Pessoas correndo: clínicas de corrida pelo mundo fazem uma avaliação dos pacientes para identificar áreas de fraqueza (Getty Images)
Da Redação
Publicado em 11 de junho de 2014 às 10h09.
São Paulo - Estou deitada com o rosto voltado para baixo na maca de uma clínica de corrida de Nova York (EUA). "Certo, Katie, gostaria que você elevasse sua perna direita, usando os glúteos", pediu a fisioterapeuta Colleen Brough, que ia avaliar minha resistência e postura. Sem problemas, pensei.
Ela coloca a mão na minha coxa direita, a que dói e me dá problemas, enquanto eu a elevo e a abaixo novamente na maca, com pouco esforço e como quem pergunta: é só isso? "Você contraiu os músculos posteriores da coxa e as costas", diz Colleen, calmamente. "Tente de novo, mas dessa vez use os glúteos no movimento, contraindo as nádegas antes e durante a elevação da perna."
Certo, entendido. Bem fácil. Mas não é bem assim. Na verdade, é impossível. Eu fiquei parada, sem ação, e percebi, aos poucos, que contrair o rosto não ajuda a contrair a nádega. Eu sou totalmente incapaz de ativar meus glúteos. "Impressionante", disse Colleen.
O que é ainda mais impressionante é que sou editora da seção Corpo e Mente da RUNNER'S WORLD americana. Passo o dia em contato com os mais renomados médicos e fisioterapeutas esportivos para fornecer dicas sobre prevenção e tratamento de lesões, para fazer do nosso leitor um corredor feliz, com os músculos em equilíbrio e sem lesões.
Mas eu lutava com o estiramento dos músculos posteriores da coxa há seis anos. Eu tentei todas as técnicas recomendadas nesta revista. E todas elas fizeram eu me sentir melhor. Entretanto, minha melhora sempre durava pouco.
Meus instáveis músculos posteriores da coxa limitavam meu ritmo, minha quilometragem e minha diversão. Com o tempo, descobri o que fazia o problema piorar, como subidas, corridas em ritmo mais rápido, corridas em dias consecutivos, e treinava de acordo com esses fatores agravantes. Eu conseguia correr três vezes por semana em percursos fáceis, em ritmo lento.
Eu fazia natação, ciclismo e triatlo de curta distância (sprint) em vez de optar por maratonas das quais eu já não podia participar. E me convenci de que estava tudo bem. Afinal, o simples fato de encaixar um treino em minha rotina corrida e com poucas horas de sono já era uma vitória. Correr sem dor já era pedir muito.
Até que tive a oportunidade de visitar a RunSmart, uma clínica de corrida da New York University (EUA). Eu fui com uma queixa específica: uma dor crônica nos músculos posteriores da coxa com limitação da amplitude de movimentos. E ouvi de médicos esportivos e fisioterapeutas especializados em reabilitação esportiva que a maior parte das lesões de seus pacientes se originava de problemas semelhantes.
"Minha filosofia é que é sempre melhor prevenir do que reagir", afirma Rusty Varlotta, professor de reabilitação e ortopedia e membro da RunSmart. "Se pudermos reconhecer locais de fraqueza e anormalidades, podemos tratar essas regiões, aumentando a probabilidade de evitar lesões e também reduzindo o tempo 'de molho' para recuperação."
Clínicas de corrida semelhantes pelo mundo fazem uma avaliação dos pacientes para identificar áreas de fraqueza, com a meta de prevenir lesões.
Na que eu procurei, a RunSmart, você agenda uma consulta de 2 horas, durante a qual é feita uma análise na esteira, avaliação dos pés e tornozelos, teste de força e flexibilidade e avaliação nutricional. Em cada etapa, recebemos uma avaliação pessoal de pelo menos um profissional especializado em medicina esportiva: fisiologistas do exercício, fisioterapeutas e nutricionistas do esporte.
Raio-x preciso
Embora possa ser dado feedback imediato ao longo da consulta ("Nossa, como seus glúteos são fracos!"), os detalhes completos são dados quando nos sentamos com a equipe enquanto eles revisam as avaliações.
Os especialistas analisam qualquer área de fraqueza, assimetria, instabilidade ou rigidez identificada, bem como qualquer problema nutricional que poderia afetar o desempenho.
