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As três mulheres que mudaram o rumo das Olimpíadas e a nova geração japonesa

Alguns jovens trabalhadores dizem que estão vendo sinais de rachaduras na rígida cultura de antiguidade do Japão, mesmo em empresas mais tradicionais

Kaisei Sugawara, engenheiro de uma das maiores empresas de segurança do Japão, no distrito de Shinjuku em Tóquio.  Sugawara espera ser enviado ao exterior em seu quarto ano, muito antes do que nas gerações anteriores. (Noriko Hayashi/The New York Times)

Kaisei Sugawara, engenheiro de uma das maiores empresas de segurança do Japão, no distrito de Shinjuku em Tóquio. Sugawara espera ser enviado ao exterior em seu quarto ano, muito antes do que nas gerações anteriores. (Noriko Hayashi/The New York Times)

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Julia Storch

Publicado em 11 de março de 2021 às 12h59.

Última atualização em 11 de março de 2021 às 16h20.

Por um momento, parecia que as pessoas mais poderosas do Japão eram três mulheres de 20 e poucos anos. Em um país onde os jovens são ensinados a ficar em silêncio e a obedecer aos mais velhos, o trio de jovens decidiu se manifestar depois que o presidente do comitê organizador dos Jogos Olímpicos de Tóquio fez comentários machistas em fevereiro, quando sugeriu que as mulheres falam demais nas reuniões.

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Uma petição on-line iniciada por elas se transformou em uma campanha feroz nas redes sociais que ajudou a destituir o chefe da Olimpíada, Yoshiro Mori, de 83 anos, e o impediu de escolher outro octogenário para sucedê-lo. Em vez disso, a substituta é uma mulher quase 25 anos mais nova que ele: Seiko Hashimoto, ex-atleta olímpica e atual legisladora.

Para alguns, o momento foi um sinal auspicioso de que a rígida hierarquia baseada na idade poderia ser quebrada no Japão. Nesse caso, os velhos foram forçados a aceitar sugestões dos jovens, que se sentem sufocados por uma sociedade na qual os melhores empregos são frequentemente concedidos com base em anos servidos, e não no mérito, e os líderes políticos e empresariais mais poderosos estão na faixa dos 70, 80 ou até 90 anos.

"Entre os jovens, acho que isso nos encoraja porque sentimos que queremos mudar uma situação como essa na sociedade. Portanto, isso se tornou nosso incentivo para continuar com essas ações", disse Momoko Nojo, de 22 anos, estudante de economia na Universidade Keio, em Tóquio, e uma das três autoras da petição que alcançou mais de 150 mil assinaturas.

Até há pouco tempo, era de esperar que Mori mantivesse seu emprego apenas com base em sua experiência. Agora, porém, não havia como evitar o sentimento público. Enquanto tentava se apegar ao posto com um pedido de desculpas, ele reconheceu o que as pessoas estavam pensando com o uso do termo japonês "rougai", que descreve uma pessoa mais velha considerada um obstáculo ou um fardo.

No entanto, mesmo que essas mudanças geracionais ganhem atenção, é provável que uma transformação mais ampla venha lentamente. Mesmo que as atitudes estejam evoluindo e as pessoas mais jovens encontrem uma voz – à qual não estavam acostumadas – por meio das mídias sociais, tem havido apenas pequenas mudanças no local de trabalho, enquanto a cúpula do governo e a das corporações do Japão permanecem invariavelmente sob o domínio de homens idosos.

"Há uma mudança geracional ocorrendo na sociedade civil. Mas, nos corredores do poder na política, nos negócios e nas organizações em geral, o punho de ferro do grupo dos idosos ainda está bem presente", afirmou Koichi Nakano, cientista político da Universidade Sophia, em Tóquio.

Outros esforços para aproveitar plataformas on-line com o objetivo de forçar mudanças sociais não produziram amplos resultados no Japão. Yumi Ishikawa, modelo, atriz e trabalhadora japonesa, liderou uma campanha viral nas redes sociais há dois anos pedindo o fim das exigências dos empregadores de que as trabalhadoras usassem salto alto. O Ministério do Trabalho reconheceu que precisava "aumentar a conscientização" sobre o assunto, e alguns empregadores relaxaram certos códigos de vestimenta, mas muitas mulheres ainda se sentem obrigadas a usar salto – e saia – no escritório.

Até certo ponto, a demografia dita a hegemonia dos idosos no Japão. Mais de um quarto da população tem 65 anos ou mais, a maior proporção do mundo. Os japoneses tendem a viver mais e com melhor saúde do que muitas populações em outros lugares, e a mídia está cheia de exemplos de pessoas vibrantes que permanecem ativas na sétima ou na oitava década. Mas, às vezes, valores ultrapassados da geração mais velha prevalecem. E enquanto a idade em muitos casos traz consigo uma experiência valiosa, no Japão ela é muitas vezes a credencial que supera todas as outras.

"A experiência e a idade ainda são mais importantes que a habilidade. O Japão é o campeão mundial de imposição de hierarquia, e hierarquia não é habilidade, mas predominantemente apenas idade", disse Jesper Koll, conselheiro sênior da empresa de investimentos WisdomTree, que vive no Japão há mais de três décadas.

