoso pouco usual e o inconformismo juvenil foram suficientes para tirar os militares da cadeira. A resposta viria naquele mesmo ano com o AI5 (Ato Institucional nº 5, mais restritivo passo no período antidemocrático no país) e a prisão de Gil e Caetano em dezembro daquele mesmo ano.
Mas a estética de vanguarda proposta na música renderia influências ao Cinema Novo de Glauber Rocha e ao teatro anárquico de José Celso Martinez Corrêa. Mostraria também, mesmo com a possibilidade de isentá-los quase 45 anos depois, que os universitários “linha dura” que resistiram às canções tropicalistas perderam uma boa chance de abrir a cabeça. E era a hora certa para isso.