O VP Bruno Hohmann em apresentação do Renault Megane E-Tech: carro chega no segundo semestre. (Renault/Divulgação)
Editor de Casual e Especiais
Publicado em 7 de março de 2023 às 06h30.
Última atualização em 8 de março de 2023 às 09h27.
A Renault está olhando para sua cozinha e organizando sua própria revolução, que tem um nome particular: “Renaulution”. Para quem associa a montadora francesa a carrinhos acanhados como o Kwid a mudança promete ser brusca, com apostas em carros eletrificados e mais caros.
Não que a Renault tenha a pretensão de virar uma marca de luxo, como as alemãs BMW, Mercedes e Audi, diz o VP comercial Bruno Hohmann, em entrevista à Casual EXAME. A ideia é oferecer carros em todas as gamas, do segmento de entrada a SUVs totalmente eletrificados, esses mais na linha da Volvo.
Trata-se de uma aposta mais em rentabilidade e menos em volume. O plano estratégico está estruturado em três fases, lançadas em paralelo: “Ressurreição”, que se estende até 2023, com foco em recuperação da geração de caixa e margens; “Renovação”, até 2025, com investimento em gamas de produtos mais caros; e “Revolução”, a partir de 2025, com foco em negócios em mobilidade, tecnologia e energia.
As metas foram definidas. Até 2023, o grupo tinha o objetivo de atingir mais de 3% de margem operacional e cerca de 3 bilhões de euros de fluxo de caixa livre operacional. E até 2025, pelo menos 5% de margem operacional e 6 bilhões de euros de fluxo de caixa livre operacional acumulado da divisão automotiva.
O grupo vai na direção certa e já anunciou resultados acima da expectativa do mercado e do target definido em 2021, entregando já em 2022 margem operacional de 5,6%.
A Renault tem a meta de utilizar pelo menos 50% do excedente de capital gerado para reinvestir no grupo. As vendas mundiais da marca atingiram 1.466.729 unidades no ano passado, sendo 832.605 na Europa e 634.124 nas remais regiões. A Renault é a terceira marca no mercado de veículos elétricos na Europa e a segunda em vendas de veículos híbridos full hybrid.
O Brasil se posiciona como o segundo maior mercado da Renault no mundo, depois da França, com 126.689 unidades vendidas em 2022. A Alemanha está em terceiro. Acompanhe a entrevista com Bruno Hohmann.
Eu diria que a primeira fase, a Ressurreição, é voltar para o jogo. Tivemos um momento tenso, com a prisão do Carlos Ghon e depois a chegada do Luca de Meo ex-CEO da aliança Renault-Nissan-Mitsubishi, em 2018), justamente no início da pandemia. Estávamos saindo de uma crise interna, o mercado estava num momento difícil por causa da covid, as fábricas paradas, pessoas em casa. Foi necessário rever a base do negócio. Esse plano foi construído no final de 2020 e anunciado bem no início de 2021. No primeiro momento a Renault precisa recuperar as margens, a saúde financeira, o resultado operacional, o fluxo de caixa, e trabalhar para o futuro. Entre pensar um carro e colocar na rua leva três a quatro anos. Então primeiro vamos fazer as bases do negócio.
A segunda fase começa em 2023, conforme o mercado um pouquinho antes, um pouquinho depois. A fase Renovação prevê colocar na rua esses carros novos voltados ao futuro, com muita eletrificação, principalmente na Europa. E em paralelo acontece o que a gente chama de Revolução, que vai além de conceber, fabricar e vender carros. Revolução é tudo o que envolve mobilidade compartilhada, dados, financiamento, a cadeia do carro elétrico, a parceria com o Google, que faz toda a nossa é parte operacional de multimídia. É o que faz a gente passar a ser uma empresa de tech e não só uma empresa de automóveis.
No Brasil estamos terminando a primeira fase e começando a partir do ano que vem a fase Renovação com os produtos nacionais. Em paralelo vamos trazer os carros elétricos 100% elétricos importados. É o caso do Megane E-Tech, que vamos lançar este ano. A primeira fase foi muito boa, tivemos o anúncio dos resultados financeiros há algumas semanas e conseguimos antecipar em mais de um ano, praticamente em dois, a margem operacional positiva e o fluxo de caixa alto. Conseguimos em dois anos gerar mais caixa do que nos dez anteriores. O mercado financeiro aprovou nossas medidas. A ação da Renault foi uma das que mais valorizou, estamos a todo vapor na Europa lançando carros.
