Hamilton, Ohio, EUA: a indústria de esportes juvenis gera US$ 19 bilhões em receita nacional. (Andrew Spear/The New York Times)
Matheus Doliveira
Publicado em 16 de novembro de 2020 às 16h49.
Última atualização em 16 de novembro de 2020 às 17h04.
Hamilton, Ohio – Há muito tempo, Hamilton é uma cidade em busca de identidade.
Em seus áureos tempos, suas indústrias produziam papel, e havia uma fabricante de cofres que poderiam resistir a uma explosão nuclear. Mas, à medida que a demanda por papel e cofres à prova de bombas diminuía, essas indústrias derrubaram Hamilton com elas. O que restou da cidade de 70 mil habitantes à beira do Rio Great Miami recebeu a pá de cal da Grande Recessão há uma década.
Ao longo dos anos, os líderes tentaram reinventar a cidade, às vezes de maneiras que trouxeram mais ridículo do que ajuda.
Hamilton ganhou notoriedade na década de 1980, quando a cidade adicionou oficialmente um ponto de exclamação depois de seu nome (uma adição prontamente rejeitada pelo cartógrafo Rand McNally). Em seguida, ela se autodenominou Cidade da Escultura, e ainda possui uma coleção altamente conceituada dessas obras e um premiado parque de esculturas. Mesmo assim, a alcunha artística não conseguiu apagar sua imagem de Cinturão da Ferrugem.
Os fantasmas da manufatura continuaram a assombrar a cidade na forma de fábricas abandonadas e chaminés que se parecem com dedos congelados apontando para o céu. Agora, uma dessas fábricas fechadas está pronta para uma mudança, e os moradores duvidam que até a pandemia possa descarrilar a transformação de Hamilton, desta vez em uma cidade dos esportes.
O administrador da cidade, Joshua A. Smith, chegou em 2010, proveniente de Howard, no Wisconsin, um subúrbio de Green Bay, outra cidade no Cinturão da Ferrugem que passa por dificuldades. "A comunidade não tinha energia alguma. Chegava a parecer que a cidade tinha desistido de si mesma", disse Smith, agora com 47 anos.
Talvez nenhuma instalação ilustrasse mais seus infortúnios que a fábrica vazia da Champion Paper, que havia sido fechada em 2012. Alguns potenciais compradores começaram a aparecer com ofertas (uma empresa de fora da cidade queria comprá-la para armazenamento a frio), mas Smith botou fé, e a cidade comprou o complexo Champion, com seus 16 hectares de terra ribeirinha, por US$ 400 mil.
O local de 120 mil metros quadrados está prestes a se tornar o que vem sendo anunciado como o maior complexo esportivo indoor da América do Norte: o Spooky Nook Sports Champion Mill.
A Spooky Nook é uma empresa de esportes indoor com sede em Manheim, na Pensilvânia, onde seu complexo de 65 mil metros quadrados atrai mais de um milhão de visitantes por ano, trazendo cerca de US$ 50 milhões para a economia local, de acordo com a empresa de análise de viagens Tourism Economics.
Hamilton, por meio de incentivos fiscais e melhoria de infraestrutura, forneceu US$ 20 milhões em financiamento para o complexo Champion Mill de US$ 170 milhões, na esperança de que tenha o mesmo poder de atração quando for inaugurado no fim de 2021. Para isso, o empreendimento irá além do esporte, e vai incluir uma academia, restaurantes, residências e lojas. A cidade estima que criará 380 empregos permanentes.
A mudança para o esporte é um ajuste natural, de acordo com o prefeito Pat Moeller, que acrescentou que imaginava legiões de turistas visitando restaurantes, bares e lojas de Hamilton. "Isso vai nos transformar", afirmou.
Em todo o país, os esportes juvenis se tornaram um grande negócio, e as cidades muitas vezes cobiçam esse tipo de instalação como uma maneira de estimular o desenvolvimento local e atrair gente de fora.
A indústria gera US$ 19 bilhões em receita nacional, acima dos cerca de US$ 9 bilhões de vários anos atrás, informou Norm Gill, sócio-gerente da Pinnacle Indoor Sports, serviço de consultoria que ajudou a construir 50 complexos em todo o país, mas que não está envolvido no projeto Spooky Nook. "O turismo esportivo está bombando", disse Gill, que estimou que cada visitante poderia gastar de US$ 110 a US$ 180 por dia em comida, hospedagem e ingressos.