Depois, examinam atentamente o vídeo feito na esteira. Nós somos filmados em três ângulos diferentes (frontal, posterior e lateral) e a equipe pode ver o vídeo em tempo real e em câmera lenta, enquanto examina nossa mecânica de corrida.
O que eles estão procurando? Quinze variáveis diferentes, desde rotação do tronco, movimento de braços e inclinação até pisada, extensão do quadril e alinhamento dos joelhos.
Conforme eles examinam, com atenção, a pisada e a postura, eles constantemente indicam testes de força e flexibilidade e avaliação dos pés e tornozelos para encontrar características próprias e pistas. "Toda etapa contribui com uma peça do quebra-cabeça", afirma o fisioterapeuta James Koo, que avaliou meus pés e tornozelos.
"Só quando juntamos todas as peças é que temos um panorama do que realmente está ocorrendo com o corredor. Se você procurar a clínica com dor no joelho, não vamos avaliar somente o joelho. Vamos avaliar tudo que fica acima e abaixo do joelho para ver as influências dessas partes sobre ele e vice-versa".
Todos os dados do exame e a discussão dos especialistas são incluídos em nosso relatório, que nos é encaminhado por e-mail após algumas semanas e que podemos levar ao nosso fisioterapeuta para iniciar um programa de recuperação, se necessário. Com 31 páginas, meu documento é épico. E fascinante (pelo menos para mim).
Embora ele contenha muitas anotações e evidências fotográficas das minhas muitas falhas (aterrissar no calcanhar à esquerda e no mediopé à direita; rotação excessiva do tronco; abaixamento excessivo da pelve — o típico "correr sentado"; movimentação de braços ineficiente; inclinação ineficiente), os especialistas concluíram que eu posso melhorar 100%. Segundo eles, minha dor nos músculos posteriores da coxa é resultado de fraqueza na pelve e nos glúteos, o que eu posso resolver com fisioterapia.
Esse feedback renovou minha motivação para corrigir os erros do passado e me recuperar de uma vez por todas. Os erros que eu cometi e as lições que aprendi ao longo do caminho para a recuperação podem ajudar você a superar suas dores ou, ainda melhor, a evitar lesões e prolongar a vida nas pistas.
[ERRO]
Treinar e competir com músculos muito fracos
É de surpreender que eu tenha conseguido participar de meias maratonas sem ajuda nenhuma dos meus glúteos. Meus músculos glúteo médio e glúteo máximo estão adormecidos, mesmo durante a corrida, e fazem os músculos posteriores da coxa, do quadril, das costas e do abdome suportarem a carga.
Um problema comum entre corredores. Todos os 11 fisioterapeutas e fisiologistas do exercício que eu entrevistei para esta reportagem citaram glúteos inativos como a principal fraqueza que eles identificam em corredores (e bem perto, em segundo lugar, músculos abdominais inferiores fracos).
Por que isso acontece? Uma teoria é a de que ficamos muito tempo sentados. "Os músculos do core, que incluem os glúteos, foram feitos para se movimentarem. Caso contrário, temos uma atrofia por falta de uso: o músculo é 'desligado'. E fica difícil fazê-lo funcionar de novo", afirma o fisioterapeuta Craig Souders.
O músculo também pode se desligar para se proteger. Quando sentimos dor, a conexão neuromuscular do corpo se interrompe. Essa é a resposta do corpo à dor, para "poupar" essa região. E é preciso que ele seja retreinado para voltar a funcionar.
O glúteo máximo, que é o músculo grande e volumoso das nádegas, absorve parte do impacto dos pés com o chão e gera força para impulsionar a passada.
O glúteo médio, o menor músculo na lateral da nádega, impede o quadril de abaixar durante a corrida. Esse é um trabalho importante porque o movimento excessivo da pelve diminui a força e aumenta a instabilidade de pernas, joelhos, tornozelos e pés.
"Se o glúteo máximo e o glúteo médio não estiverem funcionando, o corpo recruta o próximo grupo muscular disponível", explica Souders. "Os músculos posteriores da coxa podem ser recrutados, mas não foram feitos para desempenhar essa função. Na corrida, esses músculos acabam acompanhando o seu ritmo e você passa a sentir dor."
Procure ajuda
A dor crônica, que não passa, é um sinal de lesão (ou de que ela está por vir) que merece atenção. Admitir que precisamos de ajuda é a primeira etapa. A segunda etapa é procurar a ajuda certa.
