Desfile da coleção Gucci Aria. (Gucci/Divulgação)
Colunista
Publicado em 22 de abril de 2021 às 09h40.
Última atualização em 27 de setembro de 2024 às 09h33.
Gucci fez 100 anos, comemorados na última quinta-feira (15). E, como toda data de aniversário, é normal olhar para o passado e para o futuro. É nesse mix de tempos que a pausa acontece para entender o que fazer num presente tão incerto. Porque se tem uma coisa que a pandemia trouxe para todos é que nem no minuto mais próximo temos controle. E é com esse desejo de novo mundo, mas sem descartar o que se foi, que o diretor criativo da casa italiana, Alessandro Michelle, trabalhou a narrativa do desfile da coleção Gucci Aria, montada na forma de um filme faseado em três momentos, muito bem captados pelo olhar da diretora Floria Sigismondi. Foi pela mediação de quase cem looks que a marca conseguiu mostrar toda a essência criativa de Michelle, que, como já se sabe diante dos resultados de seus seis anos de estada na grife italiana, veio para fazer história no universo da Gucci e da moda.
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Entretanto, não se pode deixar de mencionar a ousadia que pontuou, com muita excitação dos fashionistas, este momento da Gucci: a presença de uma outra marca de luxo. Balenciaga também estava presente nos takes desse filme emblemático e icônico. A marca, que acabara de se tornar secular, convidou para a festa alguém para apagar as velinhas. Do ponto de vista buzz e furor midiático momentâneo, nenhum problema. A reflexão que se levanta é o quão estratégico é misturar signos e instigar novos significados quando se trata de marcas fortes e concorrentes? Grifes que têm expressões marcantes com forte potência de significados são responsáveis pela conexão com seu consumidor. É na produção de sentido que uma marca reconhece o seu valor em uma sociedade que, embora organizada pelo consumo, vê em símbolos a representação e a aceitação com o tempo em que está inserida.
A conexão emocional do consumo se justifica na relação estabelecida ali, além da transação mercadológica, no que o valor simbólico agrega para um indivíduo. Indivíduo esse que busca pertencer, diferenciar-se e construir sua identidade com elementos de apoio da marca ou produto que consome. Não há como fugir ou negar: buscam-se os códigos do vestir, não a sua funcionalidade, apenas. E é justamente nessa perspectiva antropológica e psicanalítica que se questiona quão frágil pode ser a união de duas marcas que não conseguem justificar, além do hype pelo hype, o quanto tal união faz sentido para a sua singularidade? Quanta compreensão desse mix and match chega para os consumidores com o significado que toda marca histórica e de luxo deve ter? Vale dizer que a perspectiva do questionamento está muito mais para a gestão estratégica das marcas, e não pelo show perfeito em si.
Segundo Michelle, em declaração para a imprensa, a união está longe de ser uma collab, foi uma homenagem que o italiano fez a Demna Gvsália, diretor criativo da Balenciaga. Ele foi o responsável por dramatizar, de forma arquitetônica e urbana, os shapes da grife que, antes de sua chegada, era reconhecida pelos códigos de sofisticação clássicos.
De acordo com matéria publicada pelo The New York Times, assinada pela crítica de moda Vanessa Friedman, a união de duas grifes potentes pode fazer nascer uma terceira marca e promover a queda de alguma, caso se insista nesta união. Bem como Al Ries, autor consagrado por estudar posicionamento de marca, ressalta em sua cartilha: o significado de uma marca é o que está na mente do consumidor, e não nas mãos, somente, de quem cria os produtos.
Num mundo pandêmico, embrulhado com tantas incertezas e de velozes adoções de discursos e movimentos de futuro, reforçar a tradição que uma marca tem gera não apenas valor, mas também um certo feeling de escape contido na segurança que um passado pode proporcionar. Em tempos em que se almeja mudança, nada melhor que movimentos que trazem o frescor de atitudes inovadoras e que remetem a novos tempos. Adotar movimentos que fazem sentido para o contemporâneo é mais do que necessário, mas não a qualquer custo. Melhor dizendo: a qualquer estética. Pois quando se reformulam os signos, mudam-se significados, é inevitável. Toda imagem é um texto. E para uma marca, quando se pensa em brand equity (valor de marca), o texto não pode ser confuso. Aguardemos, se houver, a segunda temporada da série Balen-Gucci, Gucciaga ou Balucci. Ou, quem sabe, o que ficou de compreensão do episódio único da série.