Dor de cabeça: ataques de enxaqueca, tão tristemente famosos quanto misteriosos, são causados por uma lista longa de fatores, das mudanças bruscas de temperatura ao esforço físico (Getty Images/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 20 de abril de 2017 às 14h15.
Última atualização em 20 de abril de 2017 às 14h36.
A cena é clássica: o indivíduo começa a se comportar de maneira diferente, a luz e o barulho parecem estar nas alturas e o incômodo é tão forte que a única solução é escapar para um lugar escuro, deitar e esperar a dor passar.
Os ataques de enxaqueca, tão tristemente famosos quanto misteriosos, são causados por uma lista longa de fatores, das mudanças bruscas de temperatura ao esforço físico.
“O cérebro de quem sofre com a doença é mais sensível a estímulos e desequilíbrios que normalmente não afetam outras pessoas”, resume Fernando Kowacs, neurologista que coordena o Departamento de Cefaleia da Academia Brasileira de Neurologia.
Com a sensibilidade aguçada, para essa turma até um simples lanchinho pode dar origem ao suplício.
“Estudos mostram que entre 12 e 60% dos enxaquecosos relatam ter episódios após consumir determinado alimento”, comenta Laís Bhering, nutricionista da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Para entender melhor como uma coisa está ligada a outra, pesquisadores da Universidade de Cincinnati, nos Estados Unidos, revisaram mais de 180 estudos sobre o impacto do menu na dor de cabeça.
Eles concluíram que a associação é forte a ponto de justificar uma mudança na abordagem do tratamento.
“Atualmente, o foco está nas medicações, mas deveria incluir mais as dietas preventivas e os hábitos alimentares de cada um”, aponta Vincent Martin, médico da instituição americana e um dos autores do trabalho.
A extensa investigação sugere dois caminhos para que as refeições passem de vilãs a coadjuvantes no combate à doença.
Primeiro, evitar os ingredientes-gatilho (conheça os principais abaixo), tática que já é utilizada nos consultórios. O passo seguinte é priorizar uma alimentação que espante novas ocorrências.
O problema nessa história é que não dá apenas para dizer que aquela taça de vinho ou o sanduíche do final de semana sejam com certeza os causadores do incômodo.
“O fato de um grande número de pessoas ter enxaqueca depois de comer determinado alimento não quer dizer que isso ocorrerá com todo mundo. Os fatores que disparam o problema são muito individuais”, destaca Norma Fleming, neurologista e membro da Sociedade Brasileira para Estudo da Dor Crônica.
Portanto, melhor é descobrir o que faz mal antes de adotar um cardápio específico.
Mesmo porque até itens saudáveis, como castanhas, frutas cítricas e banana-nanica, podem desencadear crises em sujeitos sensíveis.
Ainda não se sabe muito bem por que isso ocorre, mas a teoria mais aceita diz que algumas substâncias desses e de outros quitutes estimulariam além da conta o sistema trigeminal, conjunto de nervos que recobre parte dos vasos sanguíneos da cabeça.
“Com a sensibilização excessiva, a própria dilatação promovida pelo sangue circulando incomodaria, daí a dor pulsante”, desvenda José Geraldo Speciali, da USP de Ribeirão Preto.
Como não há suspeitos únicos para todos os casos, restrições agressivas estão fora de cogitação antes de uma confirmação sobre os motivos por trás do distúrbio.
O trabalho americano analisou, por exemplo, a retirada do glúten das garfadas e viu que a proibição só evitava cefaleia em portadores de doença celíaca, que não toleram a proteína de jeito nenhum.
Já os regimes que proíbem carboidratos geram polêmica. Embora o cérebro dependa da glicose obtida dessas moléculas para trabalhar direito, há indícios de que sua limitação seja benéfica para os enxaquecosos.
“Para compensar a falta, o organismo usa gordura para produzir corpos cetônicos, uma espécie de substituto, que teria efeito preventivo”, aponta Martin. “Mas esse tipo de regime é perigoso. Só deve ser adotado por recomendação médica e demanda monitoramento constante”, avisa.
Se por um lado o cardápio não deve ser alterado bruscamente, por outro há nutrientes que trazem, sim, alívio nesse cenário angustiante.
