Matthew Buchanan, à esquerda, e Karl von Randow, co-fundadores da Letterboxd, em Auckland, Nova Zelândia. (Birgit Krippner/The New York Times)
Julia Storch
Publicado em 3 de fevereiro de 2021 às 13h23.
Última atualização em 5 de fevereiro de 2021 às 15h04.
No início da década passada, Matthew Buchanan e Karl von Randow, web designers de Auckland, na Nova Zelândia, buscavam um projeto do qual gostassem. Seu negócio, um estúdio butique de web design chamado Cactuslab, desenvolvia aplicativos e sites para vários clientes, mas eles queriam algo próprio com o qual sua equipe pudesse se conectar quando não houvesse muito que fazer.
Seu dinheiro está seguro? Aprenda a proteger seu patrimônio
Buchanan teve uma ideia de um site de mídia social sobre filmes. Na época, ele usava o Flickr para compartilhar fotos e a Last.fm para música. O IMDb era um banco de dados; não era, em essência, social. Isso abria uma lacuna. O resultado foi um aplicativo e rede de mídia social chamado Letterboxd, que seu site descreve, apropriadamente, como "o Goodreads dos filmes".
Depois que foi introduzido na conferência web Brooklyn Beta em 2011, o Letterboxd foi constantemente conquistando um número modesto, mas apaixonado, de fãs de cinema, ansiosos para acompanhar sua rotina de assistir a filmes, criar listas de favoritos e escrever e publicar críticas. Em 2020, no entanto, o crescimento do site explodiu. O Letterboxd viu sua base de usuários quase dobrar desde o início da pandemia: há agora mais de três milhões de contas, de acordo com a empresa.
E não são apenas mais usuários. Há mais utilidade: "Vimos um aumento da atividade dos membros. Todas as nossas métricas aumentaram", disse Buchanan em uma recente entrevista pelo Zoom. Sua receita cresceu, com a publicidade e a opção de associações pagas, que dão aos usuários recursos adicionais. A empresa não é mais apenas o projeto paralelo de Buchanan e von Randow, e no ano passado eles contrataram vários funcionários em tempo integral.
A pandemia devastou a indústria cinematográfica, já que os cinemas permaneceram em sua maioria fechados e os sucessos de bilheteria de destaque, como Tenet, tiveram um desempenho drasticamente abaixo do esperado. Para a Letterboxd, entretanto, todo esse tempo em casa foi uma bênção. "Adoramos falar de filmes. E estamos falando ainda mais do que amamos ultimamente porque estamos todos presos em casa", comentou Gemma Gracewood, editora-chefe do Letterboxd.
No início, a plataforma atraiu principalmente os obcecados por cinema: cinéfilos, fanáticos por estatísticas e críticos profissionais que procuravam reunir seus trabalhos publicados em uma mesma plataforma. Mike D'Angelo, colaborador de longa data da "Entertainment Weekly" e da "Esquire", usou a plataforma para registrar retroativamente todos os filmes que já tinha visto, por data, desde janeiro de 1992. Além de enviar seus comentários antigos para o Letterboxd, ele usa o site como uma espécie de diário para mais reflexões espontâneas.
"Se estou fazendo uma crítica profissional, estou escrevendo para o público em geral. Mas no Letterboxd não me preocupo com coisas pro forma como a sinopse do enredo. Faço piadas e referências que exigem que você tenha um conhecimento de cinema bastante profundo para entender. Acho muito mais libertador", disse ele em um telefonema recente.
Essa liberdade dá à escrita no Letterboxd certa qualidade de Velho Oeste. O que chega ao topo da página de críticas mais populares do site varia bastante: há memes obscuros, ensaios e discursos recheados de jargões pseudoacadêmicos. Você pode encontrar discursos políticos escritos com grande zelo: "Como a ação mais destrutiva do mundo, como fonte de mais guerra, morte e exploração do que qualquer coisa que este mundo tenha conhecido desde que a escravidão nasceu, o imperialismo é o aspecto mais claro, vil e horripilante do capitalismo, e nos opomos a isso." (Essa, obviamente, é uma crítica a "Mulher-Maravilha".) Ou você pode encontrar uma única frase enigmática, como uma das críticas mais populares do filme "Coringa": "Isso aconteceu com meu amigo Eric."
