Don Melchor 2018: blend com predominância de cabernet sauvignon (Don Melchor/Divulgação)
Ivan Padilla
Publicado em 14 de novembro de 2020 às 06h50.
Última atualização em 14 de novembro de 2020 às 12h27.
Para um vinho, levar a pontuação máxima em algum dos consagrados sistemas de classificação, como Robert Parker ou Wine Spectator, é como um jogador de futebol levar nota dez por cada um de seus fundamentos: chute, passe, drible, cabeceio... ou seja, coisa para Pelé.
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Chega agora ao Brasil um vinho chileno de pontuação máxima do índice James Suckling, um antigo crítico da revista americana Wine Spectator, que avalia apenas os melhores rótulos do mundo. Sua pontuação vai de 90 a 100 pontos. Os vinhos são avaliados em degustações a cegas e em público. São levados em conta critérios subjetivos, como o prazer momentâneo da degustação. Seria quase como avaliar a beleza de uma jogada em campo.
O Don Melchor safra 2018 é um Pelé dos vinhos, segundo a classificação James Suckling. O que isso quer dizer? Vamos à definição do próprio. “A vitalidade e a energia neste vinho são deslumbrantes”, diz Suckling. “A complexidade dos aromas é impressionante, com flores, cassis, framboesa e pêssego. Corpo amplo, ainda que muito refinado e polido, com uma beleza e textura impecável. A permanência é maravilhosa. Este é um testemunho do equilíbrio, da harmonia e da transparência em um grande tinto.”
Don Melchor é uma divisão premium dentro do enorme grupo chileno Concha y Toro. Do Vale do Maipo, a região vitivinícola de maior prestígio do Chile, saíram mais de 13 mil caixas de 12 garrafas do Melchor 2018. Os rótulos são exportados para mais de 60 países. O Brasil é um dos principais destinos. Por aqui, cada garrafa chega ao preço sugerido de 945 reais. Todo Pelé tem seu preço.
É um valor alto, sem dúvida. Mas que pode até ser encarado como investimento. Enrique Tirado, enólogo e diretor técnico da Viña Don Melchor, explicou ontem em uma apresentação por Zoom que o apogeu desse vinho deve se dar dentro de dez anos.
“É um vinho que se pode tomar hoje, não é preciso nem decantar, sua textura permite”, afirma Tirado. “Mas pode ser guardado por décadas, vai depender de cada um. Os próximos dez anos vão ser um período muito interessante. O vinho deve evoluir, com expressão intensa, viva, irá se complementando com novos aromas e sabores que começarão a aparecer.”
O Don Melchor é composto por 91% de uvas cabernet sauvignon, 5% de cabernet franc, 3% de merlot e 1% petit verdot. Passou 15 meses em barris de carvalho francês, sendo 67% de primeiro uso e 33% de segundo uso. É a primeira vez que o rótulo recebe a classificação máxima. E como se chegou a um vinho icônico? Destacamos quatro motivos.
O estádio perfeito: os pés dos Andes
Um grande jogo precisa ter um estádio à altura. A arena do Don Melchor são os pés da cordilheira dos Andes. O vinhedo Don Melchor fica a 650 metros acima do nível do mar. É uma das zonas mais frias do Vale do Alto Maipo, marcada por um clima mediterrâneo semiárido, com uma temperatura média anual de 14,4 °C.
A amplitude térmica entre o dia e a noite é alta, o que é ótimo para a produção de vinho. A maturação ocorre de forma lenta e homogênea junto com a conservação de uma acidez precisa.
Uma das qualidades mais importantes do vinhedo é justamente o solo ruim. Pobre em nutrientes e de uma constituição diversa, está composto por argila, limo, areia, cascalho. Assim, garante uma boa drenagem e uma baixa fertilidade, o que ocasiona uma restrição no crescimento vegetativo das plantas. Ocorre então uma concentração natural dos cachos.
A cordilheira ajuda em um ponto importante. Segundo o enólogo Tirado, serve de bloqueio aos efeitos do aquecimento global. “Sempre temos ciclos, de temperaturas mais altas ou mais baixas, mas os Andres servem de barreira natural às mudanças climáticas, garantem frescor ao local.”
Clima ruim – o que é bom
As condições climáticas de 2017 e 2018 ajudaram nesse jogo. O inverno de 2017 foi bastante chuvoso, o que garantiu uma boa reserva de água e permitiu o crescimento das plantas. Na primavera aconteceu uma boa floração, o que foi determinante na maturidade dos vinhedos.
O início do verão foi muito seco e quente. Ótimo, porque favoreceu a restrição e favoreceu a formação de taninos. O fim do verão teve noites frescas, bom opara a maturação. E o outono, com noites frias, permitiu uma colheita manual sem pressa.
Tradição centenária
Um dos elementos do terroir é o fator humano. Regiões tradicionais na produção de vinho têm vantagem. O político e empresário Don Melchor Concha y Toro foi um dos precursores do desenvolvimento do vinho no Chile, em meados do século 19.
Sua esposa , Emiliana Subercaseaux Vicuña, herdou a fazenda familiar de Pirque, no Vale do Maipo. Em 1883, Don Melchor plantou as primeiras videiras francesas na propriedade familiar de Pirque e fundou ali a Viña Concha y Toro. Para seu projeto vitivinícola, foi assessorado por um renomado enólogo de Bordeaux, Monsieur Labouchere, quem se surpreendeu com a qualidade do solo do Vale do Maipo. E o resto é história.
Aquele toque francês
Quase um século depois, em 1986, Rafael Guilisasti Gana, filho do presidente da Viña Concha y Toro naquela época, viajou para a França junto ao então enólogo chefe da empresa para mostrar o cabernet sauvignon proveniente do vinhedo Puente Alto a Emile Peynaud, célebre enólogo de Bordeaux e considerado o pai da enologia moderna.
Logo teve início a parceria. O enólogo Jacques Boissenot, consultor de châteaux franceses de grande prestígio, participou no processo definição do blend final do vinho. O segredo era achar a proporção exata entre as quatro uvas que compõem o Don Melchor. Hoje é seu filho, Eric Boissenot, quem continua seu legado, junto com o enólogo da Don Melchor Enrique Tirado.
“Nossa ideia sempre foi fazer um grande vinho chileno, e com a cara da produção local”, afirma Tirado. “O Don Melchor é um vinho chileno, traduz sua região. Nos anos 1980, viajávamos para a França com algumas garrafas de vinho na mala. A consultoria é de grande ajuda. Mas se você me perguntar, esse é um vinho 100% chileno.”