Casual

As marcas autorais de moda se preparam para o consumo do futuro

Materiais sustentáveis, e-commerce forte, peças atemporais... estilistas contam o que muda com a crise do coronavírus

Coleção da Handred (Handred/Divulgação)

Coleção da Handred (Handred/Divulgação)

Ivan Padilla

Ivan Padilla

Publicado em 7 de maio de 2020 às 11h16.

Última atualização em 7 de maio de 2020 às 11h16.

As grandes varejistas têm dois grandes desafios com a crise causada pela pandemia do coronavírus. O primeiro, imediato, é potencializar ao máximo a comunicação e os canais de de venda online para desovar as coleções já produzidas. O segundo, a médio prazo, é entender quem será o consumidor que sairá deste momento e adaptar a produção para os novos gostos e hábitos.

As marcas pequenas de moda, mais autorais, enfrentam os mesmos obstáculos, mas em muitos casos com duas pequenas vantagens. A primeira: mudanças são mais fáceis quando se trata de cadeias mais enxutas. A segunda: agências de tendências apontam que os consumidores vão priorizar comércios locais e com práticas mais sustentáveis, algo em geral já mais disseminado entre os pequenos produtores.

Falamos com estilistas de quatro marcas autorais para entender como estão passando por esse período. A Handred é uma marca de vestuário atemporal e sem gênero, que usa tecidos naturais. A Egrey faz um casual para homens e mulheres bastante sofisticado. A Louie é uma manufatura de sapatos feitos à mão e com preços justos. A Oriba adota uma linha de básicos de qualidade, com produção consciente e sustentável. Os criadores contam aqui que mudanças pretendem adotar nos diferentes níveis de processos, da criação à distribuição, para se adequar ao mundo pós-coronavírus.

 

Eduardo Toldi, Egrey

Eduado Toldi, da Egrey (Gil Inoue / Egrey)

“Quando penso numa roupa ou numa coleção, tento imaginar se estaria usando em 10 anos. Acredito que nosso guarda-roupa passa por uma evolução constante, e não uma ruptura. Se tenho desejo de usar uma calça mais ampla, preciso entender se tenho uma camiseta que converse com essa peça.

Minha moda reflete meu entorno, as pessoas com quem ando, fotógrafos, publicitários, jornalistas, gente que trabalha com criação, minhas viagens, os filmes que assisto, álbuns de família...que a tendência deste momento pode ser uma flexibilização maior dos códigos, que chegue aos homens do mercado financeiro, à Faria Lima. Não preciso estar de terno para ficar bem vestido. Nossa camada de roupa é um instrumento de personalização muito poderoso.

Portanto, não me preocupa o lado de criação da minha marca, acho que já vínhamos refletindo a tendência de uma moda mais casual, mais solta. Tenho vontade de usar mais tecidos sustentáveis, matérias primas mais biodegradáveis, com novas tecnologias, que se adaptam com facilidade à funcionalidade do corpo. Já uso uma poliamiada biodegradável em algumas peças, um tecido muito prático, que quase não amassa. Isso tende a ganhar força no mercado. A lã fria também é outro material que gasta menos água no consumo, você consegue usar uma roupa com esse tecido muitas vezes antes de lavar.

As pessoas devem viajar menos a partir de agora. Isso, com a questão cambial, pode dar força à indústria nacional. Me preocupa, sim, como vai ficar o poder aquisitivo das pessoas depois dessa crise. Mas é cedo para saber ainda o que ficará desse período.”

Coleção da Egrey (Egrey)

 

André Namitala, Handred

André Namitala, da Handred (Handred)

"A crise diminuiu em 80% nossa cadeia produtiva, uma vez que temos produção própria e interna no nosso ateliê, que fica no Rio, a segunda cidade com maior disseminação do vírus no País.

