O apertado salão do Ó do Borogodó, em Pinheiros (Facebook/Reprodução)
Daniel Salles
Publicado em 22 de março de 2021 às 14h58.
Última atualização em 22 de março de 2021 às 15h18.
Quinze dias atrás, noticiou-se que o Ó do Borogodó, tradicional reduto musical paulistano, era mais uma vítima da covid-19. Em suas redes sociais, o exíguo bar, na divisa de Pinheiros com a Vila Madalena, informou o seguinte: “Num tempo em que tristeza é mato, a gente anuncia o fim. Estamos sendo despejados, às vésperas de completarmos 20 anos. Uma dor doída demais”.
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O endereço foi fortemente afetado pelas restrições impostas pelas autoridades de saúde ao setor de bares e restaurantes. Desde 14 de março do ano passado, não promoveu nenhuma atividade presencial — o que talvez fosse impossível, dado o tamanho do espaço.
"O bar era nossa única fonte de renda. Estávamos fazendo a feijoada [para entrega via delivery] e algumas lives no nosso canal no YouTube. Tudo que a gente arrecadava era usado para pagar os funcionários, não o aluguel. Tentamos negociar, mas os proprietários não foram receptivos”, declarou Stefânia Gola, a dona do Ó.
Ela tinha 15 dias para pagar o que deve de aluguel, algo em torno de 120.000 reais. "Mas isso é agora. Como a gente não quer abrir até acabar a pandemia, o valor só aumentaria ao longo dos meses", explicou, há 15 dias. "É muito provável que a gente entregue o imóvel. Dependemos de um milagre. Seria incrível se aparecesse um mecenas, ou se o poder público se comovesse e se mobilizasse com a nossa questão".
Milagre não houve, mas sim uma providencial campanha de financiamento coletivo, amplificada por músicos como a cantora Fabiana Cozza. A meta era arrecadar 300.000 reais, o suficiente para barrar a ação de despejo, garantir o cumprimento do contrato de aluguel e manter o estabelecimento vivo, porém, fechado, até a pandemia dar trégua. O prazo final estipulado para a campanha terminou ontem. Foram arrecadados 286.000 reais, 14.000 a menos que o previsto, doados por mais de 1.600 pessoas.
Quando anunciou a vaquinha virtual, o estabelecimento explicitou que, caso os 300.000 reais não fossem amealhados, a permanência no imóvel ficaria inviável. “A depender do montante, vamos construir outras alternativas de sobrevivência do Ó fora daquele espaço”, informou.
Não há uma posição final sobre a permanência ou não, mas a julgar pelo post publicado hoje nas redes sociais do endereço, o panorama é positivo. Diz a publicação: “#FicaÓ? Sim! Os tempos são difíceis, as negociações continuam internamente mas seguimos muito maiores do que há 15 dias”.
É difícil imaginar a volta do Ó do Borogodó ao ritmo de antes da pandemia. Minúsculo, abafadíssimo e sempre precisando de uma boa reforma, o endereço vivia apinhado de gente, magnetizada principalmente pelas rodas de samba e de chorinho, que avançavam despreocupadamente pela madrugada e tornavam o salão principal ainda mais exíguo — não era raro deparar com uma fila de clientes na porta, só autorizados a entrar depois que outros partissem.
Ele ocupa um imóvel que pertence a um pequeno conjunto encapsulado por um recente empreendimento imobiliário — o trecho no qual está situado já foi um dos mais concorridos da noite paulistana. Se resistiu à implacável transformação da região, cada vez menos boêmia, o Ó do Borogodó provavelmente tem a força necessária para sobreviver também à pandemia.