Ou seja: um médico do esporte, ortopedista ou fisioterapeuta com experiência com corredores e que tenha bom conhecimento sobre biomecânica e as fraquezas e compensações musculares mais frequentes.
Caso contrário, o profissional poderá tratar os sintomas do seu problema (o meu era a dor nos músculos posteriores da coxa) sem descobrir a causa subjacente da sua lesão (no meu caso, glúteos inativos). Por isso, compensa visitar uma clínica de corrida, que aborda a prevenção e o diagnóstico de lesões.
[ERRO]
Agir como um especialista
Eu me orgulho de ser uma atleta dinâmica. Corro, nado e faço spinning algumas vezes por semana. Eu achava que todo esse cross-training tinha fortalecido e equilibrado meu corpo.
E estava empolgada com a chamada "avaliação funcional do movimento" na clínica, que media força e flexibilidade e identificava desequilíbrios musculares. Eu pensei que seria minha chance de brilhar. Uma pessoa é considerada vulnerável à lesão se obtiver menos de 14 dos 21 pontos possíveis na avaliação. Meu escore: 12.
"Podemos nos fortalecer fazendo algo incorretamente, com um padrão de movimento disfuncional", afirma Alison Peters, fisiologista do exercício que cuidou de minha avaliação. "O corpo foi feito desse jeito para permitir que a gente realize o movimento, mesmo que ele não esteja sendo feito corretamente. O problema é que a gente acaba se machucando por fazer o movimento da forma errada."
Invista no básico
Para lidar com pontos de fraqueza específicos e corrigir alguns padrões, temos que voltar um ou dois passos e focar na área exata que precisa ser melhorada.
Se os glúteos não estiverem sendo acionados, por exemplo, podemos fazer agachamento o dia todo e apenas continuar a trabalhar (ou, mais provável, forçar) qualquer grupo muscular que entre em ação por causa do "traseiro dormente". Mas é preciso isolar o ponto problemático verdadeiro.
Para isso, pode ser necessário investir em exercícios mais básicos, como rotação e abdução do quadril. "Se passamos para movimentos complexos sem ter a força ou amplitude de movimentos necessária, acabaremos nos machucando. É preciso trabalhar o básico e focar em qualidade em vez de quantidade", afirma James Koo.
"A prática não faz a perfeição; a prática perfeita faz a perfeição", diz o fisioterapeuta. "Se fizermos cada repetição da forma mais perfeita possível, observaremos que o músculo queima, que o exercício é desafiador e vamos sentir que valeu a pena fazê-lo." Isso é verdade, segundo Colleen. "Podemos conseguir fazer 100 exercícios de rotação e abdução do quadril e achar que isso é fácil", diz ela. "Mas podemos fazê-lo mantendo a contração os músculos abdominais inferiores ao mesmo tempo que acionamos os glúteos? Quando recrutamos as áreas corretas, de repente, um exercício 'fácil' passa a não ser tão fácil assim e se torna desafiador para o corredor."
[ERRO]
Não dar a devida atenção à recuperação
Durante todas as minhas tentativas de dar um jeito nos meus posteriores da coxa, eu continuava treinando para provas. Minha prioridade era correr, não me recuperar.
E, com dois filhos pequenos, eu dormia pouco e a qualidade do sono era ruim. "Estudos indicam que menos de 7 horas e meia de sono pode predispor a lesões", afirma Laura Dunne, médica do esporte na Pensilvânia (EUA).
Ainda assim, independentemente de ter dormido pouco, eu acordava antes de amanhecer. A ideia de transferir a corrida para um horário em que eu estivesse mais descansada me deixava de mau humor.
Eu também cometi o erro de procurar a cura com massoterapeutas, quiropráticos e outros profissionais sem assumir responsabilidade pessoal pela minha recuperação.
Eu pensava que poderia simplesmente me deitar em uma maca e um profissional me livraria da lesão. Mas era hora de dar um jeito na minha disposição mental preguiçosa, virar a chave. Para melhorar, é preciso dedicar o máximo de atenção e energia para a recuperação, como faria em um treino de corrida, e encará-la como uma missão séria.
Eu estou aprendendo, por exemplo, que é melhor fazer uma corrida de 5 km do que uma de 8 km e passar esses 20 minutos extras fazendo outro exercício.