Momoko Nojo, estudante de economia e co-autora de uma petição que ajudou a expulsar o líder octogenário das Olimpíadas de Tóquio por causa de comentários sexistas. (Noriko Hayashi)

O sistema de senioridade persiste em parte porque proporciona uma sensação de segurança. Os trabalhadores conhecem o caminho a seguir, e os valores lhes são incutidos bem antes de entrarem na força de trabalho, com hierarquias impostas até mesmo entre as crianças.

"Quando eu estava na escola, ouvi dizer que, se você escuta seus senpai mais velhos hoje, as pessoas vão ter de ouvi-lo quando você se tornar um senpai", contou Ryutaro Yoshioka, de 27 anos, usando a palavra para mentores mais velhos, e acrescentando que, da mesma forma, no local de trabalho, os funcionários que permanecerem na empresa acabarão sendo promovidos.

Agora que ele trabalha em uma grande empresa de marketing em Tóquio, vê as limitações desse sistema: "Mesmo que não tenham muitas habilidades, há pessoas que estão na empresa há dez, 20 ou 30 anos que alcançaram cargos muito altos. E, quando estão no poder e dizem algo, os outros na sala tendem a ficar quietos e a achar que não podem dizer alguma coisa."

Essa cultura dificulta a economia japonesa, segundo alguns analistas, recompensando a obediência e eliminando incentivos para assumir riscos. "Somos um país com uma população que vai diminuindo, uma economia estagnada na melhor das hipóteses e com pouca inovação. O Japão produzia Walkmen, e agora compramos aspiradores do Reino Unido. É quase cômica a forma como o país parou de inovar", comentou Nakano, da Universidade Sophia.

Embora os empregadores tenham se afastado do sistema tradicional de emprego vitalício que se desenvolveu depois da Segunda Guerra Mundial, a maioria das grandes empresas ainda contrata novos recrutas mediante um sistema conhecido como shukatsu, no qual os trabalhadores vêm direto da faculdade e espera-se que fiquem até a aposentadoria.

Muitos jovens, embora lamentem o fato de que não possam assumir papéis de liderança até ficarem mais velhos, resignam-se ao modelo. Outros veem pouco incentivo para fazer qualquer coisa que possa perturbar a estabilidade do sistema atual em um país com pouco crescimento econômico, mas com riqueza duradoura e vida confortável no geral.

"Sentimos alguma frustração, mas esse é o destino das novas gerações", disse Kayo Shigehisa, de 22 anos, que se formará na Universidade de Estudos Estrangeiros de Kyoto este ano e planeja começar a lecionar em uma creche.

Alguns jovens trabalhadores dizem estar vendo sinais de mudança, mesmo em empresas mais tradicionais. Kaisei Sugawara, de 25 anos, começou a trabalhar como engenheiro em uma das maiores empresas de segurança do Japão no ano passado, recrutado em um programa para recém-formados na universidade com experiência internacional. Ele terá um cargo no exterior no seu quarto ano na empresa, muito mais cedo do que nas gerações anteriores.

Essas mudanças podem ser impostas ao Japão, mesmo que o país não as queira. Dada a diminuição de sua população – que registrou seu nível mais baixo de nascimentos em 2020 –, o país já começou a relaxar sua notória insularidade, incluindo, antes da pandemia, convites a mais trabalhadores estrangeiros. No entanto, a nação pode ter dificuldades para atrair pessoas mais talentosas caso não recompense o mérito ou não dê aos jovens funcionários chances de experimentar novas ideias.

Ryutaro Yoshioka, que trabalha em uma grande empresa de marketing, em Tóquio. Muitos jovens japoneses estão se rebelando contra o sistema de antiguidade profundamente arraigado do país. (Noriko Hayashi)

Se a mudança geracional continuar, poderá vir silenciosamente, à medida que os jovens vão refazendo o mundo que seus anciãos lhes legaram simplesmente optando por escolhas diferentes.

"Esse tipo de mudança é um assunto muito delicado e composto por decisões privadas", afirmou Gordon Mathews, professor de antropologia da Universidade Chinesa de Hong Kong e coeditor de "Japan's Changing Generations: Are Young People Creating a New Society?" (As gerações em mudança do Japão: os jovens estão criando uma nova sociedade?).

Ele citou as mulheres que optam por sair do casamento em número recorde, ou os jovens que evitam o recrutamento corporativo tradicional e seguem carreira de freelancer. "Não é como houvesse um planejamento. São os jovens optando por não viver como seus pais. O conjunto de decisões pessoais é o que faz a mudança geracional."

De certa forma, a pandemia capacitou os jovens, de acordo com Wakako Fukuda, ativista que estuda sociologia na Universidade Wako, em Tóquio. "Na sociedade japonesa, nunca fomos ensinados a nos manifestar ou opinar sobre qualquer coisa", observou.

Mas as pessoas estão passando mais tempo em casa e nas mídias sociais, nas quais os jovens podem expressar opiniões de um modo que não seria possível antes. "O espaço que merecemos já está aí. E é dominado por jovens", disse Fukuda.

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