Mais de US$ 550 milhões foram gastos no desenvolvimento de complexos para sediar esportes juvenis nos últimos três anos, de acordo com o "Sports Business Journal", uma publicação comercial. E há 1.250 instalações de futebol de salão em todo o país, de acordo com a Associação de Esportes Indoor dos EUA, uma organização comercial. Elas podem variar de menos de 2.300 metros quadrados até o tamanho do Champion Mill, mas apenas os maiores atraem grandes torneios.
O SportsPlex em Cabo Girardeau, no Missouri, por exemplo, abriu em maio com um grande desfile. Ao oferecer seis quadras oficiais de basquete, dois campos de futebol de salão, 12 quadras de vôlei e outras comodidades, os organizadores esperam atrair negócios esportivos e torneios de uma região que abrange cinco estados.
"Esses complexos esportivos são um sintoma ou resultado da profissionalização dos esportes juvenis que foi observada nos últimos 40 anos ou mais", afirmou Victor A. Matheson, professor de Economia Esportiva da Faculdade Holy Cross, de Worcester, em Massachusetts. Equipes de elite itinerantes, equipamentos cada vez mais caros e horários de treino mais rigorosos são parte da experiência para os jogadores de hoje.
A pandemia colocou um freio em muitas indústrias, e os esportes juvenis não são exceção, mas Gill acha que, quando o Spooky Nook Sports Champion Mill abrir, a demanda estará lá. A indústria provavelmente está supersaturada e ruma para uma redução, segundo ele, mas o componente de uso misto das instalações de Hamilton poderia garantir sua permanência.
Especialistas do setor concordam que o importante é atrair viajantes que gastarão seus dólares na cidade anfitriã. Sem esse componente, o sucesso pode ser fugaz.
Grandes complexos esportivos juvenis têm tipicamente de 2.800 a 9.200 metros quadrados, e muitos contam com administração privada. Aqueles que são propriedade de municípios, como o SportsPlex do Cabo Girardeau, são muitas vezes construídos como um catalisador para o desenvolvimento.
"Essas instalações são líderes em perdas – as cidades não ganham dinheiro com elas. O verdadeiro objetivo é trazer centenas de milhares de dólares para a economia local", disse Gill.
A Spooky Nook Sports prevê um milhão de visitantes a Hamilton no primeiro ano, um marco que sua instalação em Manheim, perto de Lancaster, na Pensilvânia, só atingiu em seu terceiro ano.
Mas o desafio para Hamilton e outras cidades é a oferta finita de crianças e pais dispostos a passar muitos fins de semana do ano competindo nesses torneios.
"É preciso ter torneios gigantescos para justificar esse tamanho. Uma cidade de 70 mil habitantes não pode gerar negócios para manter 700 mil metros quadrados de espaço atlético indoor ocupado. Você pode bater uma bola em sua garagem de graça", explicou Matheson.
Para isso, Hamilton está tentando atrair uma massa crítica de pessoas que buscam recreação para complementar o Spooky Nook. O Pinball Garage abriu recentemente nas proximidades, com mais de 30 máquinas de jogo, e Smith, o administrador da cidade, estipulou que o Spooky Nook preencheria o espaço de restaurantes e outras comodidades com operadores locais.
O fundador da Spooky Nook, Sam Beiler, não está preocupado com a saturação do mercado. Trinta e cinco fins de semana em 2022 já estão reservados para torneios esportivos juvenis no Champion Mill. "Acreditamos que nosso modelo, que se concentra no tráfego local e em eventos corporativos ao longo da semana, e em torneios esportivos juvenis nos fins de semana, é um excelente modelo", escreveu ele em um e-mail.
As empresas locais também estão apostando no Spooky Nook. Hamilton atravessa o Rio Great Miami, e, até alguns anos atrás, o lado oeste estava cheio de vitrines vazias. Uma vez, porém, que os rumores da chegada do complexo começaram a circular, butiques, lojas de arte e restaurantes decidiram vir.
Mike Hoskins, dono da Petals & Wicks, loja de flores e velas, contou que uma das coisas que haviam atraído sua esposa e ele para seu endereço atual, quatro anos atrás, era a expectativa de aumento de frequência do complexo esportivo. Eles tiveram dificuldades durante os bloqueios da pandemia, mas se recuperaram e estão apostando na mudança da cidade que o Spooky Nook vai causar, afirmou ele.
Paula Hollstegge, coproprietária da Hip Boutique, a menos de dois quilômetros do complexo esportivo, na qual as prateleiras estão cheias de roupas e acessórios coloridos, também pensa assim. "Estamos superanimados com o Spooky Nook. Esperamos que depois de um dia de esportes as mulheres queiram deixar os homens para trás e fazer algumas compras", disse Hollstegge.
A fortuna da cidade pode muito bem depender disso.
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