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Artista americana quer distribuir 120 mil moedas de um centavo em NY

A performance pretende injetar 120 mil moedas de um centavo na economia, alusão aos cheques de US$ 1.200 que os americanos receberam no início da pandemia

arte: nas moedas está escrita a frase "o corpo já foi tão frágil".  (Adrienne Grunwald/The New York Times)

arte: nas moedas está escrita a frase "o corpo já foi tão frágil". (Adrienne Grunwald/The New York Times)

MD

Matheus Doliveira

Publicado em 12 de outubro de 2020 às 09h04.

Nova York – Uma artista conceitual entrou em uma loja durante a pandemia carregando uma caixa cheia de moedas de um centavo.

O lugar era uma daquelas tabacarias onipresentes em Nova York, que exibem uma imagem de cachimbo na placa da frente. A artista, chamada Jill Magid, se aproximou do sujeito no balcão e começou a falar.

"Quero pagar com moedas de um centavo", disse, pegando alguns chocolates Ferrero Rocher. "Elas estão gravadas como se fossem parte de um monumento disperso. Está vendo?"

O funcionário colocou os óculos e semicerrou os olhos para observar a borda de uma moeda. "O. Corpo. Já. Foi. Tão..."

"Frágil!", Magid terminou a sentença para ele. "Você tem bons olhos."

"É muito pequeno", concluiu o vendedor.

No fim, ele pareceu entender. Aceitou as moedinhas, e Magid saiu com seus chocolates. Ela ainda tinha várias centenas de pequenas lojas para visitar.

Recentemente, Magid estava andando pelo Distrito Financeiro e espalhando centenas de centavos, a primeira parte de uma complexa obra de arte pública chamada "Tender". Ela havia passado quatro meses guardando as moedas de vários bancos e encontrou um homem em Sheepshead Bay que poderia construir uma máquina para gravar as palavras na lateral com o mesmo texto minúsculo.

Jill Magid: nem todos os comércios querem aceitar as moedas de 1 centavo como pagamento. (Adrienne Grunwald)

O plano? Em última análise, injetar 120 mil moedas de um centavo na economia dos cinco distritos ao longo do ano, sendo esse número um símbolo dos cheques de US$ 1.200 que muitos americanos receberam no início do surto do coronavírus. Durante a maior parte do projeto, ela seria seguida por um carro-forte da Brink's – destinado a evocar os necrotérios móveis, veículos que haviam se tornado uma das imagens mais marcantes da cidade atingida pela pandemia. Mas, por enquanto, ela estava a pé.

"Essa parte do projeto é a mais simples", disse Magid, caminhando até a próxima loja.

A artista estava se referindo ao ato de andar pela cidade de Nova York e ao de distribuir as moedas, os quais considera a parte menos cerebral do trabalho. "Tender", que foi financiado pelo grupo de artes sem fins lucrativos Creative Time, deveria levar arte para as pessoas comuns. Dado, porém, que a totalidade de seu significado depende de muitos detalhes – até a fonte usada para escrever nas moedas –, não era de admirar que as pessoas normais às vezes se sentissem confusas.

"Algumas pessoas estão abertas à ideia, mas outras falam: 'Então, o que você vai comprar?'", contou Magid. O funcionário da tabacaria rapidamente aceitou sua nova forma de pagamento, mas o resto das transações do dia não foi tão fácil.

Como artista conceitual, Magid se concentra em criar momentos de troca com pessoas com quem, em outras situações, ela poderia não ter contato algum. Em 2007, ofereceu-se para ensinar arte a um policial de Nova York em troca da permissão para segui-lo. (Ele recusou as lições, mas deixou que ela o seguisse durante o trabalho e lhe deu uma bala de sua arma.)

Sua arte também tem um quê de façanha. Em 2015, exumou os restos mortais de Luis Barragán, o grande arquiteto mexicano, e procurou um laboratório que pudesse pressurizar o carbono dos ossos em um diamante. "The Proposal", o filme que ela fez sobre a tentativa de trocar a joia feita dos ossos de Barragán pelo acesso ao arquivo dele, foi bem recebido. Muitos mexicanos, porém, não ficaram muito entusiasmados, com alguns críticos comparando o trabalho à necrofilia e outros exigindo uma investigação sobre como isso foi permitido.

