VINHOS: seis marcas indicam os dez melhores rótulos para a ocasião. (David Epperson/Getty Images)
Tânia Nogueira
Publicado em 19 de dezembro de 2018 às 05h00.
Última atualização em 19 de dezembro de 2018 às 05h00.
Desesperado com a própria ignorância, o consumidor de vinho é louco por regras e verdades imutáveis. Adora dizer que um tipo de vinho é ótimo e outro é muito ruim. Não quer pensar muito. Mas, sinto informar, não funciona assim. O setor de produção de vinhos é bastante dinâmico. As coisas mudam até nas regiões mais tradicionais — às vezes radicalmente. O público, no entanto, custa a assimilar essas mudanças.
O crescimento constante no nível de qualidade dos rótulos da região italiana de Chianti é mostra disso. Enquanto boa parte dos consumidores de vinhos finos ainda tem preconceito contra essa denominação toscana, especialistas cada vez mais celebram suas qualidades.
Pessoas do milênio passado devem lembrar de quando tomar um Chianti era razoavelmente chique. Aqui no Brasil, então, o Chianti era um dos poucos vinhos estrangeiros conhecidos. Mas não só por aqui: na maior parte do mundo, o Chianti era tido como um bom vinho.
Animados com o sucesso, no entanto, muitos produtores descuidaram da qualidade para apostar na quantidade, especialmente os grandes. Nos anos 1970 e 1980, o mercado foi invadido por rótulos de Chianti ruins e super valorizados. Espalharam-se garrafas de palhinha penduradas pelo teto das cantinas mundo afora.
Então, o consumidor da virada do milênio, que começava a se meter a entendedor de vinho, passou a torcer o nariz para todo e qualquer Chianti, especialmente em países do novo mundo, como Estados Unidos ou Brasil.
O que havia mudado, o vinho ou o consumidor? Ambos. Se por um lado o vinho caíra de qualidade, por outro o consumidor havia trocado suas preferências. Seu paladar havia sido influenciado pelo estilo Robert Parker: vinhos potentes, cheios de tanino, com passagens longas por barris de carvalho e aromas de baunilha, coco e chocolate, como o mais famoso crítico americano gosta. O oposto do que é um Chianti: um vinho fresco, frutado, de corpo médio e, nos melhores exemplos, bastante elegante.
Enquanto isso, lá em Chianti, ao mesmo tempo em que os grandes produtores apostavam em quantidade, surgiam pequenos e médios apostando em qualidade. Esses produtores começaram, por exemplo, a reduzir o rendimento das parreiras, o que garante uma uva com maior concentração de aromas, açúcar e acidez.
“Nos últimos dez anos, isso se intensificou e surgiu muita coisa de qualidade. Minha geração estudou fora, é muito consciente e quer fazer coisa boa”, diz a produtora de vinhos Faye Lottero, da vinícola Fattoria Lavacchio.
Segundo Giovanni Busi, presidente do Consorzio Vino Chianti, houve uma mudança de mentalidade. “Os produtores entenderam que investir em qualidade dá mais lucro”, disse durante um evento do consórcio em São Paulo . “O preço médio do Chianti subiu. Antes, os pequenos produtores não exportavam, mas hoje, mais importadoras trazem Chianti de qualidade para o Brasil.”
É preciso não confundir Chianti com Chianti Classico. São duas denominações muito próximas, mas diferentes, nas redondezas de Firenze, Siena e Arezzo. Embora a uva principal de ambas seja a sangiovese, geograficamente elas são distintas.
A região produtora de Chianti fica em volta da região de Chianti Classico. Esse último produz vinhos que podem custar tanto ou mais que um brunello di Montalcino e são bastante reconhecidos por sua qualidade entre os consumidores de alto padrão.
A vizinha Chianti produz vinhos mais baratos, mas não necessariamente piores. Os Chianti são vinhos leves, frescos, fáceis de tomar, mas dentro da denominação há uma grande variação de qualidade e de características.
