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3 livros para se engajar na luta contra o racismo

Novos autores negros brasileiros escrevem sobre violência, letalidade da juventude e autodeclaração

"Quando Me Descobri Negra", de Bianca Santana  (Divulgação/Divulgação)

"Quando Me Descobri Negra", de Bianca Santana (Divulgação/Divulgação)

Publicado em 1 de julho de 2020 às 07h00.

Última atualização em 23 de julho de 2024 às 08h49.

A morte do norte-americano George Floyd por um policial em Minneapolis (EUA), no dia 25 de maio, deflagrou uma série de protestos, não apenas nos Estados Unidos, mas em outras partes do mundo, incluindo o Brasil. Trazem à tona o combate ao racismo e propõem maneiras de promover a equidade racial. O debate ganhou força nas redes sociais e nas ruas em meio à maior pandemia dos últimos tempos. EXAME preparou uma lista com três livros de autores negros brasileiros que abordam a temática racial e ajudam a democratizar ainda mais a luta antirracista.

Não. Ele, Não Está (Appris Editora), de Maíra de Deus Brito

“Infelizmente, meu livro está mais atual que nunca. O genocídio da população negra continua, assim como o extermínio da juventude negra”, diz Maíra de Deus Brito, de 33 anos, jornalista e autora de Não. Ele Não Está. O livro, lançado em 2018, denuncia o assassinato de jovens negros pela mão armada do estado. A ótica, no entanto, é a de quem sobreviveu, as mães. “Interessa saber quem são as mães que estão vendo as vidas de seus filhos abreviadas precocemente e de maneira tão violenta e quais são as percepções delas sobre a influência da raça, do gênero e da classe nessas mortes”, afirma Maíra.

O livro é fruto do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos e Cidadania da UnB. “Foi desafiador encontrar uma linguagem que fosse ao mesmo tempo acessível e não totalmente fora dos padrões da academia. Costumo dizer que é um trabalho que anda na corda bamba da linguagem, o que é muito bom”, avalia. “A escrita traz os elementos acadêmicos, cumprindo o papel de dialogar com o que outras pessoas estão produzindo nas universidades, mas tem uma leitura fluída e mais humanizada. Eu precisava fazer com que todo mundo entendesse o que estava escrito ali. Não podia dialogar apenas com meus pares”. E a forma encontrada para aproximar o leitor da história foi se colocar nela: “Eu acredito muito na escrita afetiva e me colocar ali era uma forma de levar os leitores e leitoras para o que eu vi e vivi”.

Para produzir a obra, Maíra passou cerca de uma semana em comunidades do Rio de Janeiro entrevistando as personagens. Para marcar os encontros, recorreu a uma grande aliada, a internet. “Ela tem coisas boas e ruins, e entre as boas está a facilidade de comunicação com pessoas de qualquer parte do mundo. Conversei com amigos e amigas sobre quem poderia entrevistar e foram me indicando nomes. Entrei em contato com Ana Paula e Aparecida [duas das entrevistadas] por meio de redes sociais”, conta.

Os protestos motivados pela morte de Floyd tornam o número de pessoas negras assassinadas pela polícia no Brasil ainda mais evidente. O mais recente estudo publicado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) revelou que 75,4% das vítimas da letalidade policial no Brasil são negras. No Rio de Janeiro, pano de fundo de Não. Ele Não Está, pretos e pardos somaram 78% dos mortos por intervenção policial no ano passado, segundo o Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro (ISP-RJ).

Diz Maíra: “Jovens negros brasileiros estão morrendo de várias maneiras. Assassinados por agentes do Estado, em conflitos com civis e em hospitais sem estruturas, por exemplo. A polícia brasileira é a que mais mata, mas também a que mais morre”. A fala da autora vai de encontro com os dados apresentados no 13º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, redigido pelo FBSP: 51,7% dos 726 policiais mortos entre 2017 e 2018 eram negros.

Lançado pela editora Appris, Não. Ele Não Está pode ser comprado na internet em formato físico ou digital ou adquirido diretamente com a autora, que já vendeu mais de 300 exemplares dessa forma. “É um livro com um tema doloroso e necessário. Depois do lançamento, tive a certeza que escrevê-lo foi uma decisão acertada, pois havia muita gente que nunca tinha parado para pensar sobre a quantidade de jovens negros mortos no Brasil”, resume ela.

 

Obra de Maíra de Deus Brito (Divulgação/Divulgação)

Você Morre Quando Esquecem Seu Nome (Bissau Livros), de Flávio VM Costa 

O jornalista baiano Flávio VM Costa, de 37 anos, usou a ficção para denunciar o racismo e a violência policial contra negros em seu segundo livro de contos, Você Morre Quando Esquecem Seu Nome, lançado em fevereiro. A obra, no entanto, carrega experiências pessoais. Diz ele na abertura: “Sou um preto diferente porque nunca perdi um amigo para a violência. Nunca tinha perdido, quero dizer”. O trecho inicial relata o assassinato de um amigo pessoal. “Meu amigo de infância, Henrique, morreu assassinado em 2018 por traficantes do bairro onde cresci, Pernambués, um dos maiores de Salvador”, escreve. Morto com mais de dez tiros, Henrique inspirou o primeiro conto, “Chorar um amigo”. “Pernambués é um bairro periférico, com seus bolsões de miséria, mas eu nunca tinha passado por essa experiência de perder um amigo daquela forma. O conto foi a maneira que encontrei de expressar minha perplexidade”, revela o autor.

