Quincy Jones, Michael Jackson e Lionel Ritchie na gravação de We Are the World: madrugada adentro (Netflix/Divulgação)
Editor de Casual e Especiais
Publicado em 3 de novembro de 2024 às 06h33.
Última atualização em 4 de novembro de 2024 às 06h32.
Lembro bem o momento em que vi pela primeira vez o clipe da música We Are the World. Eu era criança e estava em casa, em um domingo à noite, assistindo ao Fantástico na TV aberta, praticamente a única opção de lazer em família nos lares dos anos 1980.
Foi impactante ver 47 dos maiores astros da música americana cantando juntos um hit que se tornaria histórico. Não apenas pela reunião de estrelas como Michael Jackson, Cindy Lauper, Bruce Springsteen, Stevie Wonder em seu apogeu.
O produtor foi Quincy Jones, que faleceu neste domingo, 3 de novembro, vencedor de 28 prêmios Grammy, dois Oscar e um Emmy.
O conjunto de astros reunidos impressiona, mas o mérito maior da gravação foi seu motivo inusual.
Causas humanitárias não eram razão para concertos até então. Poucos meses antes Bob Geldof havia organizado em Londres a Band Aid, uma banda de músicos britânicos com a missão de arrecadar fundos para combater a fome na Etiópia.
O sucesso do show inspirou duas pessoas próximas a Lionel Ritchie, o agente de talentos Ken Kragen e o músico e ativista Harry Belafonte, a fazer o mesmo nos Estados Unidos. Belafonte, que esteve em protestos ao lado de Martin Luther King, explicou na época sua motivação: “Nós temos brancos ajudando negros, mas não temos negros ajudando negros.”
A história da música We Are the World é o tema do documentário “A Noite que Mudou o Pop”, disponível na Netflix. A gravação da canção durou uma madrugada inteira de janeiro de 1985, até 8 da manhã. E transformaria realmente a história da música.
“We are the world”, na Netflix: os bastidores do impacto social liderado pelas estrelas da música
Lionel Ritchie tomou a frente do projeto com Kragen e o Belafonte. Michael Jackson, amigo de Ritchie desde os tempos da gravadora Motown, foi o primeiro a aderir. Mais do que isso, a assumir a responsabilidade de escrever a letras. Quincy Jones ficou com a produção e os arranjos. Os convites foram sendo feitos a todos, um a um.
Em tempos pré-smartphone, a comunicação em tempo real era um problema. Como acertar detalhes e combinar agendas entre tantas celebridades sem grupos de WhatsApp? Reunir essas estrelas em um estúdio ao mesmo tempo parecia irrealizável.
Só havia uma data possível, uma única noite para que o projeto fosse possível: a premiação do American Music Awards, quando a nata da música americana estaria reunida em Los Angeles. Lionel Ritchie teve um duplo papel no evento: foi o apresentador do prêmio e também o principal premiado.
Nos intervalos, porém, sua preocupação era com a organização da gravação. As imagens mostram como aqueles artistas que tinham o mundo aos pés tiveram de deixar o ego fora da sala e contentar-se em cantar uma ou duas frases.
Em certo momento, eles começam a pedir autógrafos uns aos outros. Todos precisavam dar 200% de sua entrega ali, naquela madrugada, observados em ação por superstars que eram ao mesmo tempo seus pares, seus ídolos, seus fãs.
Nem todos estavam felizes. Bob Dylan, que destoava naquele cenário pop, estava deslocado, inerte muitas vezes.
Como todos já sabem a história, foi um sucesso. A música arrecadou o equivalente hoje a US$ 160 milhões e virou referência para projetos artísticos com causas humanitárias a partir dali. O título do documentário é certeiro.
Depois que a gravação terminou, as 8 da manhã, Diana Ross ainda ficou por lá, chorando. “Não queria que isso acabasse”, disse. É a mesma sensação que temos ao ver o documentário.