Rafaela Silva: "Não foi a derrota que me afetou. Foi o racismo" (Kai Pfaffenbach/Reuters)
Da Redação
Publicado em 11 de agosto de 2016 às 11h59.
Cansados de insultos e ataques racistas, muitas vezes por parte de compatriotas, atletas brasileiros que participam dos Jogos do Rio resolveram contra-atacar.
"Esta medalha é para todos os que disseram que eu tinha que estar numa jaula", declarou na segunda-feira, com lágrimas nos olhos e a medalha de ouro no pescoço, a judoca Rafaela Silva, de 24 anos, instantes depois de consagrar-se vitoriosa na categoria dos 57kg.
"Sirvo de exemplo para crianças da comunidade, que só por serem negras já são mal vistas. Você passa na rua e a mulher já tira a bolsa perto de você achando que você vai mexer", desabafou a atleta, desclassificada em Londres-2012 por um golpe ilegal e então vítima de uma onda de ataques racistas nas redes sociais.
Cerca de 52% dos 204 milhões de brasileiros são negros ou mulatos, e sofrem com os ecos da escravidão até os dias de hoje. A maioria é de pobres e carece de educação de qualidade. Os jovens negros também são as principais vítimas de mortes violentas no país.
A torcida brasileira pode ser muito dura com seus atletas. Muitos jogadores sofrem insultos racistas no gramado ou na internet, inclusive por parte dos torcedores de seu próprio clube caso seu desempenho não seja satisfatório.
Nos estádios olímpicos de Rio-2016, nas arquibancadas há basicamente brancos. Os negros são o pessoal de limpeza, agentes de segurança e os próprios atletas.
Luta fora do tatame
Depois de sua desclassificação em Londres, Rafaela passou por um período de depressão.
"Não foi a derrota que me afetou. Foi o racismo", explicou.
Mas, para chegar até o ouro, Rafaela se lançou a uma nova disputa: combater o racismo com a arma de sua nova popularidade.
"O macaco saiu da jaula em Londres e foi campeão no Rio de Janeiro", disparou em uma conferência sobre racismo.
Ela lamentou que quando saem notícias na imprensa sobre negros, geralmente é "sobre um negro assaltando alguém".
"Agora não é um negro que está assaltando, e sim dando alegria ao povo brasileiro. Quero mostrar que temos coisas boas e não apenas ruins", insistiu.
O governo preparou uma cartilha bilíngue intitulada "Olimpíadas sem racismo" para distribuir nos complexos olímpicos do Rio.
"Precisamos lutar (...) Quero o povo negro no comando deste país. Quero ver negro deputado, senador, governador, médico, engenheiro, juiz, ministro de Estado", afirmou na mesma conferência Luislinda Valois, a primeira juíza negra do país e hoje secretária de Políticas de Promoção da Igualdade Racial do governo interino de Michel Temer.
A cartilha explica que o racismo é um crime, dá pistas para identificá-lo e indica o que fazer no caso de ser vítima de racismo ou injúria racial.
Nordeste
A nadadora Joanna Maranhão também foi atacada duramente na terça-feira, nas redes sociais, depois de perder nos 200 metros borboleta e ser eliminada dos Jogos.
"Não é possível que alguém te deseje que você seja estuprada ou morta. Não precisam gostar de mim, mas é preciso ter respeito", afirmou, chorando depois da derrota.
Joanna não é negra, mas foi atacada por sua origem - Recife, nordeste do país - e por ser de esquerda.
"O Brasil é um país machista, um país racista, um país homofóbico, um país xenófobo. Não estou generalizando, mas há pessoas assim, infelizmente", declarou, assegurando que seu apoio ao partido PSOL, de extrema-esquerda, não mudará.
Ela anunciou no Twitter que seu advogado apresentará queixas contra as pessoas que a agrediram e que, com o dinheiro que ganhar de indenização, ajudará uma ONG de luta contra a pedofilia, a Infância Livre.