Don Julio: churrascaria argentina é eleito o melhor restaurante da América Latina. (50 Best/Divulgação)
Repórter de Casual
Publicado em 26 de novembro de 2024 às 22h36.
Última atualização em 27 de novembro de 2024 às 11h16.
Após eleger 50 dos 100 melhores restaurantes da América Latina, do número 51 ao 100, nesta terça-feira (26), foi revelada a lista dos melhores restaurantes do 1º ao 50º lugar segundo o ranking 50 Best.
Entre os 21 países da América Latina, o Brasil está representado por nove restaurantes. O melhor colocado do Brasil na edição, que aconteceu pela segunda vez no país, foi o Lasai, no Rio de Janeiro.
Já o 1º lugar do ranking de melhor restaurante da América Latina ficou com o Don Julio, que fica em Buenos Aires.
Pablo Rivero abriu o Don Julio em 1999, quando tinha pouco mais de 20 anos. O restaurante começou como uma churrascaria do bairro, e hoje, administrado pela família, representa a Argentina nos maiores palcos da gastronomia mundial. Além do primeiro lugar na América Latina, a casa está em 10º entre os 50 melhores restaurantes do mundo.
A sustentabilidade em primeiro lugar: todos os vegetais utilizados no Don Julio são cultivados organicamente em campos próprios. O proprietário e sommelier Rivero trabalha lado a lado com o chef executivo Guido Tassi para elaborar um menu "em torno da semente", com foco na sazonalidade e nas colheitas locais. A carne também é cuidadosamente selecionada, o Don Julio utiliza apenas gado Angus e Hereford alimentado com pasto, garantindo os melhores cortes e charcutaria artesanal.
O restaurante utiliza quase todas as partes do boi em seu menu à la carte, que inclui pratos como morcilla (linguiça de sangue) e mollejas (glândulas do boi). As entradas oferecem opções como salames caseiros, queijos artesanais argentinos e a imperdível empanada de carne.
Além dos cortes especiais, o Don Julio se orgulha de uma vasta seleção de vinhos de alta qualidade: a adega do restaurante abriga mais de 14.000 rótulos argentinos. Para exibir a coleção, as paredes internas do prédio do século 19 são revestidas com garrafas vazias, transformando o espaço rústico em um santuário acolhedor de vinhos. Os clientes podem deixar sua marca pessoal assinando e escrevendo mensagens nos rótulos.
A casa comandada pelo chef Rafa Costa e Silva se resume a um balcão que só acomoda dez fregueses e a proposta de servir insumos brasileiros cultivados pelo próprio restaurante ou por pequenos agricultores do Rio de Janeiro e permitir que os comensais vejam os cozinheiros em ação. “Em relação à mudança do Lasai, só me arrependo de não ter feito antes”, diz Costa e Silva, que adora ver a reação da clientela saboreando o que ele inventou. “Acabou a pressão para obter ingredientes em grandes quantidades, e agora tenho tempo até para dar banho no meu filho antes de abrir o restaurante.”
O Lasai só trabalha com menu degustação, que inclui pratos como ostra com pimenta-de-cheiro, mel e limão-caviar e mandioca na manteiga com castanha-do-pará fresca e couve kale — os pratos nunca são os mesmos.
Nada parece ameaçar o poderoso reinado da Casa do Porco, a incensada casa no centro de São Paulo comandada por Jefferson Rueda e Janaína Torres, eleita no ano passado a melhor chef da América Latina. Os chefs fundadores do pequeno império gastronômico provaram que é possível tornar acessível uma gastronomia autoral e de qualidade. Na ativa desde 2015, o empreendimento dedicado aos suínos ocupa a 27ª colocação no The World’s 50 Best Restaurants e desconhece o que é passar um dia sequer sem uma fila de clientes na porta.
Após um período fechado, o Tuju reabriu no fim do ano passado no Jardim Paulistano, na capital paulista. O comando da cozinha continua com o chef Ivan Ralston.
O restaurante funciona somente com reserva e serve menu degustação com valores a partir de 890 reais, dependendo da quantidade de tempos que se opta. O chef define a gastronomia do local como "cozinha sazonal paulistana", por valorizar os ingredientes mais frescos na época e de acordo com o clima e as estações do ano, com menus Umidade, Chuva, Ventania e Seca.
O projeto arquitetônico, assinado pelos escritórios de Angelo Bucci e Raul Pereira, fez com que a casa fosse escolhida como um dos restaurantes mais bonitos do mundo.
Comandado pelo chef Luiz Filipe Souza, neste ano o Evvai conquistou duas estrelas Michelin. No Jardim Paulistano, na capital paulista, o endereço serve apenas um menu degustação. Com treze etapas, a sequência é renovada de três a quatro vezes ao ano e pode ser ajustada para veganos ou vegetarianos.
