O último banquete do império no Brasil aconteceu na Ilha Fiscal, no Rio de Janeiro (Divulgação)
Da Redação
Publicado em 17 de novembro de 2011 às 13h36.
São Paulo – Apesar de essencial para a sobrevivência e para o sucesso de eventos sociais, a comida fica, muitas vezes, em segundo plano nos registros históricos. Para preencher essa lacuna e matar a curiosidade de amantes de gastronomia e de história, o superintendente da editora Melhoramentos, Breno Lerner, escreveu o livro “O Ganso Marisco e outros papos de cozinha” (Melhoramentos).
A obra não é um livro de receitas, mas uma compilação de crônicas e histórias sobre culinária, reunidas durante 15 anos de pesquisa. De acordo com Lerner, tudo começou com seu interesse pela culinária judaica e, com o tempo, seus achados sobre as comidas de outras culturas e religiões foram se expandindo.
Sua pesquisa foi feita com base em viagens, documentos e livros, mas sua principal fonte de informações foi a bíblia. “A bíblia não é um livro de história. É um livro de lendas, mas é uma grande referência sobre a cultura”, diz. “O Ganso Marisco e outros papos de cozinha” traz 36 contos, mas há ainda muitos outros por serem contados e que, segundo Lerner, devem render mais livros no futuro.
Enquanto outros causos não são revelados, confira a seguir as comidas que fizeram parte de alguns importantes momentos da história do mundo.
A última refeição do Titanic
Os 337 passageiros da primeira classe do R.M.S. Titanic, que afundou na madrugada de 15 de abril de 1912, puderam saborear uma ceia farta antes de o navio se chocar com um iceberg. Por ser impresso, o cardápio do salão da primeira classe foi recuperado e publicado no livro “O Ganso Marisco e outros papos de cozinha”.
Alguns dos pratos servidos naquela noite foram ostras frescas com molho de vodca, limão, raiz-forte e cebolinha, sopa cremosa de cevada temperada com uísque, posta de salmão cozida com molho holandês batido com creme e “Chicken Lyonnaise” (frango cozido em molho de cebola, alho, vinho branco e tomilho).
Entre os pratos principais, estavam o filé-mignon assado com molho à base de champignons, vinho e cebola, e o pato assado com glacê à base de Calvados (bebida alcoólica destilada) com purê de maçã. De sobremesa, sorvete de baunilha e bombas de creme cobertas com chocolate e acompanhadas de creme de baunilha.
As comidas exóticas do tempo do cerco de Paris
Tromba de elefante à caçadora, cabeça de asno recheada, gato assado ao molho de ratos e camelo assado à inglesa. Essas foram algumas das iguarias experimentadas em restaurantes finos de Paris, a partir do final de 1870. Na época, as tropas de Napoleão III haviam sido derrotadas por Otto von Bismarck, na batalha de Sedan, o que deixou o povo da cidade indefeso e sem suprimentos.
Diante da falta de ração para dar aos animais do zoológico de Paris e da escassez de alimentos para saciar o paladar da elite francesa, os bichos “exóticos” começaram a ser vendidos para o abate. O chef Alexandre Ettiène Choron, do restaurante Voisin, foi o mais famoso entre os que adotaram esse cardápio peculiar, na época. “Na história do cerco de Paris, a gente vê até onde vai o pecado da gula”, afirma Lerner.
O banquete para todos os prefeitos da França
Cerca de 30.000 convidados estiveram presentes no que o jornal The New York Times chamou de “maior banquete de todos os tempos”, em 22 de setembro de 1900. Apesar de o livro de Breno Lerner afirmar que, há mais de 2.800, houve um jantar na Assíria com quase 70.000 convidados, esse jantar promovido pelo então presidente Émile Loubet para todos os prefeitos da França não ficou muito atrás.
A tenda construída no Jardim das Tulherias tinha 35.000 metros quadrados com sete quilômetros de mesas. Para não haver problemas com a conservação dos alimentos, o cardápio foi dominado por alimentos frios, mas requintados.
Alguns dos itens do menu foram: salada de vegetais cozidos e resfriados, temperados com vinagrete à base de alho, vinagre tinto e mostarda suave, posta de salmão cozida em caldo de peixe, recoberta por aspic e maionese espessa com macedônia de vegetais, e creme de ervilhas frescas com vinho branco.
O último grande baile antes da proclamação da república
Em novembro de 1889, foi realizado um baile que pode ser considerado a grande despedida do império no Brasil. Sob a desculpa de homenagear os oficiais do couraçado chileno Almirante Cochrane, foram gastos 100.000 contos de réis que seriam destinados aos flagelados da seca no Ceará para pagar o banquete, que, na verdade, foi feito para comemorar os 25 anos de casamento da Princesa Isabel e do Conde D’Eu, na Ilha Fiscal, no Rio de Janeiro.
Para saciar os cerca de 2.000 convidados, foram encomendados, entre outros ingredientes, 3.000 sopas de 22 tipos, 20.000 sanduíches diversos, 800 lagostas, 800 quilos de camarão, 1.200 latas de aspargos, 800 latas de trufas, 1.500 costeletas de carneiro, 1.300 frangos, 14.000 picolés, 10.000 litros de cerveja e 80 caixas de champanhe.
O jantar entre três imperadores
O czar Alexandre II, seu filho Tsarevich Alexandre, o kaiser Guilherme I da Prússia e o príncipe Otto von Bismarck jantaram juntos no restaurante mais famoso de Paris, o Café Anglais, em junho de 1867, só para bater papo.
Naquela noite, o cardápio ficou a cargo do chef Adolphe Dugléré, que serviu, entre outras iguarias, o peixe rodovalho gratinado com pouco molho branco e queijo gruyére, suflê com miúdos de galinha, champignons e trufas, aspargos amarrados e servidos com molho bechamel e patê quente de codornas temperadas com vinho e coberto de bacon. De sobremesa, bomba recheada com sorvete, creme e macedônia de frutas.
Se fosse servido hoje, o jantar teria custado cerca de 1.000 euros por pessoa. E, segundo o livro, o czar Alexandre II ainda saiu reclamando por não ter provado “foie gras”, item que só passaria a ser servido em outubro. Para não perder o cliente tão importante, o chef prometeu preparar o prato assim que chegasse a época. Em outubro, o czar experimentou a iguaria.