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Como "bons-vivants" tailandeses acabaram com o turismo dessa ilha

A piora da pandemia no país é em parte consequência dos ricos que resolveram se divertir em Phuket e Bancoc sem se preocuparem com o distanciamento social

Phuket, na Tailândia: a ilha fechou hotéis, restaurantes e bares definitivamente.  (Adam Dean/The New York Times)

Phuket, na Tailândia: a ilha fechou hotéis, restaurantes e bares definitivamente. (Adam Dean/The New York Times)

MD

Matheus Doliveira

Publicado em 1 de junho de 2021 às 07h58.

Última atualização em 1 de junho de 2021 às 15h46.

Virando a esquina, depois da clínica de clareamento dentário e do estúdio de tatuagens com ofertas em russo, hebraico e chinês, perto da casa de arroz frito que sacia a fome de turistas torrados de sol e dançarinas cansadas, a placa do Hooters perdeu o H. Escrito naquela fonte laranja inconfundível de desenho animado, agora só anuncia "ooters".

Como muita coisa em Patong Beach, epicentro mais sórdido da Tailândia dos bons-vivants, o restaurante está "temporariamente fechado". Em outros estabelecimentos de uma das praias de Phuket a desativação é ainda mais drástica, as correntes e os cadeados enferrujados ou esvaziados, sem nem mesmo acessórios externos, sobrando apenas a carcaça de um setor turístico devastado pela pandemia.

O sol, que geralmente atrai 15 milhões de pessoas por ano, continua implacável, apesar do baixo movimento. Seus raios desbotam as placas de "Aluga-se" das mansões afastadas, amarelando os gramados e os campos de golfe abandonados, ressaltando o vazio das ruas de Patong onde os motoristas de tuk-tuk costumavam circular aos montes, fazendo as vezes de guias de excursões de mergulho, shows eróticos ou massagens tailandesas.

Na verdade, não faz muito tempo a impressão era de que Phuket ia engatar uma reabertura. Depois de um ano praticamente sem turistas estrangeiros no país, o governo federal decidiu que a ilha poderia começar a receber visitantes vacinados em julho, sem a necessidade de passar por quarentena. O projeto ganhou até nome: Phuket Sandbox.

Mas a Tailândia agora se vê às voltas com o pior surto de Covid desde o início da pandemia, em parte consequência dos tailandeses mais ricos que resolveram se divertir em Phuket e Bancoc sem se preocuparem com o distanciamento social. O número diário de novos casos, embora baixo para os padrões globais, pulou de 26 em 1º de abril para mais de dois mil três semanas depois em um país que no início de dezembro passado tinha um total de quatro mil casos.

Durante vários meses, as quarentenas severas, os lockdowns, a vigilância fronteiriça e o uso rigoroso de máscara mantiveram o vírus afastado, embora a economia tenha sofrido, mas, mesmo com as altas contínuas das últimas semanas, a reação do governo está lenta. No início de abril, quando a situação começou a mudar, o primeiro-ministro Prayuth Chan-ocha reagiu com despreocupação. "O que tiver de acontecer vai acontecer", disse.

Desesperada para ressuscitar o turismo, Phuket, que chegou a fechar seu aeroporto durante o pico do surto do ano passado, continuou a receber visitantes nos últimos meses, mesmo com os casos batendo recordes. Só na quinta é que as autoridades começaram a exigir exames de quem chegava à ilha. "Se você me perguntar se estou otimista, não sei dizer. A situação muda a toda hora", resmunga Nanthasiri Ronnasiri, diretor da secretaria de Turismo local.

Em 18 de abril, o ministro federal da pasta reconheceu a reabertura de Phuket como pouco provável, já que o plano dependia de a Covid estar controlada na Tailândia.

Para se preparar para o Phuket Sandbox, o governo federal direcionou boa parte de seu estoque limitado de vacinas para a ilha, na esperança de obter a imunidade de rebanho até meados do ano. Até 15 de abril, mais de 20 por cento dos moradores já tinham sido imunizados; em âmbito nacional, essa porcentagem chegava a um por cento da população.

"Estou superaliviado. Todo mundo aqui em Phuket precisa de um pouco de esperança", vibra Suttirak Chaisawat, que trabalha em um supermercado e recebeu a Sinovac este mês em um resort adaptado para a campanha de inoculação.

Embora a dose tenha deixado Suttirak otimista, o quadro atual continua sombrio. Normalmente, nesta época do ano, as areias douradas de Patong Beach deveriam estar lotadas de turistas estrangeiros. Mas agora a praia está praticamente deserta, com exceção da fila de moradores esperando para fazer exame de Covid em uma unidade médica móvel. Um pouco mais além, na estrada, um lagarto-monitor, criatura que está mais para crocodilo que para salamandra, zanza livre pelo asfalto, sem trânsito que lhe impeça a travessia.

