Ipe Moraes: sócio do grupo Adega Santiago (Divulgação/Divulgação)
Daniel Salles
Publicado em 25 de fevereiro de 2021 às 06h00.
Última atualização em 25 de fevereiro de 2021 às 10h20.
No atual panorama, são raros os empresários do setor de bares e restaurantes que se encontram na mesma situação de Ipe Moraes. Seu grupo, o Adega Santiago, que inclui a rede de bares de mesmo nome, a Taberna 474 e a Casa Europa, não foi exatamente assolado pelo coronavírus – diferentemente de incontáveis estabelecimentos do ramo, muitos dos quais fechados em definitivo. "Atravessamos bem a pandemia até aqui”, disse-me ele durante um almoço recente na Taberna 474, situada no Jardim Paulistano, em São Paulo.
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Os primeiros dois meses da quarentena, é verdade, foram tenebrosos. “Nessa época achei que seria o fim do grupo, foi desesperador”, lembrou ele. “Tínhamos dinheiro em caixa, mas os gastos fixos são altos. Não deu para não recorrer a banco e renegociar pagamentos”. Com o passar dos dias, porém, o delivery, ao qual as três marcas estavam habituadas havia tempo, ganhou cada vez mais relevância. Chegou a representar, no final do primeiro semestre, 30% do faturamento registrado antes do coronavírus entornar o caldo. Foi o suficiente para o grupo terminar junho no zero a zero.
No semestre seguinte, a maré virou. “Faturamos como nunca a partir de julho”, revelou Moraes. “E mesmo com as restrições impostas ao atendimento presencial”. Ele credita a reviravolta à demanda reprimida e à disposição de sua clientela, em geral formada por endinheirados, de aumentar os gastos com a comida dele – o arroz de polvo da Adega Santiago, cuja porção individual custa 101 reais, é prova de que não se tratam de casas baratas. “Nosso tíquete médio explodiu provavelmente porque nossos clientes, que têm mais grana, deixaram de gastar com viagens etc”, afirmou.
Disse mais, acrescentando que outubro foi o melhor mês da história do grupo: “De uma hora para outra começou a entrar um faturamento gigante”. O delivery quadruplicou de tamanho – nunca se faturou tanto com ele como em janeiro – e os habitués que se sentiram aptos a comer fora de casa novamente voltaram em peso.
Duas unidades da Adega Santiago, vale lembrar, encontram-se em shoppings centers, o Cidade Jardim, em São Paulo, e o VillageMall, no Rio de Janeiro. Essas passaram a bombar assim que o veto ao atendimento presencial foi derrubado. A do Cidade Jardim foi beneficiada principalmente pelo fato de ter espaço livre em volta, que lhe permitiu manter sua capacidade máxima, de 150 lugares, e ainda assim respeitar a distanciamento entre as mesas imposto pelas autoridades de saúde. Para os estabelecimentos de rua, ainda proibidos de usar as calçadas, a única saída é diminuir o número de assentos.
A Adega do VillageMall, que fica na Barra da Tijuca, foi beneficiada principalmente por outro fenômeno: o fechamento, em definitivo, de vários concorrentes próximos, como a pizzaria Bráz, o Gero+Trattoria, o Quadrifoglio, o Sal Gastronomia, do chef Henrque Fogaça, e o CT Brasserie, de Claude Troisgros. “Compartilhávamos o mesmo público, para o qual passamos a ser uma das únicas opções”, disse Moraes. E olhe que ele cogitou dar um fim à unidade. “Com tantos fechamentos, parecia ser a decisão mais acertada, mas preferi antes tentar negociar uma saída com o shopping”.
Sensibilizado, o VillageMall, que pertence à Multiplan, não cobrou nada de aluguel por seis meses e diminuiu o valor do condomínio em 50%. A JHSF, dona do Cidade Jardim, cortou o condomínio pela metade enquanto o shopping ficou fechado e suspendeu a cobrança de aluguel até agosto, quando a Adega Santiago do local voltou à ativa.
É que essa unidade nunca tinha aderido ao delivery, que justificaria a retomada mais cedo – sua localização, no quarto andar, torna a operação de entregas pouco atrativa. A única exceção que abriu foi para o CJ Food, aplicativo de delivery da JHSF – lançado no segundo semestre, é voltado só para restaurantes e bares sofisticados. Que tal a novidade? “Acharam que ia fazer sucesso porque é ligado ao Cidade Jardim, mas os motoqueiros são os mesmos dos demais aplicativos”, Moraes criticou. “Cadê o luxo da JHSF, uma moto diferenciada?”.
O restaurateur contou que com o CJ Food fatura cerca de 20 mil reais por mês. É quase nada perto do 1,6 milhão de reais que seu grupo abocanha mensalmente com entregas. A maioria delas está a cargo do iFood, com o qual Moraes firmou contrato de exclusividade – em troca uma taxa mais saborosa que a de praxe (o aplicativo costuma ficar com 27% do valor de cada pedido).
Como foi possível fechar também com a CJ Food? “Nossas marcas têm exclusividade com o iFood, mas cada casa, um CNPJ diferente. Foi o que nos permitiu incluir só a Adega Santiago do Cidade Jardim, que até então não fazia delivery”, explicou. “E o próprio iFood me disse, sabendo do tamanho do aplicativo da JHSF: ‘vai lá, tudo bem’”. Em tempo: todas as marcas de Ipe também dispõem de entregadores próprios e apostam no chamado take away.
Tudo somado, o grupo do restaurateur fechou 2020 com um faturamento de 50 milhões de reais. É uma cifra 23% menor que os 65 milhões de reais registrados em 2019. Mas que, em um setor tão machucado, soa como música. “Foi difícil principalmente porque uma hora quebrou, depois bombou, e depois chegaram novas restrições e mais incertezas”, resumiu o entrevistado. “Agora, se não houver mais mudanças, a tendência é voltar a estabilizar. Mas não tenho ideia de como será esse ano. Orçamento? Sequer fiz, porque ainda é tudo muito incerto”.
Pelo sim, pelo não, os planos de expansão previstos para 2021 foram parar na geladeira. A ideia era abrir uma casa na zona sul do Rio de Janeiro e outra em Higienópolis, em São Paulo (dos endereços atuais, todas se encontram na capital paulista, à exceção da Adega Santiago na Barra da Tijuca). Moraes é o único dono da Casa Europa e de 50% das outras duas marcas (a fatia restante pertence a dois irmãos, mantidos à sombra).
Sobre a atuação do governo em relação ao setor, Moraes disse o seguinte: “O combate ao negacionismo e a defesa da vacina virou a grande bandeira do [governador João] Doria e, de certa forma, ele está com a razão. Mas os bares e os restaurantes viraram os grandes vilões da pandemia, o que não faz sentido. Aqui os garçons estão de máscara e face shield, todo mundo tem a temperatura medida e há separação de acrílico entre as mesas, que estão espaçadas”.
Foi além: “Fomos escolhidos politicamente. Tanto é que resolveram impedir nosso funcionamento na última semana de dezembro e na primeira de janeiro, nas quais geralmente o movimento é bem mais baixo – porque está todo mundo no litoral. Não faria mais sentido fechar as praias?”. Na sua opinião, as restrições deveriam ser as mesmas para todos os setores. “As regras criadas para nós são mais para inglês ver".