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Da Redação
Publicado em 29 de novembro de 2013 às 12h14.
Paris - Paris revela o aspecto mais surrealista de Victor Hugo através de uma exposição na qual os desenhos do autor se misturam e se confundem com os dos seguidores desse movimento artístico, como Óscar Dominguez e Max Ernst.
A Casa de Victor Hugo exibe até fevereiro "La cime du rêve" ("Acima do sonho"), aonde cerca de 50 desenhos do autor de "Os Miseráveis", junto com outros de gênios do surrealismo, realizam um percurso temático por meio de castelos, da natureza, do amor, de contos e hieróglifos.
O também poeta (1802-1885), aprendido de cor no colégio pelos franceses, se afasta até estar num ponto diametralmente oposto de outro Victor Hugo, recuperado pelos surrealistas em seu manifesto de 1924, quando André Breton sentenciou: "Hugo é surrealista quando não é tolo".
Apesar da similaridade de algumas obras de Hugo com as dos surrealistas na temática e nas técnicas experimentais, a exposição não pretende fazer do escritor um artista surrealista, explicou à Agência Efe Vincent Gille, responsável de estudos documentais na Casa de Victor Hugo e curador da mostra.
"Os surrealistas adoravam os panteões, os encantava homenagear pintores e escritores que os agradavam e que pensavam, de algum modo estavam na origem do movimento surrealista", de modo que Victor Hugo se situou neste particular Olimpo junto de Rimbaud, Lautréamont ou Apollinaire, explicou Gille.
Também houve certos aspectos do gênio que os jovens surrealistas (que estavam nos 20 anos na década de 1920) não aceitaram, pois, destacou Gille, Hugo representava o poeta com maiúsculas, o "poeta monstruoso, o escritor profissional comprometido".
Os seguidores deste movimento deixaram, portanto, de lado o escritor acadêmico e buscaram em sua poesia e sua obra gráfica o estranho, que é "de uma liberdade totalmente incrível, que não corresponde à imagem que se tinha então de Hugo", prosseguiu o curador.
Até então os desenhos do poeta eram totalmente desconhecidos e, destacou Gille, "é exatamente esse Victor Hugo um pouco deslocado, ignorado, deixado de lado pela família e pelo mundo universitário que quiseram destacar".
Victor Hugo, que desenhou desde muito jovem, não encontrava limites nem pressões neste modo de expressão, explicou o curador, já que se sentia escritor e encontrava na ilustração "uma espécie de recriação, um campo e experimentação".
Embora Victor Hugo não tenha utilizado nunca mais para o desenho a pluma e a tinta, empregava todo tipo de truques e jogos, às vezes de tipo infantil, como dar a volta no pluma para redistribuir a tinta com o lado suave.
Ainda chega mais longe lançando tinta ou outros líquidos, como chá, sobre todo tipo de superfícies para criar manchas "nas quais procura outra realidade além da visível" e onde às vezes acrescenta elementos para fortalecer essa outra realidade que está além da a primeira vista.
"Há teóricos que dizem que se trata do nascimento da abstração, mas não tenho certeza que Hugo tivesse compreendido e admitido isso", ressaltou Gille.
O autor reduz à mínima expressão os detalhes de suas marinhas e castelos, transformados em sonhos, como a imagem de Notre Dame, tão afastada do detalhe de sua obra literária como perto se encontram o desenho que faz de uma águia e o ave que Max Ernst titula "L"origine da pendule" ("A origem do pêndulo").
Menção à parte merece a "Tête de diable" ("Cabeza del diablo"), uma aguada de tinta e desenho a pluma sobre papel, conservada por Pablo Picasso em sua coleção pessoal e que no entorno de uma mancha difusa deixa ver um rosto inquietante.