Champanhe: para além dos ícones, a região vinícola de Champagne tem uma diversidade de rótulos que merece ser explorada (Poike/Thinkstock)
Tânia Nogueira
Publicado em 27 de dezembro de 2018 às 13h28.
Última atualização em 27 de dezembro de 2018 às 18h24.
São Paulo — Nunca tomei um champanhe ruim. Acho que não existe. Estou falando do vinho feito na região de Champagne, próxima a Paris. Não de qualquer produto com borbulhas.
O terroir de Champagne, com seu clima frio e seu solo repleto de giz, é perfeito para vinhos espumantes. O preço da terra por lá e a competição entre diversas marcas garantem o empenho por parte dos produtores, grandes ou pequenos.
Isso não significa, no entanto, que todos os champanhes sejam iguais, como por muitos anos pareceu acreditar o consumidor brasileiro. Quando tinha dinheiro para gastar num champanhe, esse consumidor quase sempre escolhia Veuve Clicquot ou Moët & Chandon, dando quase monopólio do mercado ao grupo LVMH (Moët Hennessy Louis Vuitton).
Segundo um estudo da Ideal Consultoria, empresa especializada em análise e estatísticas de importação, o grupo, que tem também outras marcas mais luxuosas e menores, detinha mais de 70% do mercado de champanhes do Brasil em 2014. De lá para cá, o mercado encolheu, e a participação das duas marcas líderes caiu para abaixo dos 50%.
Outras marcas grandes, como Tattinger (Interfood) e Perrier-Jouët (Pernod Ricard) cresceram, mas surgiram também novos players, como as marcas mais baratas vendidas pelos e-commerces. No mercado de super luxo, Dom Pérignon, vintage especial do grupo LVMH, manteve a liderança.
O que se percebe é que o consumidor, que pouco entende de vinho, e menos ainda de champanhe, procura por preço ou status. Se for para gastar, quer um ícone para compartilhar no Instagram.
É uma pena, porque Champagne tem uma diversidade de rótulos que merece ser explorada.
A região, que se divide entre Montagne de Reims, Vallée de la Marne, Côte des Blancs, Côte des Bar, Côte de Sézanne e Vitry-le-François; produz principalmente espumantes das uvas chardonnay, pinot noir e pinot meunier.
Todo vinho é produto de uma fermentação alcoólica. Os espumantes passam por duas fermentações. Fermentar significa que leveduras transformam o açúcar do mosto da uva em álcool e gás carbônico. No processo de fermentação da maioria dos vinhos, o gás costuma ser liberado para o meio ambiente. Na segunda fermentação dos vinhos espumantes, o açúcar a fermentar não vem da uva, é acrescentado, e, o gás, retido. No método tradicional, criado em Champagne, essa segunda fermentação é feita dentro da garrafa.
Em Champagne, o líquido engarrafado que passará pela segunda fermentação costuma ser uma assemblage (mistura) de diversos vinhos de base. Esses vinhos passaram por uma primeira fermentação, mas não são bons para o consumo. São muito ácidos. A arte do chef de cave, o responsável pela assemblage, é provar esses vinhos pouco palatáveis e combiná-los de forma a garantir que, depois da segunda fermentação, o resultado seja agradável. “A assemblage é sempre muito importante num champanhe”, diz Arthur Piccolomini Azevedo, vice-presidente da Associação Brasileira de Sommeliers em São Paulo (ABS -SP).
Nas grandes casas, como a Veuve Clicquot Ponsardin ou a Moët & Chandon, essa assemblage é feita com vinhos provenientes de vinhedos de diversas regiões de Champagne, boa parte deles com uvas compradas de pequenos produtores. O champanhe que leva o nome da marca tem de ser igual todos os anos. Para isso, os chefs de cave dispõem de centenas de vinhos base de várias safras.
É uma arte incrível. E admiro. Mas me cansa tomar sempre o mesmo vinho. Quero diversidade.
As grandes casas têm champanhes especiais, com personalidade própria, mas que mudam a cada ano, como o Dom Pérignon, da Moët, e La Grande Dame, da Veuve Clicquot, as chamadas cuvée prestige. Custam caríssimo, acima de mil reais. Mas valem cada tostão. São champanhes safrados (vintages), feitos a partir de vinhedos muito especiais, classificados como premier cru ou grand cru.
No entanto, é possível encontrar tanto vintages quanto rótulos provenientes de vinhedos premier cru ou grand cru por um preço um pouco mais acessível.
Interessante também é explorar as criações de pequenos vinhateiros, os chamados champagnes de vigneron, que estão mexendo bastante com a produção de vinho na região. “É uma verdadeira revolução que está acontecendo por lá”, diz Sylvain Pataille, produtor de vinho da Borgonha. “Os filhos estão querendo fazer tudo diferente dos pais. A maior parte dos pais nem vinificava. Vendia a uva para as grandes casas e ia caçar. Não queria problema. A nova geração quer inventar, fazer o melhor que pode.”