Magid, de 47 anos, é uma mulher franzina, mas impressionante, que chegou até a fazer um treinamento para ser espiã. Ela é destaque em seu filme, vista languidamente fumando enquanto pondera sobre o poder institucional.

"Tender" era um tipo diferente de projeto. "Geralmente no meu trabalho, sou a protagonista, mas, com este, quero desaparecer." Para a distribuição dos centavos, ela se vestiu como um figurante – desde as botas até a máscara, ela estava toda de preto –, embora estivesse indo encontrar uma equipe de filmagem que gravaria uma transação em frente ao One World Trade.

Quando Magid chegou ao ponto de encontro na Vesey St., pelo menos seis pessoas esperavam por ela. A área estava relativamente livre de tráfego, e parecia que seria fácil filmá-la entrando em uma loja e deixando os rolos de moeda. Porém, quando montaram o equipamento e o carro-forte da Brink's chegou, por volta das 11h30, vários automóveis começaram a sair de um estacionamento ao lado, complicando a filmagem. Foram necessários mais de 40 minutos para concluí-la.

Por seu lado, os funcionários da loja na área não se entusiasmaram com o projeto. Magid explicou tudo a cada um deles e sugeriu que fornecessem, por sua vez, a explicação aos clientes que recebessem os centavos de troco. Também pediu que não trocassem as moedas no banco, para garantir que circulassem rapidamente.

"O que ela estava me dizendo não me entra na cabeça. Estou no ramo de mercearias; portanto, por que deveria me preocupar com política?", declarou o dono de uma loja perto de Wall Street, que se identificou apenas como Khan.

Alguns trabalhadores da mercearia declararam mais tarde em entrevistas que não tinham tempo para explicar o conceito de monumentos dispersos para clientes que estavam chegando durante seu intervalo de 15 minutos do trabalho na construção para comprar um Gatorade; outros afirmaram que as pessoas estavam cada vez mais recusando troco desde que a pandemia começou; muitos mais disseram que nem havia clientes. "Sempre havia fila, mas agora tenho tempo para sentar e assistir à TV", disse o dono de uma lojinha na Nassau St. que havia solicitado, mas que ainda não tinha recebido, um empréstimo para manter seu negócio funcionando. "Quem se importa com isso quando meu negócio está em queda de 90 por cento?"

Magid, no entanto, encontrou um apoiador entusiasmado para fazer suas moedas circular. Antes que o carro da Brink's e a equipe de filmagem se envolvessem, ela entrou em outra tabacaria, na Liberty Street. Tentou explicar ao trabalhador, Ali, o que estava fazendo, embora ele parecesse um pouco confuso. Há uma escassez de moedas; ele queria saber se ela tinha alguma de 25 centavos.

Sem conseguir se fazer entender, Magid simplesmente deu a Ali dois rolos de moedas grátis, avaliados em um dólar.

Abraham Cessay parou de varrer a calçada quando percebeu que uma mulher estava distribuindo dinheiro. Ele perguntou se Magid poderia lhe dar mais dois rolos, mas ela lhe deu apenas dois centavos gravados.

"Às vezes há uma barreira linguística, mas as pessoas entendem o projeto se você lhes explicar ", garantiu ela.

Cessay, que tem 56 anos, afirmou que não se importava particularmente com o projeto. Ele veio da Gâmbia há 20 anos e trabalhava como intérprete para o sistema judicial de Nova York antes que a Covid eliminasse temporariamente essa renda. Ele toma o ônibus em Jersey City para vir trabalhar como porteiro de prédios no Distrito Financeiro todos os dias. Paga por seu trajeto com moedas e muitas vezes recolhe as que acha no chão.

"Amo a moeda de um centavo. É dinheiro, e tudo conta. Se você não tem um centavo, não tem nada", disse ele.

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