Fechamos nossa produção, escritório e lojas no dia 16 de março. Cortamos o máximo de peças que dava para as costureiras levarem para produzir na casa delas. E do meio de abril para cá, alugamos um carro para que cada dia uma pessoa trabalhe na produção, para que ela circule o mínimo possível, e supra nossas necessidades até que aconteça a reabertura.  O formato tem sido assim: um dia vai a cortadora, corta uma produção, é buscada e levada em casa para não ter contato com mais pessoas no transporte público. No outro dia o motorista pega uma costureira, ela entrega a produção que estava em casa e pega as peças cortadas do dia anterior. Outro dia vai o acabamento, e por ai em diante; todos mascarados, com álcool em gel, tentando se proteger ao máximo.

E no escritório, que fica em outro andar, concentramos a expedição e logística do e-commerce. Um dia vai uma pessoa dar baixa nos pedidos e fazer as notas fiscais e no outro vai a expedição. Viramos um grande e-commerce com todos os estoques da marca concentrado nele. A equipe de venda das lojas fazem os atendimentos por whatsapp e ganham comissão através da loja online também. Nossa distribuição passou a ser uma só. Estamos com uma super sale online para atrair o máximo de vendas possível. Nesse momento de pandemia, é a nossa única possibilidade de entrada de capital na empresa.

À distância, estamos finalizando uma coleção-cápsula para o momento de reabertura, uma vez que "cancelamos" a coleção principal, que desfilaríamos no SPFW, agora final de Abril. Tenho recebido vídeos dos bordados sendo feitos, peças na máquina costurando para eu ver se é aquilo mesmo que quero ou se mudo alguma coisa, fico com as pilotos montando as combinações e apostando no mix dos produtos e fazendo muita, muita conta... Tudo regado a muitas ligações, conferências e fotos. Minha sorte foi me mudar há pouco tempo para ao lado do atelier, demoro 5 minutos a pé. Além da produção e estilo, cuido do financeiro e administrativo também, ter todas as papeladas e documentos perto, tem sido substancial para a agilidade nos processos de pedido de empréstimo para esse período emergencial. "

“Acredito que vamos viver uma mudança significativa na experiência do consumidor de loja, principalmente nesse período que antecede a chegada da vacina.

Atendimentos mais curtos, menos uso de provadores, horários de funcionamento reduzidos e uma constante preocupação com higienização dos ambientes e produtos.. Não consigo imaginar as pessoas comprando como antes e despreocupadas com esse perigo invisível. Infelizmente aquela sensação gostosa de provar roupas, de arriscar uma nova imagem pessoal ou de simplesmente conversar com uma equipe de vendas conhecida, vai ser muito afetada.

Estamos nos preparando para tomar uma série de medidas e estratégias quando as lojas re-abrirem. Vamos ampliar as vendas por delivery, além de integrar cada vez mais o e-commerce com as lojas físicas.. Estamos pensando em atendimentos personalizados com horários alternativos aos do funcionamento normal...

A longo prazo, mesmo após a vacina, a loja online vai ganhar a mesma importância do que o de uma loja física para nós. A distribuição através desse canal aumentará muito além de ganhar novas modalidades de envio para que se torne mais dinâmica e com um tempo de entrega mais ágil.

No atelier e escritório vamos manter costureiras produzindo em casa e criar um rodízio de funcionários para que se alternam.

O processo inicial de criação de coleção com os primeiros croquis e pesquisa, podem ser feitos em qualquer lugar. Mas o momento da peça piloto com as costureiras do lado, ainda não consigo enxergar uma forma substituta. A roupa envolve muito toque, análise minuciosa de acabamento, provas, alterações..

O consumidor vai se voltar mais para qualidade, procedência de produção enaltecimento da local. E acredito que haverá mais procura por peças mais atemporais e confortáveis."

Coleção da Handred (handred)

 

Rodrigo Ootani, da Oriba

Rodrigo Ootani, da Oriba (Oriba)

“Desde o início nosso objetivo sempre foi mostrar para as pessoas que o jeito que elas consomem pode ser melhor, mais consciente, sem que precisassem abrir mão da qualidade ou que precisassem pagar mais caro por isso e que podem fazer isso minimizando o impacto no meio ambiente. Sempre acreditamos que a relação entre as pessoas, os produtos e o planeta precisa acontecer de forma harmoniosa, não pode ser um jogo de soma zero.

