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Ensinamento do home-office: trabalhar na cama é ótimo

Trabalhar na cama é uma tradição consagrada pelo tempo, mantida por algumas das figuras mais talentosas da história

A cama virou parte do home office (Justin J Wee/The New York Times)

A cama virou parte do home office (Justin J Wee/The New York Times)

DS

Daniel Salles

Publicado em 11 de janeiro de 2021 às 13h44.

Última atualização em 15 de janeiro de 2021 às 10h07.

Durante anos, especialistas em sono mantiveram uma regra de ouro: os aparelhos não têm vez no quarto. No entanto, desde que a pandemia começou em março, milhões de americanos desafiaram essa orientação e começaram a trabalhar exatamente onde dormem – estão elaborando documentos legais, produzindo eventos, falando com clientes, programando, enviando e-mails, estudando e escrevendo, tudo debaixo das cobertas.

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O plano nem sempre foi esse. No início, muita gente investiu em mesas de trabalho e outros equipamentos destinados a fazer de sua casa o local mais ergonômico e profissional possível.

Quando a cidade de Nova York instituiu o shutdown em março, Vanessa Anderson, de 24 anos, montou uma pequena mesa de trabalho em sua sala de estar. Era funcionária de uma agência que gerencia chefs privados e queria manter alguma aparência de separação entre trabalho e sono. "Por algum tempo, estive realmente determinada a não trabalhar no quarto", afirmou ela.

Em maio, Anderson levou sua mesa para o quarto para ter mais luz. "Minha cama estava ali, me chamando." Estabeleceu regras básicas para si mesma: só iria para a cama depois das 14h, mas esse horário ia ficando cada vez mais cedo. Em julho, a cama havia se tornado seu escritório em tempo integral.

Anderson já trocou de emprego – lida com o e-commerce de uma loja de especiarias agora – e só trabalha remotamente durante parte da semana, mas, ainda assim, na cama. Conversando com os outros, descobriu como a prática é comum. "Estive em ligações com pessoas que também estavam na cama. No fim da chamada vinha o diálogo: 'Como está indo a pandemia? Ah, você está na cama agora? Eu também!'"

Trabalhar na cama é uma tradição consagrada pelo tempo, mantida por algumas das figuras mais talentosas da história. Frida Kahlo pintou obras-primas em seu leito com dossel. Winston Churchill, que nunca acordava cedo mesmo durante a Segunda Guerra Mundial, ditava cartas a seus datilógrafos enquanto tomava café da manhã na cama, onde também Edith Wharton, William Wordsworth e Marcel Proust elaboraram prosa e verso. "Sou um autor completamente horizontal. Não consigo pensar a menos que esteja deitado", declarou Truman Capote à revista "The Paris Review" em 1957.

Além de alimentar o pensamento criativo, o quarto pode ser um refúgio do caos da vida doméstica. É o retiro dos pais que querem se esconder dos filhos que não estão indo para a escola. Outros fogem de colegas de quarto.

"Acho que uma das coisas que aprendemos é que estamos todos em lugares apertados figurativa e literalmente; sobretudo se você tem um companheiro de quarto ou um cônjuge, simplesmente não há espaço suficiente em casa para ter a privacidade necessária ao trabalho", disse Sam Stephens, 35 anos, cantor e compositor em Nashville, no Tennessee.

Desde o início da pandemia, milhões passaram a trabalhar onde dormem (Justin J Wee/The New York Times)

Trabalhar na cama também pode ser um sintoma de mal-estar coletivo. "Passo muito mais tempo trabalhando na cama, mesmo tendo um computador, cadeira e mesa de escritório. Acho que todo mundo está se sentindo deprimido com a pandemia, e quando você está deprimido uma das coisas mais difíceis de fazer é sair da cama", analisou Abelina Rios, de 26 anos, youtuber de Los Angeles.

Muitas pessoas, porém, não usam essa desculpa. Poulomi Banerjee, de 26 anos, arrecadadora de fundos em Maryland, disse que trabalha assim desde o ensino médio: "Eu não conseguia me concentrar a menos que estivesse superconfortável."

Daniel Peters, de 45 anos, comerciante em San Francisco, trabalha no lado da cama que é de sua esposa durante o dia. (Higiene do sono?) Ele argumentou que essa atitude pode ser uma expressão de negação: "Eu me pergunto se quase subconscientemente não aceitamos que isso seja a vida real. Sentar-se à mesa faz com que as coisas se pareçam mais com a vida real? Todos nós achávamos que essa pandemia não demoraria a acabar, mas ela ainda está aí. Se eu passar o dia todo trabalhando a uma mesa, isso significa que é assim que vai ser o tempo todo?"

Liz Fosslien, de 33 anos, autora de "No Hard Feelings", livro sobre como as emoções afetam o trabalho, traz para a cama todas as manhãs seu computador, o mouse sem fio e tudo o mais. "Uso meu colchão como mouse pad." Seu conselho para qualquer um que faça o mesmo hoje em dia: "Não se culpe por isso. É fácil dizer: 'Ai, estou de pijama, nem lavei o cabelo, o que estou fazendo?', mas o importante é a qualidade da sua produção."

O principal argumento contra o uso de dispositivos na cama é que isso pode estreitar ainda mais as fronteiras entre o trabalho e a casa, além de interromper seu ciclo de sono. Mas mesmo Arianna Huffington, executiva de mídia que virou evangelizadora do sono, viu-se trabalhando na cama desde a chegada da pandemia. "Acho que pode funcionar muito bem, mas é fundamental ter certos limites", aconselhou. Huffington sugere manter sua mesa de cabeceira em ordem, e, quando parar de trabalhar, sair da cama e guardar seus eletrônicos em outro cômodo.

Os defensores da cultura da mesa argumentaram que não dá para ser produtivo na cama. A escritora Susan Orlean disse à revista "The New Republic" em 2013: "Não conheço ninguém que trabalhe encostado, mas conheço muita gente que trabalha na cama (meu marido, por exemplo). Acho que todos eles são um bando de preguiçosos se deteriorando rapidamente. Ou talvez eles sejam muito mais felizes (e mais inteligentes) do que os outros."

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