A natureza está voltando a tomar conta dos condomínios em construção – a briga sempre é boa nos trópicos, mas é causa perdida quando o dinheiro da incorporadora acaba. Os outdoors anunciando "a casa de veraneio dos seus sonhos" já estão manchados pelo orvalho e a lama das monções.

O Ano Novo Tailandês deste ano deveria ser um ensaio para o renascimento de Phuket. Em vez de mochileiros estrangeiros ou participantes de conferências corporativas, os hotéis tentaram atrair os turistas tailandeses endinheirados que, não fosse pela pandemia, certamente estariam no exterior, esquiando em Hokkaido, no Japão, ou fazendo compras em Paris. Mas, em vez de preparar a ilha para seu retorno como paraíso do turismo mundial, a ocasião pode ter arruinado suas chances de retomada em julho.

Milhares de pessoas aproveitaram os festivais realizados em Patong e outras praias, onde os biquínis eram muitos e as máscaras, poucas. Para muitos membros da alta sociedade local, a Covid é vista como uma doença que pode até infectar o verdureiro ou o pescador de camarões, mas não os bem-nascidos. Só que estes começaram a adoecer e o vírus, a se espalhar das casas noturnas luxuosas de Bancoc até Phuket.

A reincidência da infecção, depois de tantos meses de dificuldades econômicas, é desastrosa para a maioria dos moradores da ilha, que depende dos turistas estrangeiros para se sustentar.

Enquanto um elefante mastigava talos de cana ali perto, Jaturaphit Jandarot se balançava lentamente na rede. Não havia muito mais a fazer. Antes da pandemia, ele e outros cuidadores do paquiderme da periferia de Patong costumavam levar mais de cem visitantes por dia, geralmente chineses, para passeios de meia hora; agora não há ninguém. "Fiquei superanimado quando ouvi dizer que iam abrir Phuket para os estrangeiros. O povo daqui não quer saber de andar de elefante", explica ele.

Independentemente da situação das viagens internacionais, os animais têm de comer. Por mês, os 12 consomem pelo menos o equivalente a US$ 2 mil em cana-de-açúcar, abacaxi e banana. Apesar de ter apenas três anos, pouco mais que um bebê em anos elefânticos, o filhote come tanto quanto um adulto.

Depois do declínio das indústrias de estanho e borracha da ilha, o turismo se expandiu, passando de alguns poucos bangalôs em Patong Beach nos anos 70 para um fenômeno global, atraindo golfistas, baladeiros, navegadores e escandinavos fugindo do frio.

A maior parte das acomodações mais exclusivas fica perto da cidadezinha praiana de Bang Tao, comunidade de maioria muçulmana tranquila onde as placas anunciando wine bars refinados se mesclam ao alfabeto árabe que indica as escolas islâmicas.

A maior mesquita de Phuket fica em Bang Tao, e este ano o primeiro dia do Ramadã coincidiu com o início das festas do Ano Novo tailandês, sinal auspicioso depois de um ano de dificuldades econômicas. Na véspera do início do jejum, os fiéis seguiram para o templo; as mulheres picavam camarões, flores de bananeira e maços de ervas aromáticas para o banquete que seria realizado – mas no último minuto as autoridades de Phuket cancelaram as orações em massa por medo da contaminação. O iftar, refeição matinal de quebra do jejum, está sendo realizado em casa, e não na mesquita.

Quando as autoridades rastrearam os casos de Covid na ilha e chegaram às festas praianas exclusivas, os moradores de Bang Tao se mostraram frustrados. "É claro que queremos receber as pessoas de fora, mas, quando elas não se protegem e ainda trazem a doença consigo, é inevitável ficar revoltado", desabafa Huda Panan, professora primária que mora atrás da mesquita.

Seu marido é taxista, mas não trabalha há mais de um ano. A maioria da comunidade islâmica depende do turismo, seus membros atuando como concierges, camareiros, jardineiros e guias de esportes aquáticos; agora tem gente até vendendo peixe seco e revirando as encostas em busca de frutos para engrossar o curry – tudo o que for possível para ajudar a sobreviver.

De vez em quando os templos budistas, as igrejas e as mesquitas distribuem refeições aos mais famintos; as filas são longas e a comida acaba logo. "Podemos até esperar um pouco mais para a situação melhorar aqui em Phuket, mas que não seja muito", diz Huda no calor do meio do dia, com horas de jejum pela frente.

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