Cena do filme Flores Raras: carga de emoção se deve sobretudo à entrega das duas intérpretes que superam as limitações de um roteiro irregular, que passou por várias mãos (Divulgação)
Da Redação
Publicado em 15 de agosto de 2013 às 15h09.
São Paulo - A relação entre a poeta norte-americana Elizabeth Bishop (1911-1979) e a paisagista brasileira Lota de Macedo Soares (1910-1967) é o tipo da história que pede para ser contada. Além do romance entre duas mulheres criativas, inteligentes e ousadas, e seus naturais choques pessoais e culturais, surge aí a possibilidade de um retrato de época do efervescente Brasil do início dos anos 1950 e 1960, atropelado pela ditadura militar, e tantos outros temas, comportamentais e políticos, que poderiam caber num filme.
"Flores Raras", o filme do diretor Bruno Barreto que tenta dar conta de alguns aspectos dessa fascinante história, tem alguns trunfos a seu favor, o principal deles a presença de duas atrizes experientes e carismáticas: a brasileira Glória Pires para o papel de Lota e a australiana Miranda Otto como Elizabeth.
Se o filme tem alguma carga de emoção, isto se deve sobretudo à entrega das duas intérpretes que, não raro, superam as limitações de um roteiro irregular, que passou por várias mãos - primeiro Carolina Kotscho, depois Matthew Chapman e Julie Sayres, tendo como ponto de partida a biografia de Carmem L. Oliveira, "Flores Raras e Banalíssimas", que inspirou o título do filme.
Incomoda, especialmente, uma inadequação da direção das atrizes, que se observa particularmente em Glória Pires, em alguns momentos, transformando a impetuosidade e energia de sua Lota numa caricatura de masculinidade forçada.
Sai-se melhor Miranda Otto para encarnar a delicadeza instável da poeta, sofrendo de alcoolismo e depressão e que vai desabrochar no Brasil sua personalidade literária mais profunda, vencendo, enquanto vivia aqui, seu primeiro prêmio importante, o Pulitzer, em 1956.
O filme apresenta uma figura menos conhecida, e o terceiro vértice de um triângulo amoroso, a norte-americana Mary (Tracy Middendorf). Companheira de Lota, ela era ex-colega de Elizabeth na Universidade de Vassar. A poeta vem visitá-la, em 1951, no auge de uma crise pessoal. É aí que Lota se apaixona por Elizabeth, iniciando-se uma relação que duraria quase 20 anos.
O contexto histórico e cultural, aspecto importante num filme que transita entre dois países e duas culturas, num momento histórico muito rico, é outro aspecto em que roteiro e direção falham.
Por mais que o foco seja a relação entre as protagonistas, há diversos momentos em que a realidade política permeia sua história, até porque um dos melhores amigos de Lota era o jornalista e político Carlos Lacerda (Marcello Airoldi).
O retrato de Lacerda, aliás, é uma das maiores inconsistências históricas do enredo, edulcorando a figura do político, conspirador de primeira hora, quando governador da então Guanabara, a favor do golpe de 1964. Este e outros aspectos passam ao largo, atenuando-se o lado mais polêmico de Lacerda, apresentado como um intelectual tranquilo, que falava tão bem o inglês, além de um governador de visão, que chamou Lota para idealizar o Parque do Flamengo.
Mesmo quando tenta introduzir a realidade social, de desigualdade do país, no oásis do magnífico sítio na Samambaia, em Petrópolis, onde viviam as protagonistas, falta sutileza - caso da sequência em que Lota acompanha Mary à casa de uma família pobre, concretizando a virtual "compra" de um bebê para a companheira, obcecada pela maternidade.
As questões que esta história atravessa, sejam íntimas e pessoais, sejam históricas, certamente são de uma complexidade enorme. Assim, seu tratamento no filme ressente-se não só de um aprofundamento, como de um tom menos mecânico da direção. Por tudo isso, escapa nas entrelinhas o grande filme que "Flores Raras" poderia ter sido.