O espírito da ausência de edição e de "está tudo liberado" do Letterboxd pode ser desanimador: D'Angelo confessou que acha "enlouquecedor" quando os escritores "usam apenas letras minúsculas" ou se recusam a "usar gramática ou pontuação normais", o que no site é frequente. Porém a falta de regras ou de estrutura também pode levar a algumas críticas interessantes e não convencionais, e o site oferece uma plataforma para vozes que de outra forma não seriam ouvidas. É possível descobrir não apenas novos filmes para ver, mas novos críticos a seguir.
Sydney Wegner, mãe solteira na zona rural do Texas, começou a usar o Letterboxd no fim de 2012. Sob o nome de usuário @campbart, ela escreveu críticas vívidas e de forma livre (quase exclusivamente em minúsculas) de filmes de ficção científica, terror e ação, incluindo um artigo sincero sobre "Minions" que pode ser visto como uma ode poética à sua filha. "Escrevi assim porque é isso que gosto de ler. Acho a crítica muito chata, a menos que haja um aspecto pessoal nela."
Wegner contou que nunca teve a intenção de escrever profissionalmente, mas, quando sua conta começou a ganhar seguidores, ela logo se viu atendendo a pedidos de trabalho remunerado como crítica. Apareceu como convidada em podcasts de cinema, fez apresentações para exibições de filmes e recebeu encomendas de editores de vários sites de crítica, como o Film Freak Central.
Lucy May se juntou ao Letterboxd em 2015, e hoje é uma de suas usuárias mais populares, com quase 60 mil seguidores. A jovem de 26 anos vive com sua família no Illinois e trabalha em um cinema. Em seu tempo livre, assiste a filmes e escreve sobre eles longamente na plataforma.
Embora May tenha dito que é "antes de tudo uma fã de cinema", e não uma profissional, ela agora se vê como crítica. "Eu me considero uma crítica da era do Letterboxd." Ela acha interessante essa "onda moderna de críticas" da plataforma, "porque muitas das regras antigas estão sendo jogadas fora".
"Agora há menos vergonha quando notas mais baixas são dadas a filmes antigos mais aclamados, e há mais amor para dar a coisas como comédias românticas. Acho essa honestidade do Letterboxd fascinante. Não fiz uma escola para escrever ou coisa do tipo, mas me considero uma crítica nesse sentido."
A explosão de crescimento do Letterboxd é, na verdade, uma tendência jovem. No aplicativo, que a empresa diz ser o meio de acesso de 75 por cento dos usuários, a maior demografia é de 18 a 24 anos. "Houve um enorme crescimento entre os membros mais jovens", informou Gracewood. E, para ela, uma vez atraídos para a plataforma, esses jovens logo percebem seu gosto começando a evoluir. "Eles vêm depois de ver 'A Princesa e a Plebeia: Nova Aventura' e descobrem 'Os Guarda-Chuvas do Amor'", exemplificou.
Essa mudança para uma base de usuários mais jovem significa que o Letterboxd está finalmente começando a se expandir fora do nicho hard-core de cinéfilos – e os mais de um milhão de novos usuários em 2020 incluem muitas pessoas "que não são estritamente cinéfilas", explicou Buchanan. O crescimento levou a plataforma a um novo nível de sucesso, e ele vê um potencial ainda maior. "Há dezenas de milhões de usuários da Netflix, por exemplo. Sabemos que não vamos apelar para todos os usuários da Netflix, mas também sabemos que o apetite por conteúdo cinematográfico está crescendo."
O aumento do crescimento sugere que, embora a indústria cinematográfica tenha sido devastada por bloqueios e pelo flagelo da pandemia, a cultura cinematográfica ainda prospera. Podemos não ser capazes de ir ao cinema, mas, como mostra o sucesso do Letterboxd, ainda queremos falar disso.