Filme "12 Anos de Escravidão": nunca houve um filme sobre a escravidão nos EUA como 12 Anos, e esse é o grande diferencial do longa de Steve McQueen (Divulgação)
Da Redação
Publicado em 21 de fevereiro de 2014 às 09h37.
São Paulo - Com as estreias desta sexta-feira, 21, de 12 Anos de Escravidão, de Steve McQueen, e Clube de Compras Dallas, de Jean-Marc Vallée, completa-se a lista de nove indicados para o Oscar principal nos cinemas brasileiros.
Sete estarão em cartaz no fim de semana, dois já saíram para dar espaço a novos lançamentos - Capitão Phillips, de Paul Greengrass, e Gravidade, de Alfonso Cuarón. Hollywood divulgou no outro dia sua lista de maiores bilheterias em 2013.
O número 1 foi Homem de Ferro 3, de Shane Black, que não é lá essas coisas. Dos filmes do Oscar, só um entrou na lista, e foi Gravidade.
Todo mundo conhece as celebridades que desfilam pelo tapete vermelho e a Academia incentiva o glamour associado ao prêmio mais cobiçado e popular do cinema. O mais importante? Há controvérsia.
O Oscar foi criado ainda nos anos 1920 e, com o tempo, se consolidou como o reconhecimento que uma indústria sólida como a do entretenimento nos EUA oferece a seus artistas e técnicos. Após a 2ª Grande Guerra, Hollywood começou a reconhecer que havia cinema além de suas fronteiras, e surgiu o Oscar de melhor filme em língua estrangeira.
Se o tapete vermelho é bem conhecido, os integrantes da Academia - os votantes - são quase secretos. Sabe-se, por exemplo, que são homens (77%), brancos (94%) e que a idade média anda em 62 anos.
Isso poderia fornecer, quem sabe, um perfil nitidamente conservador, mas já faz tempo que a Academia, concedendo liberdade de escolha a seus membros, se desalinhou da Casa Branca e de suas políticas.
E uma coisa é certa - a Academia, consciente de suas atribuições, costuma esnobar os grandes sucessos, estabelecendo, como qualquer crítico, diferença entre filmes de mercado e de arte.
O melhor filme norte-americano do ano - entrou na lista dos cinco mais do jornal O Estado de S.Paulo - foi Gravidade, mas se nem Stanley Kubrick ganhou o Oscar com 2001, Uma Odisseia no Espaço, não há muita surpresa em ver o favoritismo deste ano pender para 12 Anos de Escravidão.
Embora o jornal USA Today sustente que a polarização entre 12 Anos e Trapaça, de David O. Russell, poderá favorecer Gravidade, mais vale apostar nas chances de Steve McQueen, o diretor, homônimo do astro. Quer dizer - nas suas chances para melhor filme, porque é provável que, no final, 12 Anos leve o prêmio principal, mas McQueen veja o Oscar de direção ser entregue a Cuarón, por que não?
Numa entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, o tradutor do livro de Salomon Northup no Brasil - Drago, na edição da Seoman - disse que o mais impressionante no testemunho do negro emancipado que foi vendido e escravizado de novo, é que a escravidão, sob outras formas, ou com outros nomes, permanece viva e continua sendo a base de muitas economias, em pleno século 21.
Nos EUA e na Inglaterra, McQueen e a Penguin Books estão empenhados numa campanha para que 12 Anos, o livro, seja adotado como leitura obrigatória, apesar de ser, obviamente, muito cru em certas partes.
No que não parece haver muitas dúvidas é que Matthew McConaughey e Jared Leto vão ganhar os Oscars de melhor ator e ator coadjuvante, por Clube de Compras Dallas, e que Cate Blanchett e Jennifer Lawrence serão, respectivamente, a melhor atriz e a melhor coadjuvante, por Blue Jasmine, de Woody Allen, e Trapaça.
São considerações de ordem geral. Cate pode muito bem ganhar, como vai, mas o prêmio de coadjuvante ficaria muito melhor atribuído a Julia Roberts, por Álbum de Família, de John Wells, ou a Sally Hawkins, no filme de Woody Allen. Conjeturas à parte - e ainda haverá muito tempo e espaço até o dia 2 de março -, o público deve ver os indicados e fazer suas apostas.
Nunca houve um filme sobre a escravidão nos EUA como 12 Anos, e esse é o grande diferencial do longa de Steve McQueen. O diretor aborda a escravidão do ponto de vista econômico, social, mas também, e principalmente, do ponto vista físico - e sexual. Nunca as punições foram tão brutais.
Nunca a capa civilizatória caiu tanto como nas sucessivas violações a que esse sinhozinho submete sua escrava. Uma das questões que o filme levanta se refere ao itinerário espiritual de Salomon, e talvez seja o motivo pelo qual, na sua batalha por dignidade e liberdade, ele não mate a pobre Patsey por piedade.
Redenção, segunda chance são temas faróis do cinema de Hollywood. A história de Ron Woodroof tinha tudo para satisfazer a mitologia hollywoodiana da segunda chance, mas o diretor Jean-Marc Vallée não fez uma biopic como as outras, em Clube de Compras. Em 1985, a aids está devastando a comunidade gay e se estende para a de drogados.
Woodroof, macho típico, contraiu o vírus e o médico lhe diz que vai viver 30 dias. A luta de Woodroof é um pouco contra os preconceitos dos antigos camaradas - todos homofóbicos -, mas, principalmente, para ampliar suas data de validade. Ele quer viver, e isso significa combater a indústria farmacêutica e o próprio organismo que patentiza medicamentos nos EUA.
Enquanto trava essas batalhas, Woodroof contrabandeia, e não só para ele, via México, os remédios que estão sendo usados em outros países.
Uma cena é admirável, determinante para o prêmio de Jared Leto. É quando o transformista vai pedir dinheiro ao pai, para ajudar Woodroof. O diálogo é impossível. Pai e filho, cada um à sua forma, sentem vergonha.
Querem encurtar a entrevista, mas sabem que é a última vez que vão se ver. Sentimentos confusos, opostos, estão no ar. A quem atribuir esse Oscar, senão a Jared? E a McConaughey, como Woodroof? O galã virou ator (o melhor de sua geração?). As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.