O ômega-3, gordura do bem presente no azeite e nos peixes, é precioso aqui em razão do seu efeito anti-inflamatório — suspeita-se que a enxaqueca seja financiada pela abundância de moléculas inflamatórias em circulação.
Na mesma linha de pensamento, perder peso e fazer atividades físicas ajudam porque o excesso de gordura financia a inflamação — e o exercício aumenta a tolerância às fontes do estorvo. Encher o prato de vegetais, ricos em antioxidantes, também tem efeito protetor nesse sentido.
Para encontrar o vilão, só mesmo ficando bem atento ao que não cai bem. “Se o incômodo ocorre três em cada quatro vezes que você ingere aquilo, é bem provável que esse seja um gatilho importante”, explica Martin.
E isso não quer dizer que é comeu, doeu. “O mal-estar se manifesta até 48 horas depois da refeição”, complementa Laís. Uma das táticas recomendadas pelos experts é manter um diário da dor, no qual cada episódio é anotado junto com os hábitos alimentares, de sono e ansiedade — que são outros fatores intimamente ligados à cefaleia.
Aliás, é importante vigiar os demais cúmplices dessa encrenca (confira alguns abaixo), que é considerada pela Organização Mundial da Saúde a sexta doença mais incapacitante no planeta. O limite do organismo ultrassensível não é preestabelecido.
“O sistema límbico, que controla nossas emoções, está envolvido no surgimento da dor. Logo, se estivermos mais ansiosos ou cansados, há um risco maior de o alimento fazer mal”, esclarece Norma Fleming.
Seja como for, o ideal é procurar um especialista para descartar outras doenças e apurar por que enxaquecas mal resolvidas podem virar crônicas. Daí, o buraco é mais embaixo — e merece outra reportagem.
Ele e o cérebro vivem uma relação quase sempre de amor. Tanto é que, na maioria das vezes, é a falta de cafeína que causa panes — aliás, ela até está presente em vários analgésicos justamente por potencializar a ação de alguns princípios ativos. “Quem toma a bebida diariamente pode sentir desconforto depois de mais de 24 horas sem nenhuma dose”, explica Vincent Martin.
Nesse contexto, se experimenta literalmente uma crise de abstinência. “Se for o caso, uma xícara no começo do episódio até alivia um pouco”, ensina José Geraldo Speciali, neurologista da Universidade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto.
Por outro lado, o exagero faz mal especialmente aos pouco habituados, mas não só a eles. “Beber quantidades maiores do que 400 miligramas por dia aumenta o risco de a ansiedade aparecer mesmo se a pessoa estiver acostumada, o que piora a enxaqueca”, completa o médico. Os especialistas recomendam que o consumo fique em no máximo três xícaras por dia. Vale lembrar que há cafeína também nos refrigerantes, suplementos de academia e em outras bebidas.
O aditivo alimentar mais associado ao transtorno é o glutamato monossódico. A substância tem vocação natural para atuar na massa encefálica. “O que se acredita é que a presença dele excita o sistema nervoso, ocasionando a dor”, detalha Laís, da UFMG.
No entanto, o ácido glutâmico, a base desse ingrediente, está presente naturalmente em alimentos como carnes, queijos e alguns legumes. Por isso, é difícil dizer se é ele mesmo o culpado. Parece que a encrenca se dá com a versão feita em laboratório e encontrada em congelados, no molho de soja e em outros industrializados. Ah, o estudo da Universidade de Cincinnati mostrou que há uma variante mais perigosa desse item. “Sua absorção aumenta quando ele está diluído em preparos líquidos”, destaca Vincent Martin.
Aqui o culpado é outro composto químico: o nitrito, usado para preservar a cor rosada e dar sabor curado e defumado ao bacon, à salsicha e a embutidos em geral. Em excesso, ele favorece a vasodilatação, o que não é ruim — a menos que você esteja entre os 15% dos brasileiros que têm enxaqueca.
Nesse grupo, o relaxamento dos vasos quando o sangue passa causa dor porque as terminações nervosas que recobrem esses caminhos estão hipersensíveis. Aí qualquer onda é percebida como um tsunami. “Mas vale esclarecer que a vasodilatação é precedida por outros fenômenos e não é a causa em si do problema”, diferencia Kowacs. “Agora, a influência do nitrito sobre outras substâncias pode ocasionar uma crise até seis horas depois de ele ser ingerido”, completa.