Trabalhamos muito o que gente chama de marketing mix. É quanto o volume de venda de cada modelo, de cada versão, contra a rentabilidade, quanto cada uma aporta para a marca, e fazer esse balanço. A gente tinha alguns carros que estavam gerando muito volume, às vezes em canais de venda não tão rentáveis, que não estavam contribuindo nem para a imagem da marca e nem para rentabilidade. É legal emplacar carro, vender carro, mas no final a gente tem que fazer a marca mais forte, deixar o cliente mais satisfeito, em vez de ficar só naquele número bonito. Isso não gera sustentabilidade. Trabalhamos alguns carros, diminuímos a produção de alguns modelos, aumentamos de outros, com uma mistura entre os carros de passageiro e os carros comerciais.
A Master é o furgão líder da categoria, decidimos acelerar. É um carro bom em imagem, robustez, força, é rentável e pode fazer mais. O Kwid é o nosso carro de entrada. Renovamos ele, investimos, no ano passado trouxemos a versão 100% elétrica. Para o Duster tínhamos o motor 1.3. turbo que existia na Europa, então subimos seu preço médio, se antes ele jogava na casa de 100.000, 120.000 reais, deixamos em 140.000 e começamos a brigar nessa faixa mais alta. Então foram várias ações. Estava surgindo no Brasil um mercado de carro por assinatura. Por que a gente como montadora não entra nisso, não tem o nosso próprio programa de carro por assinatura para aquele cliente que não quer mais ter um carro no nome dele, pagar IPVA, pagar seguro?
Eu diria que é um aperitivo da segunda fase. É um carro de alta gama, que chega no segundo semestre com o que tem de melhor de tecnologia da Renault no mundo, com a conectividade baseada no sistema operacional do Google. Trazemos engenharia de veículo elétrico de última geração, é um carro que nasceu para ser elétrico, então isso otimiza o espaço interno, você põe mais tecnologia embarcada. Você tem ali uma eficiência de bateria muito melhor do que outros carros que nasceram a combustão e depois viraram o elétrico. É uma ponta de lança, vai ser um primeiro modelo chave nesse plano. Os carros que já chegaram no Brasil estão sendo usados em eventos, para que aos poucos o Brasil vá conhecendo o modelo, até começarem as vendas.
Queremos deixar de ser mainstream, uma generalista que trabalha no segmento de entrada em especial, para ser uma generalista moderna, tecnológica, que cobre todo o mercado. A gente não vai abrir mão da entrada do jogo, o que fazemos com Kwid, o primeiro carro de muito jovem. Ele pode começar no Kwid, tem a chance de aumentar o salário, depois vai para o Duster, o Stepway. Queremos dar mais opções para o próximo passo. Queremos ter um lançamento 100% elétrico por ano no Brasil. Na Europa o segmento está bem avançado, quase 15% da frota é elétrica e numa tendência de alta. Daqui 12, 13 anos vai ser 100%.
Anunciamos no Brasil há mais ou menos um ano um investimento de dois bilhões de reais na operação nacional para fazer aqui os carros elétricos, para fazer o tíquete médio da marca subir. A gente se apoia numa plataforma global de veículos da Renault, com o que tem de melhor de equipamento, uma plataforma que já temos. O primeiro carro vai ser produzido nela, com um novo motor também 1.0 turbo, flex, tem tudo para ser o melhor motor 1.0 do país. E teremos um novo SUV, que será esse primeiro carro.
Não, as vendas começam daqui um ano. Estamos preparando a chegada desse carro. O que eu posso dizer é que se trata de uma plataforma nova. Não estamos vindo para produzir um carro só, nosso time de engenharia de produtos está pensando o que pode vir depois. Vai ter esse SUV compacto, que ainda não foi anunciado, não tem nome ainda. E estamos com a cabeça de que carros virão depois, um SUV maior, uma picape.
Por enquanto não, ele vem importado da França. Então a nova fase passa por isso, queremos manter o essencial. Oferecemos um carro bacana de entrada conectado que é o Kwid, uma nova plataforma que vai nos dar a oportunidade de ter outros carros e o Megane E-Tech 100% elétrico chegando no Brasil.
As decisões estratégicas precisam olhar um horizonte de 10, 12 anos. Demoramos de três a quatro para conceber e lançar um veículo. Depois que ele vai para o mercado a vida média dele é de sete anos. Então estamos falando de um período de 10, 11 anos. Estamos sempre olhando lá longe. O Brasil pode ter esses momentos de troca de governo, de ajustes, mas o crescimento vem, a base da economia está aí, o mercado consumidor está aí.
