A bola da Copa da África do Sul: fotógrafa belga passou dois anos visitando aldeias de dez países africanos, quase sempre sem condições básicas para sobrevivência humana (©AFP / Joe Klamar)
Da Redação
Publicado em 13 de fevereiro de 2013 às 15h01.
São Paulo - “Na África, o futebol não é uma religião, mas tudo que uma religião deveria ser”. Jessica Hillout gosta tanto da frase de Ian Brower que ela está impressa em seu livro AMEN e foi também usada por ela durante uma de nossas conversas por e-mail, ainda antes de fecharmos a entrevista final. É que a fotógrafa belga passou dois anos visitando aldeias de dez países africanos, quase sempre sem condições básicas para sobrevivência humana.
Em todas elas, no entanto, a bola ou qualquer coisa que pudesse ser “razoavelmente redonda” – como diz a artista – era muito mais que um passatempo. A esfera tinha o poder de culto, de unir e alegrar crianças, jovens e adultos.
Uma mostra do esforço de Jessica em registrar o futebol de raíz no continente que sediou a mais recente Copa do Mundo você tem aqui. As razões que a levaram a tocar o longo projeto, suas impressões pessoais e as lições que ela tirou após tanto trabalho duro, você acompanha nas próximas linhas.
Como surgiu a ideia de ir para a África fotografar jovens amadores? Foi alguma história que você ouviu que lhe despertou o interesse pelo assunto?
Jessica Hilltout - Tenho viajado muito pela África e sou apaixonada pelo continente. Durante viagens anteriores ao projeto sempre notei a presença do futebol por toda parte. Com a Copa do Mundo disputada na África do Sul pensei que seria a oportunidade perfeita para fazer um projeto sobre futebol amador, de raíz. Queria explorar o jogo longe dos grandes estádios, do dinheiro e dos patrocinadores, uma realidade que o mundo não costuma ver. Cavar fundo no futebol africano, que se tornou essencial para as pessoas que não têm quase nada. Com o futebol, pude falar de força, orgulho e da engenhosidade de um continente que consegue fazer tanto com tão pouco.
Você passou por 10 países durante duas viagens para fazer as imagens de AMEN. Há muitas diferenças entre a forma como os africanos de diferentes partes sentem o futebol ou o futebol é a única coisa que une todas as crianças desses diferentes países?
Hilltout - O futebol é jogado de forma semelhante em todo o continente. E, definitivamente, ele une as pessoas. Tudo o que você precisa é de uma bola ou algo que seja razoavelmente redondo. Praticamente todo vilarejo se torna sede de partidas ao final da tarde, quando o sol se prepara para partir após um dia longo e quente. E posso dizer que testemunhei momentos de magia em torno da bola.
Você pode imaginar como a vida desses jovens africanos seria sem o futebol?
Hilltout - Creio que terrível. Sempre digo que há comida, família e futebol… os três fundamentos da vida. Alguns jogam em um nível profissional, mas muitos jogam apenas por puro prazer, ou para esquecer seus problemas do dia a dia.
AMEN, o nome do seu projeto, deixa bem claro que o fuebol é uma espécie de religião não oficial africana. Mas a religião, por outro lado, é também um grande problema no continente. Viu alguma vez a prática esportiva ser encarada como pecado?
Hilltout - O título (AMEN) veio das pessoas que encontrei. Era a palavra que elas mais usavam quando me despedia deles, uma forma de me desejar sorte com o projeto. Não presenciei nenhuma tensão ou conflito entre futebol e religião. E trabalhei com muçulmanos e católicos… Se houver algum problema com o esporte, talvez seja com os islâmicos extremistas no norte do Mali.
Você é fã de futebol também? Você tem uma equipe ou um jogador favorito?
Hilltout - Nunca gostei muito do futebol. Meu interesse sempre foi a África. Acredito que a minha abordagem do tema é mais antropológica do que de uma fã pelo jogo. No entanto, aprendi muito sobre o poder da bola e acho que é um esporte que alegra aqueles que têm menos. Sou apaixonado pelo futebol jogado quem surge do nada.
Teremos a Copa do Mundo aqui no Brasil no ano que vem. Como você deve saber, temos milhões de crianças que passam o dia todo na rua jogando. Tem alguma chance de haver uma sequência de AMEN por aqui?
Hilltout - Imagino que Brasil e África têm muito em comum quando o assunto é futebol. Passei dois anos trabalhando em AMEN e mais um ano visitando as aldeias para distribuir equipamentos esportivos que recebi de uma marca ligada ao futebol profissional. No entanto, por mais que goste da ideia de descobrir o Brasil pelas lentes do futebol, agora me vejo na obrigação de encarar outro assunto.