A cozinha literalmente aberta para o salão e o teto com revestimento acústico de cinema, que ajuda a abafar o falatório dos clientes, já indicam a atenção que o Oteque dá para a comida. Não à toa, muita gente classifica os jantares no endereço — para o qual ninguém dá nada, vendo de fora — como espetáculos gastronômicos memoráveis. Não falta nem uma trilha sonora à altura — vai de Kings of Convenience a Led Zeppelin.
O astro aqui é o chef paranaense Alberto Landgraf, que se reinventou no Rio de Janeiro após uma temporada de cinco anos em São Paulo, onde despontou à frente do extinto Epice. No Oteque, um dos quatro restaurantes brasileiros com duas estrelas Michelin — e o único do quarteto entre os dez primeiros colocados deste ranking —, ele só serve menu degustação.
Prepare-se para saborear criações como ostra incrementada com vinagrete de tomate e tomate confit; fatias de atum bluefin amanteigado sob vinagrete de alga e pinole; e cavaquinha grelhada com maionese de peixe e picles de maçã verde. O sorbet de coco verde com pralinê e coco verde seco — pode ser servido com queijos brasileiros, cobrados à parte — dá uma ideia das sobremesas.
O Nelita é uma espécie de divisor de águas na trajetória de Tássia Magalhães. O restaurante deu à chef de Guaratinguetá, no interior de São Paulo, uma projeção que ela ainda não havia experimentado. E olhe que a carreira dela não começou ontem. Tássia trabalhou por dez anos no extinto Pomodori, onde entrou como estagiária e saiu como mandachuva, e tirou do forno mais três negócios que não existem mais, os restaurantes Riso.e.ria e Fabbrica Illegale e a dark kitchen Unno Masseria. No ano passado, abriu o Mag Market, misto de padaria e doceria.
Com fachada que mescla tijolos aparentes, porta e janelas de madeira e um painel verde, o Nelita tem a cozinha tocada somente por mulheres. Boa parte do sucesso se deve às massas frescas e o atual menu degustação com referência à cidade natal da chef.
Inaugurado em 2020, o restaurante se propõe a servir a autêntica culinária mexicana — com direito, por que não, a pitadas de modernidade e a ingredientes brasileiros. Pertence a Eduardo Nava Ortiz, mexicano de Oaxaca, e à paulistana Luana Sabino. Os chefs se conheceram quando ambos trabalhavam no renomado Cosme, em Nova York — em São Paulo, ela passou pelas cozinhas do Arturito, do Tuju e do Petí Gastronomia.
O cardápio tem opções à la carte, mas 70% da clientela opta pelo menu degustação com sete etapas. “Não enxergamos como um menu degustação, e sim como um guia para quem não tem familiaridade com nossos pratos”, diz Sabino. Da seção à la carte, a sugestão mais pedida é o mole branco (um molho à base de castanhas e especiarias), que ganha a companhia de couve-flor, tucupi negro e jambu. Outro hit, a tostada que junta polvo, abacate e uma pasta de camarão com pimenta seca. Fã de mezcal, Ortiz sugere que todo mundo só peça a conta depois de degustar uma dose da bebida — e não raro se junta aos clientes para brindar com eles.
As gravações do MasterChef Brasil, do qual Helena Rizzo é jurada desde 2021, no lugar que era da argentina Paola Carosella, tomam cada vez mais o tempo da chef gaúcha. Mas nada que atrapalhe o dia a dia do Maní, que se mantém em alta sob o comando do braço direito da cozinheira, o chef belga Willem Vandeven. Parceiro de longa data, ele não só dá conta do recado quando a gaúcha está fora como divide a autoria do cardápio com ela.
O menu degustação soma 12 receitas, como creme de milho picante acrescido de pipoca de quinoa, minimilho em rodelas, pancetta, ciboulette, katsuobushi e ovas de tainha curadas com lichia e cachaça — para entender no que cada etapa consiste, convém ouvir com atenção redobrada as explicações dadas pelos garçons.
O vatapá de galinha também faz parte da sequência e inclui salada de mamão verde, farofinha, cabeça de camarão seco moída, amendoim tostado e peixe do dia ao forno. E vale o mesmo para a feijoada transformada em pequenas esferas, que são servidas com pé de porco, couve frita e cubinhos de laranja e remetem a um passado longínquo do Maní. A seção à la carte do menu lista pedidas como polvo na brasa com arroz de chorizo, grão-de-bico e molho aïoli de açafrão. Atualmente uma nova casa foi inaugurada no shopping JK Iguatemi, em São Paulo.
Seguindo o conceito de Izakaya, os famosos bares japoneses, o cardápio tem boa parte dedicada a um ingrediente: o frango. A casa é outro empreendimento do chef Thiago Bañares, dono do Tan Tan. Dedicado à cozinha quente do Japão desde a sua abertura em 2021, a cada temporada o restaurante Kotori consolida o seu alinhamento com a cozinha yoshoku, estilo gastronômico enraizado no período Meiji (entre 1868-1912), em que o Japão começou a abrir-se para o mundo e a incorporar ingredientes, técnicas e sabores de outros países em sua dieta.