Agora mais do que nunca esse objetivo e o nosso propósito se tornam extremamente necessários. Não precisamos assumir compromissos públicos de sustentabilidade como as grandes marcas estão fazendo, porque isso já faz parte de nosso dia a dia, de como criamos e produzimos nossos produtos. O que estávamos fazendo e vamos acelerar ainda mais é o investimento na produção cada vez mais sustentável, sócio ambientalmente falando, de nossos produtos. Queremos chegar ao ponto de zerar nosso impacto ambiental, unindo matéria prima sustentável de verdade, que também seja de altíssima qualidade e durabilidade, ao design básico e funcional, que as pessoas poderão usar por muito mais tempo, reduzindo a necessidade de continuamente comprar mais e mais.

Como não pensamos em nossos produtos como algo sazonal ou atrelado à moda, nossos leadtimes de desenvolvimento e produção são mais curtos do que das marcas tradicionais de moda, por isso acabamos sofrendo menos em relação a stockouts ou sobrestoque por redução repentina nas vendas. Nossos produtos são realmente atemporais, o que faz com que nossos estoques não sejam perecíveis como das marcas que seguem calendários tracionais de moda.

Também por sermos uma marca “direct to consumer”, que não depende de intermediários para vender, além de conseguirmos oferecer produtos de qualidade tão boa ou melhor do que de outras marcas, mas com um preço muito melhor, nós também temos um controle muito mais preciso sobre a distribuição, demanda e produção,  com leadtimes muito menores e mais fáceis de serem ajustado.

O que mais estamos revendo em relação à cadeia de produção agora é a necessidade de importar alguns tipos de produtos por não encontrarmos no Brasil, como algodão pima peruano, nylon reciclado e linho. E estamos atualizando nosso planejamento de produção para garantir o menor impacto possível para nossos parceiros fornecedores, não só agora, mas daqui para frente.

Espero que daqui para frente a dinâmica de consumo desenfreado e da produção inconsequente mude para melhor, porque estamos vendo de uma maneira triste e forçada que se reduzirmos nosso impacto no meio ambiente, a recuperação é certa.”

Coleção da Oriba (Oriba)

 

Livia Ribeiro, da LOUIE

Livia Ribeiro, da LOUIE (LOUIE)

"Claro que, como todos, estamos sentindo o impacto da pandemia nas vendas. Na LOUIE sempre tivemos preocupação em construir uma relação sólida e transparente com os clientes e nunca nos preocupamos apenas com performance. Desenvolver uma marca com valores sempre foi muito importante para nós. Acho que, mais do que nunca, isso tem se mostrado fundamental

Ainda assim, o desafio é grande. Afinal, como vender sapatos numa época em que estamos preocupados com a sobrevivência? Isso nos obrigou a pensar ainda mais sobre a nossa comunicação e nos benefícios que podemos oferecer aos clientes. Tudo está muito sensível.

Ao mesmo tempo, temos que manter a roda girando pois, como a grande maioria, nossos funcionários e fornecedores dependem totalmente do salário. Ainda não sabemos exatamente como o coronavírus vai mudar nosso negócio. As fábricas tiveram que redobrar, triplicar a atenção com a saúde dos colaboradores. Álcool gel, máscara, distanciamento, medição de temperatura é uma realidade por tempo indeterminado.

Pode ser que o trabalho seja dividido em turnos, para evitar maiores aglomerações. Isso tudo pode afetar o ritmo de produção, entrega e distribuição.

Sapatos confortáveis, casuais, devem ganhar espaço em nosso portfólio. Muitos dos nossos modelos já têm sola de borracha, material que proporciona comodidade sem perder o estilo. Loafers e mocassins, práticos de usar e elegantes, devem estar em alta nesse momento.

Ainda não sabemos como será a médio e longo prazo. A curto prazo, posso dizer que os meses de março e abril foram os mais desafiantes da nossa história. Resta saber como serão os próximos"

Mocassim LOUIE (Alex Batista)

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