Há outros traços biográficos na escrita. “Com algumas exceções, os contos são permeados de lembranças, de fatos vividos por mim ou por outras pessoas. Sempre usei na minha ficção dados da realidade. Porém, ressalto, não importa em um texto ficcional a base factual por si mesma. Importa como o escritor consegue transformar a vivência pessoal em uma experiência estética”, defende.

Com todas as histórias do livro se passando na Bahia, o encontro entre a ficção e a realidade colide com o aumento de mortes reais na região. Os números do Atlas da Violência de 2019 revelam que os homicídios no Brasil cresceram, de 2007 a 2017, 2,8 vezes mais no Norte e no Nordeste do que a média nacional. Uma pesquisa de 2017, do mesmo instituto, afirma que 5.446 negros foram vítimas de homicídio na Bahia. Questionado se seu livro se torna mais relevante diante do atual estágio da luta antirracista, Flávio afirma: “Eu não o escrevi com objetivo de catequizar mentes, pois me vejo como um contador de histórias, não como um pregador. Porém o racismo é o grande tema da experiência brasileira. Todos os nossos problemas principais passam pela desigualdade racial, pelo racismo institucionalizado”.

“Tenente Marcus”, um dos contos, foi vencedor do concurso literário internacional Prada Feltrinelli Prize, na Itália, em 2016. Fizeram parte do júri o cineasta Gabriele Salvatores e a escritora americana A. M. Holmes. “Todo prêmio serve, sobretudo, para ampliar o alcance do trabalho. Mas nenhum escritor que se respeite escreve para ganhar prêmios. Eu os vejo como presentes inesperados”, diz Flávio, com certa modéstia.

Flávio VM Costa, autor de "Você Morre Quando Esquece Seu Nome" (Divulgação/Divulgação)

Quando Me Descobri Negra (SESI-SP Editora), de Bianca Santana 

“Tenho 30 anos, mas sou negra há apenas dez. Antes, era morena”. É dessa forma impactante que a jornalista Bianca Santana, de 35 anos, inicia o livro Quando Me Descobri Negra. O relato autobiográfico é baseado em um texto escrito por ela em 2005, mas publicado na internet só em 2013.

A ideia de escrever um livro sobre si própria veio de um jogo de búzios. “Por muitos anos eu fiquei nesse lugar de jornalista que entrevistava as pessoas e contava as histórias delas. Em um jogo de búzios, em 2013, eu fui orientada a publicar, com mais frequência, textos que traziam a minha própria experiência”, lembra. E foi escrevendo textos pessoais no site HuffPost Brasil que o primeiro rascunho de Quando Me Descobri Negra veio ao mundo. “Postei o texto no blog sem nenhuma intenção de publicar um livro. Em 2014, a editora Renata Nakano me procurou perguntando se eu não queria lançar uma reunião de todos os meus textos daquele blog, além de materiais inéditos”, conta.

O fio condutor da obra é a conscientização negra. Mas o livro também aborda os impactos do colorismo, termo que resume o fato de quanto mais pigmentada for a pessoa negra, mais exclusão e discriminação ela irá sofrer. Para Bianca, o processo de descoberta da sua negritude foi primordial para a escrita que, de certa forma, tem ajudado outras pessoas nessa jornada de descoberta negra. “Os meus processos de me perceber negra pareciam interessantes pra mim, eu não tinha dimensão exata de que compartilhá-los era também uma forma de incentivar outras pessoas”, diz.

Em 2005, a população brasileira foi estimada em 184,4 milhões de pessoas. Do total, 91 milhões se declararam da cor preta/parda, enquanto 92 milhões se disseram brancos. Já na última pesquisa do IBGE, de 2019, dos 209,2 milhões de habitantes, 108,9 se declararam pretos ou pardos, o equivalente a 56,10% da população. “Acredito que os dados mudaram por conta de uma tomada de consciência negra. Nos anos 1980 existiu uma campanha do movimento negro chamada ‘Não deixe sua cor passar em branco’ para as pessoas realmente se auto declararem com consciência”, lembra a jornalista.

Lançado em 2015, Quando Me Descobri Negra foi vencedor do Prêmio Jabuti na categoria Ilustração, a cargo de Mateu Velasco. O livro também foi bem aceito pelo público. “Somando vendas em livrarias e aquelas para distribuição em escolas já são mais de 100 mil exemplares comercializados”, comemora a autora, que já prepara o próximo livro. Será a biografia da filósofa, doutora em educação, escritora e ativista da luta antirracista Sueli Carneiro.

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