Assim, aparecem no cardápio pratos como Kinoko no Batayaki, cogumelo eryngui salteado com molho de tucupi, mostarda e caldo de galinha (R$ 65), Terrine Teba, feita com asas de frango, cogumelo kikurage, cebolinha e molho verde (R$ 65), e o Tsukune Slider, almôndega de frango que sai do espeto para dar vida a um suculento sanduíche com alface, tomate, cebola e molho especial (R$ 67 - 2 unidades).
Os espetinhos de frango (yakitoris) que deram origem à casa ainda brilham, com destaque para sambiquira (R$ 25), coração (R$ 18) e frango ostra com cebolinha (R$ 25). “Esse é um corte famoso no Japão, mas no Brasil é feito apenas para exportação”, explica o chef, referindo-se à porção retirada pelo restaurante do dorso da ave, logo acima da coxa. Também saem do fogo a abobrinha grelhada Zukkini Banbanji, com molho de amendoim, tahine, gengibre e chili crunch (R$ 42) e o Gairan no Miso Dare, brócolis cantonês salteado com molho de missô.
Todos os dias é preparado o sorvete com as frutas mais doces da estação (R$ 32). Além da rabanada, feita com shokupan embebido em creme inglês e torrado na manteiga, servida com leite e sorvete de caramelo (R$ 48).
*Novos restaurantes na lista
Camila Fiol, de Santiago foi escolhida como a Melhor chef confeiteira da América Latina em 2024. E Laura Hernandez Espinoza, de Bogotá é a Melhor sommèliere da América Latina em 2024.
Um dos principais nomes da pesquisa da gastronomia nacional, Rosa Moraes, presidente para o 50 Best para o World Latin America e embaixadora de gastronomia e turismo do Grupo Ânima Educação, conversou com Casual EXAME sobre os bastidores do evento, as tendências da gastronomia nacional e a relevância do evento para o país.
Como é feita a lista do 50 Best e quem faz parte do júri?
Sou presidente da academia do 50 Best para a região do Brasil. A academia, tem um mecanismo muito sério para a definição da lista. São 300 membros votantes, no ano passado eram 250.
A lista da América Latina é dividida em cinco regiões: México, América Central, América do Sul Norte, América do Sul Sul e Brasil. Eu coordeno o Brasil, mas outros chairs podem coordenam mais de um país. Os países que participam do prêmio são Argentina, Belize, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, República Dominicana, Equador, El Salvador, Guiana Francesa, Guatemala, Guiana, Honduras, México, Nicarágua, Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai e Venezuela.
Sobre os votos, são 60 pessoas que eu escolho para votar no Brasil. É uma distribuição igualitária entre homens e mulheres, 34% dos votantes são chefs ou donos, 33% são food writers, sendo jornalistas, blogueiros e 33% são gourmets, pessoas que fazem viagens gastronômicas frequentes. Para variar a lista, todo ano temos que mudar 25% de votantes.
Cada um dos jurados vota em 10 restaurantes que visitou nos últimos 18 meses. Desses 10 votos, até 6 podem ser na região dele, e até 4 outros votos são para outras regiões. Pelo menos um voto precisa ser para a região do jurado. As escolhas são confidenciais.
Os representantes brasileiros vêm crescendo na lista, e já tivemos diversas chefs conquistando o prêmio, como a Janaína Torres Rueda vencendo como a Melhor Chef Mulher da América Latina, mas o país ainda não conquistou o primeiro lugar no ranking de restaurantes. O que acha que falta para o país chegar neste posto?
Não acho que falte algo, pelo contrário temos ótimos concorrentes e fico feliz em ver que os restaurantes da América Latina estão cada vez mais conquistando prêmios. Neste ano o restaurante Central, do Peru, conquistou o primeiro lugar do mundo. Estamos no caminho e espero logo mais para sabermos quem ganhará.
Quais são os destaques da culinária latino-americana e brasileira em particular?
O Brasil com um território tão extenso, apresenta muitas propostas, criatividade, bossa e diversidade. Cada vez mais os chefs estão buscando os ingredientes nativos, produtores rurais, com uma maior compreensão do alimento e sociedade. Isso é um bom caminho para ganhar.
Hoje em dia o legal é ser único e não copiar. Vejo a evolução em olhar para frente, sem deixar de falar do passado, pois a cozinha é algo muito familiar, que te traz momentos especiais. Eu por exemplo estou planejando o meu Natal. Meus filhos moram fora do Brasil e virão para cá, e estou imaginando em como será o jantar, a mesa. A comida une as pessoas.