Não é preciso nenhum estudo para perceber que a bebedeira bagunça a cabeça. Por isso, vale aqui uma diferenciação.
Há a dor da ressaca, causada pela desidratação e por outros efeitos do abuso de álcool no organismo, e há a enxaqueca disparada por drinques específicos, quando basta uma dose para estragar a happy hour.
Nesse quesito, o campeão é o vinho tinto, cheio de moléculas benéficas para as artérias, mas disparadoras de dor para alguns azarados. E, diferentemente do que muita gente pensa, não é a qualidade ou a origem da bebida que fazem estrago.
“Um estudo já comparou as queixas depois de goles de rótulos nacionais e importados e viu que mais gente reclamava após tomar o vinho francês”, conta Kowacs.
Também, entram no rol inglório de perturbadoras da paz cerebral a vodca, a cerveja e outras bebidas fermentadas.
“Parece haver uma ação das aminas presentes no líquido em alguns neurotransmissores envolvidos no desenvolvimento da crise”, aponta Laís.
Nesse caso, não tem muita solução a não ser cortar as taças da rotina até que o problema esteja sob controle. Já para evitar a dor de cabeça comum, a dica é tomar água entre as doses e não brindar de barriga vazia — além de beber com moderação, sempre.
Eis um clássico na lista. É que o cacau contém teobromina, substância com efeito estimulante e vasodilatador também encontrada no vinho tinto — e algumas pessoas são sensíveis a ela. O chocolate branco até tem essa molécula, mas em menores quantidades.
E há ainda uma associação curiosa nessa história: o desejo incontrolável pelo doce. “Muitos dizem que o chocolate foi o estopim, mas na verdade a própria fissura já é um sinal do comportamento alterado que precede a crise de enxaqueca em 60% dos casos”, decifra Kowacs.
A fase que antecede o sofrimento é chamada de pródromo e começa até dois dias antes da dor em si. Além da vontade intensa, durante esse tempo é normal sentir alterações de humor, como irritabilidade, euforia e picos de energia, sem contar perrengues como enjoo.
O quadro ainda está sendo investigado pela ciência, mas já se sabe que provoca alterações no hipotálamo — importante região do cérebro que comanda a resposta emocional ao metabolismo — e diminui o nível de alguns neurotransmissores.
Embora os gordurosos levem a fama, qualquer variedade é capaz de ofender o sistema nervoso dos mais suscetíveis. “Como são derivados lácteos, todos os queijos possuem componentes que servem de gatilho à dor, a exemplo de proteínas grandes demais para serem digeridas e potencialmente alergênicas”, diz Laís.
Nos organismos mais sensíveis, essas proteínas são confundidas com agentes agressores e atacadas pelas defesas do corpo, numa reação em cadeia que leva ao desconforto.
Mas a balança pesa mesmo para os tipos mais calóricos, caso do gorgonzola e do parmesão, e os curados e envelhecidos.
“Ainda não temos muitos estudos sobre os mecanismos desse processo, mas parece que a própria gordura, presente em maiores quantidades, favoreceria o ataque”, completa a nutricionista. Sem contar que o queijo tem tiramina, componente encontrado em outros itens desta lista negra como o… vinho!
Jejum
A fome e a sede dão dor de cabeça mesmo em quem não sofre com a enxaqueca. E pelo motivo mais óbvio: a falta de combustível para o cérebro.
Sono
As poucas horas de descanso refletem no dia seguinte, mas até o excesso de tempo na cama pode bagunçar o coreto. O ideal é manter a rotina.
Ambiente
Cheiros fortes ou mesmo bem específicos, como certo perfume, claridade, luzes coloridas e muito barulho também entram na lista.
Estresse
É batata: se a tensão está em alta, não há dieta que dê conta de aliviar a dor. Não é à toa que ele é considerado o principal desencadeante das crises.
Doenças
O médico precisa ser consultado sempre para descartar outros males que têm a cefaleia como sintoma, a exemplo de derrames, meningite e até tumores.
Este conteúdo foi originalmente publicado no site da Saúde.