Além do Chianti, existe o Chianti Superior e o Riserva, que são produzidos segundo critérios mais rígidos de qualidade. E, dentro da região de Chianti, há sete sub-regiões demarcadas, nas quais o Chianti pode receber um sobrenome: Chianti Colli Senesi, Chianti Montalbano, Chianti Colline Pisano, Chianti Montespertolli, Chianti Colli Aretini, Chianti Rùfina (pronuncia-se Rúfina) e Chianti Colli Fiorentini.
Ter um sobrenome é bom sinal. Costuma indicar que o vinho é feito com uvas mais selecionadas, pois não podem vir de qualquer lugar da grande Chianti, só daquela microrregião. Cada uma delas tem um clima, um solo e uma altitude diferentes, o que confere personalidades distintas aos vinhos.
Como os produtores de Chianti vagabundo não sumiram do mapa, na hora de comprar, o ideal é escolher uma importadora, um empório ou um e-commerce de confiança. A seguir, cinco rótulos que provei e aprovei:
Pessoalmente, gosto muito do Chianti de Colli Sinesi. Têm mineralidade e uma fruta vermelha deliciosa. Produzido pela Fattoria La Torre, é um corte de sangiovese (90%) e cabernet sauvignon (10%). Além do morango fresco, tem fruta escura “sotto spirito” e tabaco. A acidez garante que seja ótima companhia para um prato de comida. Custa R$ 69,90 no Sonoma.
Na Toscana, é muito comum os produtores terem ou se associarem a propriedades em várias regiões: Chianti, Chianti Clássico, Brunello di Montalcino, Bolgherie etc. Esse Chianti é produzido pela Rocca delle Macìe, vinícola de Sergio Zingarelli, presidente do Consorzio Chianti Classico.
É seu vinho mais simples, mas é delicioso. De um tom granada bem translúcido, tem toda a leveza encantadora do Chianti. É um corte sangiovese (90%), merlot (5%) e canaiolo (5%) e tem aromas de morango, cereja e ameixa, com uma ponta floral de rosa e um toque terroso. Na Decanter, custa R$ 105,20.
Saber que um vinho foi feito por um produtor e um enólogo respeitado faz toda diferença. O enólogo-consultor deste Chianti simples é o famoso Alberto Antonini. Tudo que ele põe a mão fica uma delícia. Corte de sangiovese (85%), canaiolo (10%) e colorino toscano (5%), é mais encorpado que boa parte dos Chianti — o que não significa que é encorpadão.
Os taninos estão bem presentes e a acidez é ótima. No aroma, além das frutas, tem especiarias e alcaçuz. Custa R$ 116 na World Wine.
Entre todas as sub-regiões de Chianti, Chianti Rùfina é a mais alta. Talvez por isso, produza alguns dos vinhos mais elegantes e com maior potencial de guarda da denominação. Não tem nada a ver com o Ruffino, que é uma marca. Esse é um 100% sangiovese. Passa 24 meses na madeira e 18 meses na garrafa antes de chegar ao mercado, muito mais do que o consórcio exige para um riserva.
O vinho que provei era de 2009, já tinha quase 10 anos. Estava em tom de rubi, já um pouco acastanhado e translúcido. Os aromas já estavam evoluídos. Além da fruta, percebi uma flor seca, que lembrou o arranjo de hortênsias que tive em casa em Campos do Jordão. Também lembrou algo animal, que parecia um caldo de carne, vinho, ervas, especiarias ou um brodo italiano.
A safra que está no mercado é a 2014. Custa R$ 165,00 na Itália Mais.
Sem adição de sulfito — conservante adicionado em quase todos os vinhos do mundo, inclusive nos orgânicos — esse vinho natural é impressionantemente livre dos tais aromas funkies que alguns adoram e outros odeiam.
Produzido pela vinícola Fattoria Lavacchio, que fica em Chianti Rùfina, só com uvas da propriedade, não leva o sobrenome porque tem menos tempo de envelhecimento do que é exigido para isso. É 100% sangiovese.
Bastante concentrado para um Chianti, tem cor púrpura e densa e aromas de frutas escuras, como mirtilo. Na boca, é denso, com uma certa rugosidade. Custa R$ 194,00 na Casa do Porto.