Taça da Copa do Mundo: pesquisa da Fifa mostra que maioria é a favor da competição a cada dois anos. Conmebol se mostra desfavorável. (Mohamed Abd El Ghany/Reuters)
Da Redação
Publicado em 5 de outubro de 2021 às 12h00.
A Copa do Mundo é considerada um dos eventos esportivos mais importantes que existem. Para além da presença de grandes craques e lances que entram para a história, o envolvimento das 32 nações, tanto de torcedores quanto de atletas, que disputam o torneio sempre chama a atenção. Apesar da aparente fórmula de sucesso, a Fifa, entidade máxima do futebol, a partir deste ano, passou a discutir a realização do torneio a cada dois anos.
Segundo pesquisa realizada pelas companhias IRIS e YouGov, em julho deste ano, a maioria dos fãs de futebol apoiam a ideia de que a Copa do Mundo seja mais frequente. Solicitado pela Fifa, a enquete faz parte de um estudo de viabilidade sobre a realização da competição. A pesquisa foi feita com a participação de 23 mil pessoas, de 23 países diferentes.
Desde maio de 2021, quando as análises da entidade iniciaram, a decisão gerou polêmica e começou a repercutir no meio futebolístico. Recentemente, o presidente da Uefa, Aleksander Ceferin, em entrevista ao jornal “The Times”, se posicionou contra a mudança na periodicidade do Mundial. Porém, houve figuras relevantes do futebol que se colocaram a favor, caso de Pep Guardiola, treinador do Manchester City, que, segundo a Manchester Evening News, disse que “seria bom e não se pode criminalizar esse tipo de ideias''.
O responsável por liderar este projeto é Arsene Wenger, ex-técnico do Arsenal, hoje Diretor de Desenvolvimento de Futebol na Fifa. Ao jornal esportivo “L’Équipe”, o francês admitiu que as propostas trabalhadas até o momento não têm como principal finalidade os fins econômicos, mas sim a melhora da qualidade das partidas e a frequência das competições.
Eduardo Carlezzo, advogado especializado em direito desportivo, explica que, apesar da declaração de Wenger, há sim interesses financeiros por parte da entidade. “A Copa do Mundo de seleções é o trem pagador da FIFA. Sem ela, a entidade teria enormes dificuldades em se sustentar. Obviamente, aumentando a periodicidade a receita também aumentaria, o que por consequência leva ao aumento do poder financeiro da FIFA e da capacidade de distribuir recursos às federações nacionais. Para estas, inclusive, é um atrativo, pois teriam a possibilidade de maximizar suas receitas, já que a participação do torneio gera dividendos relevantes”, esclarece.
O advogado Pedro Trengrouse, professor em gestão esportiva na Fundação Getúlio Vargas, segue uma linha de raciocínio parecida. “Razões econômicas podem não ser as principais, mas considerando o esforço e o custo significativo que esta mudança representa, certamente a perspectiva é de melhor retorno financeiro, caso contrário o modelo não seria sustentável. Se existir um maior investimento, é preciso ter um retorno em cima disso”.
Outro ponto que passou a ser debatido é a perda de atratividade da Copa do Mundo, uma vez que as pessoas teriam um intervalo de tempo menor para esperar o início do torneio. Segundo dados da FIFA, a última edição, sediada na Rússia, alcançou recorde de audiência, com mais de 3,5 bilhões de telespectadores. De acordo com a entidade, 3,572 bilhões de telespectadores --mais da metade da população mundial com 4 anos de idade ou mais-- assistiram a alguma parte da cobertura oficial, que foi transmitida ao vivo em todos os territórios do planeta entre 14 de junho e 15 de julho de 2018.
Rene Salviano, executivo de marketing que lançou neste ano a HeatMap, agência de marketing esportivo focada em captação de patrocínios, acredita que a diminuição do intervalo entre uma Copa e outra pode trazer efeitos positivos.
“É um bom momento para inovar no futebol, nas regras de jogo ou no formato de disputa. A briga por audiência é grande e acredito que podem ter algumas mudanças para trazer mais atratividade para este esporte. A FIFA tem o poder de levar novidades para que o futebol se modernize e traga alterações que brilhem os olhos dos torcedores pelos seus 90 minutos”, acrescenta Salviano.
Para Marcelo Palaia, professor e especialista em marketing esportivo, a mudança na periodicidade do torneio não deve afetar a audiência e o interesse do público no geral. “No que diz respeito a audiência, tenho a convicção de que, com certeza, teria do mesmo jeito. Basta comparar com a Champions League e Libertadores, por exemplo, que acontecem todo ano”.
Com a Copa do Mundo acontecendo a cada dois anos, isso representaria uma mudança significativa no campeonato dos clubes e na organização das competições de seleções. Caso a maioria dos 211 filiados aprove, a Fifa pretende levar o projeto pronto para votação já no próximo Congresso, em maio de 2022.
De acordo com o plano apresentado, os jogadores teriam férias no período de julho e agosto, mas não contempla ajustes em calendários que têm competições realizadas de janeiro a dezembro, como o Brasil. Para o CEO do Botafogo, Jorge Braga, ainda é difícil para os clubes compreenderem o tamanho do impacto desse novo calendário para o futebol brasileiro. “Ainda não temos acesso a todas informações do projeto e do estudo de viabilidade da Fifa. Mas acreditamos que todas as partes precisam ser ouvidas, especialmente os clubes”.
O dirigente lembra que as principais ligas do futebol mundial, que defendem agressivamente os interesses dos clubes, se posicionaram contra e isso pode ser um indicativo do que está por vir. “O negócio pode ser bom para a Fifa, mas nossa preocupação está na consequência disso no calendário dos campeonatos que disputamos, uma vez que temos a nossa remuneração por direitos de transmissão e premiação”.
Braga ainda acrescenta. “É importante lembrar que, quando o jogador está disputando uma Copa do Mundo, ele continua na folha dos clubes. A Copa do Mundo é um grande blockbuster, principalmente aos anunciantes, que se beneficiam bastante do evento, mas pode criar um problema para quem paga a conta e não está claro como os clubes serão recompensados por isso”, completa.
O presidente do Internacional,Alessandro Barcellos, acredita que ainda é necessário uma discussão em conjunto para que não sejam atendidos apenas os interesses da Fifa. “Nossa maior preocupação é o impacto da Copa do Mundo a cada dois anos para o nosso calendário e o modelo das competições do futebol brasileiro. Os clubes europeus já estão se posicionando a respeito desta ideia e acredito que, aqui no Brasil, em breve teremos que fazer o mesmo, afinal, é uma mudança que afeta a todos e precisa ser profundamente discutida”.
Apesar da entidade ter estruturado um novo calendário, ainda há resistência para viabilizar a Copa do Mundo em um evento bienal. No último mês, o sindicato mundial de jogadores FifPro criticou o projeto e reivindicou reformas para atender à necessidade de redução da carga de trabalho dos atletas.
No comunicado, a FifPro afirmou que: "Sem a concordância dos jogadores, que dão vida a todas as competições em campo, essas reformas não terão a legitimidade necessária. O debate atual, mais uma vez, segue um processo e uma abordagem falhos."
Vale lembrar que a Copa de 2022 será disputada no Catar e a de 2026 acontecerá pela primeira vez na história em três sedes - México, Estados Unidos e Canadá. O novo cronograma, pensado pela Fifa, é a partir de 2026, portanto, há chance de haver outra edição em 2028.