Eu posso adiantar aqui que os carros que trazem a tecnologia que o Megane tem em termos de eficiência, de potência, de conforto estão navegando no Brasil na faixa de 300 a 350.000 reais. Imagino que vai ser por aí que a gente vai operar. Estamos mirando o segmento de cima, eu não vou deixar dúvidas. Quem faz um bom trabalho 100% elétrico no Brasil premium é a Volvo. A gente já conhece o sistema elétrico, sabe como é carregar, como é rodar, como fazer. É claro que eu quero subir e buscar esses caras também.
A beleza do negócio é que a Renault conhece o carro elétrico no Brasil há 10 anos. Muitas marcas entraram no tema este ano, no ano passado. A gente começou com uma frota interna em Itaipu, depois com frotas corporativas, entrou no varejo com o lançamento do Zoe há mais ou menos cinco anos. A rede de concessionárias foi aumentando e crescendo. Hoje toda concessionária Renault sabe fazer a revisão de um carro elétrico. E eu diria que quase metade da rede, com 280 pontos, já faz a manutenção completa de carro elétrico. Os carregadores estão instalados na rede, a gente tem a maior frota de carro elétrico de teste do Brasil, são 150 Kwid E-Tech espalhados pelo Brasil. Isso nos dá confiança. E a gente sabe que para muitas pessoas o carro elétrico não é adaptado para o seu uso. Se a pessoa viaja demais, para regiões que não tem carregamento público, eu prefiro indicar o Duster.
Eu diria que a palavra certa aqui é equilíbrio. Eu sempre brinco que percentual não paga conta nem salário de ninguém. A gente tem que ter a massa e o percentual. Então teve uma primeira fase logo depois do covid em que a gente ajustou a operação, com um nível de market share bom, rentável, que permita a gente gerar caixa e investir com recursos próprios para pagar o futuro. Hoje nosso market share está na faixa de 6,5%, isso com três anos seguidos sem lançamento. Claro que lançando produto a partir do ano que vem a gente vai voltar a crescer. Isso é fundamental, mas não é um crescimento que eu poderia fazer simplesmente com a gama que eu tenho, dando mais desconto. Não seria um crescimento sustentável. Então eu diria que a gente tem de lançar produto e crescer, e vai fazer isso com os frutos do investimento que eu mencionei antes, de dois bilhões de reais. Vamos subir o tíquete médio, mas não estamos dizendo que a Renault vai virar uma marca de alta gama, premium, e sim virar uma generalista moderna, com tecnologia de ponta, que sabe cobrir do Kwid até um SUV grande.
Eu tive a chance de pilotar a operação da Renault na Holanda por quase dois anos, em 2017 e 2018. É um mercado super sofisticado, muito carro por assinatura, muito carro elétrico. Mas lá o carro tem uma função basicamente funcional. As pessoas compram ou assinam porque precisam ir de um ponto para outro. Na França de certa forma tem muito disso também. Quando eu volto para o Brasil fico contente de ver o brasileiro que ama carro, dá apelido para o carro, lembra do carro do pai, de cada modelo que teve, lava o carro no fim de semana. Vi recentemente um estudo de mobilidade do Google. O que é mobilidade para o brasileiro? Pode até existir uma região como a Faria Lima, em que o cara diz que é o patinete elétrico, a bicicleta, o metrô. Mas isso ainda é nicho. A mobilidade para o brasileiro continua sendo o carro. E o carro particular. Quando eu falo particular não necessariamente é o carro próprio, pode ser o carro por assinatura. Mas é o carro que é só dele, para se ele precisar às três da manhã levar o filho numa emergência, se quiser fazer uma viagem no fim de semana.
Mesmo com uma faixa de renda per capita menor do que na Europa o ciclo de troca de carro no Brasil é de três anos e meio, quatro anos. Na Europa é sete. O brasileiro gosta de trocar. E tem abertura para tecnologia. Ele quer conhecer um carro híbrido, um carro elétrico, quer fazer um test drive. Isso torna o Brasil um mercado muto gostoso de trabalhar para nós que somos da área de marketing, de vendas. Tem emoção em jogo.
Na verdade, nunca chegamos a sair. Eu estava na França nessa época. Tínhamos a equipe Renault, com motor Renault, e estávamos definindo o futuro da marca Alpine em um território sport premium. A Alpine é uma marca esportiva com DNA francês, mas que precisava ganhar notoriedade no mundo, inclusive na China e nos Estados Unidos. Como a marca tem essa raiz , esse histórico de competição, definimos que seria quem levaria o nome na Fórmula . Então surgiu a escuderia Alpine powerd by Renault E-Tech. Assim temos a marca Alpine e a label E-Tech, para carros híbridos e elétricos.