Valorize a recuperação
Para se recuperar de uma lesão, é preciso dedicação e trabalho árduo. "Eu digo a meus pacientes para canalizar a energia e a frustração por não poderem correr ou não poderem correr tanto quanto gostariam na recuperação", afirma Souders. "Fique bravo e use essa força para firmar um compromisso e realmente fazer aquilo a que se propôs. Quando você voltar a correr, vai perceber que está havendo um progresso real."
Além disso, é importante ter um compromisso mental com a recuperação. "É muito fácil entrar no automático. Você brinca com as crianças, assiste TV enquanto treina... Quando menos perceber, não estará sentindo o exercício", diz Souders. Para treinar os músculos certos e prepará-los para as exigências da corrida, é preciso pensar em recuperação como em um treino de resistência e trabalhar os músculos até eles ficarem realmente cansados, e não só até você se cansar de fazer o exercício.
E ainda valorizar o tempo que você passa na cama. "O organismo se regenera quando dormimos, então, se pularmos essa etapa, poderemos ser afetados negativamente", afirma Souders, que tem dois filhos e correu a Maratona de Boston. Pense em um equilíbrio, quer seja ir se deitar 1 hora mais cedo quando você tiver programado uma corrida de manhã, quer seja reduzir o treino e se concentrar, digamos, em treinar para os 10 km em vez de uma meia maratona, quando você sabe que seu tempo e sono são limitados.
[ERRO]
Buscar uma solução rápida
Seis semanas após eu ter iniciado a fisioterapia, voltei à RunSmart para uma avaliação de acompanhamento. Naquela época, eu havia passado com o terapeuta apenas três vezes, mas dava conta da lição de casa religiosamente: eu fiz muitas, mas muitas repetições de rotação e abdução do quadril, elevação de perna e ponte todos os dias, às vezes duas vezes ao dia.
Ainda assim, nem a equipe nem eu esperávamos uma transformação dramática após tão pouco tempo. Meus esforços foram recompensados e me motivaram a seguir em frente. Minha pontuação na avaliação do movimento saltou de 12 para 17. Os resultados da minha análise na esteira também foram surpreendentes.
Meu abaixamento de pelve (o "correr sentado"), que foi significativo no exame inicial, ficou dentro da faixa sadia. E o mais impressionante: os músculos posteriores da coxa não doíam. Nada. E meu tratamento não tinha envolvido alongamento ou massagem dos posteriores, apenas muito trabalho dos glúteos.
Percebi que eu havia feito um bom progresso. Mas sabia que ainda havia muito trabalho a fazer. Nem todos os exercícios de rotação e abdução do quadril do mundo vão produzir um efeito duradouro na corrida até que eu faça os novos recrutamentos musculares que venho praticando na recuperação, e os coloque em prática quando corro.
"Constatamos que os corredores terminavam a recuperação e se fortaleciam, então nós os mandávamos de volta para o asfalto", afirma Colleen. "Mas eles voltavam a correr e continuavam sentindo dor. Agora nós sabemos que só quando incorporamos as dicas de treino na rotina de corrida, que ensinam os músculos a serem recrutados durante essa atividade, é que vemos a diferença."
Para isso, a RunSmart me prescreveu dois exercícios de corrida que eu iria incorporar à minha rotina quando meu fisioterapeuta me liberasse. Um engloba o recrutamento dos glúteos: enquanto eu corro, vou focar em contrair minhas nádegas a cada propulsão dos pés; o segundo foca na aterrissagem no mediopé, com inclinação para a frente, que vai me ajudar a correr de forma mais eficiente. Vou fazer esses exercícios regularmente, mesmo quando eu já estiver "curada".
Assuma um compromisso
Quando corremos com falha biomecânica há anos, não podemos esperar uma solução da noite para o dia. E mesmo quando somos declarados curados, temos que ter plena consciência de nossos hábitos viciosos para evitar outra lesão.
"Haverá padrões que você tenderá a repetir", afirma Colleen. "Então, se você é propenso a ter abaixamento pélvico excessivo, isso tenderá a ocorrer no último quilômetro ou em uma subida difícil. É nesses momentos que temos de nos lembrar dessas dicas de corrida, contrair o abdome inferior e tomar impulso a partir dos glúteos para ajudar a evitar esse problema."
Craig concorda. "Vamos supor que você corra 64 km por semana. Que tal fazer 58 km por semana e, no tempo que sobrar, realizar exercícios e repetições que trabalhem seus pontos fracos? O trabalho não acaba quando voltamos a correr. Esse é o momento em que precisamos nos concentrar em impedir que o problema se repita."