A seguir uma lista de champanhes especiais de diferentes estilos que você encontra no mercado brasileiro:
Nicolas Feuillatte é uma cooperativa de mais 4.500 produtores de uva da região, reunidos para elaborar diferentes rótulos de champanhe. É a número um em vendas de champanhe na França e uma das primeiras nos EUA. O rótulo sugerido é um vintage. E todo vintage é muito especial. Eles só são feitos quando a safra garante qualidades excepcionais para a uva. A garrafa já está com 10 anos. Por isso, tem aromas evoluídos de mel e frutas secas. É 100% chardonnay. No nariz, lembra um bolo de natal. Na boca, ainda tem bastante gás. O preço é incrível: R$ 219 na Evino, que tem também a safra 2006 à venda.
Na cápsula, você lê “Les Champagnes de Vignerons”, o que significa que a propriedade é associada ao grupo de pequenos produtores que plantam a própria uva e fazem o próprio vinho. Ele é orgânico, o que não é fácil no clima úmido de Champagne. Vem de Côte Bars, a região mais ao sul de Champagne, onde predomina a pinot noir. Uma área que concentra muitos vinhateiros independentes. Como todo vinhateiro independente, Vincent Droully gosta de inovar. Este rosé é um 100% pinot noir e não é resultado da mistura de vinho tinto com vinho branco, como costuma acontecer com os rosés em Champagne. O vinho base é rosé, feito a partir do contato não prolongado com as cascas, como na Provence. Daí um vinho muito elegante, de cor palha, com aromas de frutas vermelhas e ótima acidez em boca. O preço também está muito bom, R$ 259, no Sonoma. Na caixa de seis, sai por R$ 199.
A Deutz é considerada uma das grandes casas de Champagne em volume de produção. Mas tem algumas características de vinho de pequeno produtor. As uvas são próprias e todas são colhidas à mão. A casa ainda pertence à família do fundador, o alemão William Deutz, que chegou a Epernay em 1838. O Brut Classic é sua linha de entrada, um corte super tradicional de pinot noir, pinot meunier e chardonnay em partes iguais. É elegante, com aromas minerais, de frutas brancas, frutas secas. Tem uma espuma impressionante. Custa R$ 408 na Casa Flora.
Este faz parte de um pequeno lote de 17 rótulos diferentes, de cinco vinhateiros independentes que produzem cuvées muito especiais, trazidos para o Brasil para este fim de ano pela importadora Anima Vinum. A L’Originale, do Pierre Gerbais, é diferente de tudo que você já provou. Para começar, ele não leva nem chardonnay, nem pinot noir e nem pinot meunier. É inteiramente produzido com pinot blanc, uma das outras uvas permitidas em Champagne, mas pouco usadas. É elegante, delicado, com aromas de frutas brancas e panificação. Custa R$ 795 na Anima Vinum. Mas não está no site, é preciso ir à loja em Moema, Sâo Paulo.
Provei esse champanhe incrível numa degustação sobre o tema que houve em dezembro na ABS-SP. A primeira coisa que me chamou a atenção foi o aroma de tostado bastante pronunciado. Já com 16 anos, este vintage está amarelo ouro e tem aroma de frutas secas. Um corte de pinot noir (60%) e chardonnay (40%), é muito cremoso na boca. Pol Roger é uma das casas de maior prestígio de Champagne. Este cuvée, além de ser um vintage, é feito a partir de uvas provenientes de vinhedos grand cru, onde o solo é praticamente só giz. Isso confere uma mineralidade ímpar ao vinho. Custa R$ 805,72 na Mistral. Não está mais disponível no site, mas há algumas garrafas espalhadas pelo Brasil. A melhor aposta são as lojas da marca na Bela Vista ou no Shopping JK Iguatemi, em São Paulo.
Se você decidiu partir para os champanhes especiais ou rótulos diferentões de pequenos produtores, é porque valoriza o vinho como uma experiência. Então, sej que sai caro, mas, se puder, procure usar uma taça que maximize essa experiência.
Na minha casa, eu tenho flutes, mas isso está longe de ser o ideal. Para degustar alguns dos champanhes acima, peguei emprestadas da Riedel dois tipos de taça sugeridos por eles: a taça champagne e a taça pinot noir, ambas da recém-lançada linha Performance. Provei cada vinho em cada uma delas e também na flute, para comparar.
Em todos os casos, a flute desempenhou pior. Os aromas parecem que não estão tão presentes, tanto no nariz quanto na boca. “A flute foi criada para evidenciar a perlagem”, diz Bruna Griglio Chuquer, gerente de marca da Riedel no Brasil. “Mas ela concentra demais o gás. O champanhe entra na boca dando um soco de gás carbônico. Você não sente mais nada. A taça champanhe é mais aberta no centro e fechada em cima. Então, concentra os aromas. A pinot noir é ideal para conseguir perceber os aromas de frutas vermelhas dos rosés.”
Pessoalmente, gostei bastante também da taça pinot noir com o champanhe velho, que é cheio de aromas. A linha Performance tem sulcos internos que aceleram a aeração do vinho e, consequentemente, deixam os aromas mais intensos. A Riedel é representada no Brasil pela Mistral. A taça champagne e a pinot noir custam R$ 302 por um par de taças iguais..