Daniela Diniz, diretora da GPTW: Há pessoas que estão 100% remoto, mas que estão sendo controladas o tempo inteiro, isso não é uma cultura flexível (fizkes/Getty Images)
Repórter
Publicado em 2 de outubro de 2023 às 16h56.
Última atualização em 2 de outubro de 2023 às 20h45.
Qual é o perfil que está mais interessado em trabalhar no regime CLT? Qual geração sente mais a “síndrome de domingo” (aquele desânimo quando a segunda se aproxima)? Quais são os impactos de uma liderança despreparada? Qual cultura de empresa mais interessa?
Esses são alguns dos cenários apurados pelo estudo feito pelo Ecossistema Great People & Great Place To Work, entre maio e junho de 2023 com 1376 profissionais, de analistas a diretores.
A ideia foi ouvir as pessoas para entender, para além dos muros das organizações, o que elas realmente querem quando o assunto é trabalho e carreira. O que está sendo ofertado hoje é compatível com as demandas e necessidades das pessoas? Nesse cenário, onde fica o trabalho? E onde queremos que ele fique?
Veja os principais dados do estudo:
Hoje a maioria das pessoas trabalha como CLT (64,1%), seguido por pessoas jurídicas atuando para uma única empresa (13,9%) e profissionais autônomos (10,2%), segundo os dados da pesquisa.
As garantias e direitos trabalhistas da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) ainda demonstram a sua força tanto no formato de contratação das empresas quanto na preferência das pessoas: 51,4% informaram que gostariam de trabalhar em empregos CLT.
“É curioso que hoje temos menos pessoas que gostariam (51,4%) de ser CLT do que as realmente são (64,1%). E não podemos ignorar que há muitas pessoas – quase metade -, em busca de outros regimes de trabalho, talvez em busca de mais flexibilidade. Afinal, no passado, o símbolo de sucesso profissional era ter um emprego estável, com bons benefícios para toda a vida. Hoje, as prioridades mudaram,” afirma Daniela Diniz , diretora de conteúdo e relações institucionais da Great People.
Outro dado curioso é referente à geração que mais prefere ser CLT: Em primeiro lugar aparece a geração Y, depois Z, X e por último baby boomers, afirma Diniz:
“A gente tem essa tendência de achar que os mais jovens que querem flexibilidade, mas na verdade, o mais jovem que está entrando no mercado de trabalho ele vem com essa expectativa de ter a carteira assinada. Por outro lado, os mais velhos podem estar em outro momento de carreira, sendo como consultores ou PJ, além disso, o mercado de trabalho CLT ainda é voltado para a mão de obra mais jovem.”
“A carreira hoje é muito mais múltipla, há muitas mais oportunidades de carreira, do que a que aprendemos que seria a de verdade, que era entrar em uma grande empresa com carteira assinada pelo resto da vida.”
O que a pesquisa descobriu é que, apesar dessas discussões e da crescente busca pelo remoto ou híbrido, a maioria das pessoas - mais de 43% - está trabalhando presencialmente.
Se pudessem escolher:
Das que trabalham presencialmente hoje, somente 22,02% permaneceriam, enquanto 57,62% optariam pelo híbrido.
Além disso, 64,3% afirmaram que o trabalho presencial, mesmo que esporadicamente, é necessário para a execução das tarefas – mais um dado que aponta para o híbrido como melhor caminho possível.
“Essa pesquisa só reforçou a queda do híbrido e a volta do presencial que ganha força no mercado. Os motivos podem ser diversos. Existe uma necessidade da liderança de ter as pessoas por perto em uma gestão de comando-controle. Outro ponto é a história da produtividade, em que alguns profissionais costumam render mais no escritório, o que é questionável para outros cargos."
"A questão é que estamos medindo a produtividade, sem olhar para as pessoas de o quanto elas estão satisfeitas com isso,” diz Diniz.
Mesmo com essa onda de retorno ao presencial, 40,4% das pessoas afirmaram que trabalham em uma cultura flexível.
Nem sempre o formato de trabalho é o único responsável pela flexibilidade das empresas e que há muitos outros fatores envolvidos: “Há pessoas que estão 100% remoto, mas que estão sendo controladas o tempo inteiro, isso não é uma cultura flexível, por exemplo”.
“Ter um trabalho flexível não significa que a empresa tenha uma cultura flexível. Para a empresa ter uma cultura flexível é preciso ter uma liderança flexível, em que você pode ter um diálogo, é um ambiente leve em que o líder te escuta e te acolhe. É um lugar onde você consegue ser você mesmo, em sua integridade pessoal e profissional,” afirma Diniz.
Ainda sobre cultura, Diniz afirma que a pandemia ajudou a termos um conceito de flexibilidade.
“Quando você une no trabalho remoto com a vida pessoal, você percebe que a vida é uma só, essa flexibilidade mostra que é possível você ter mais tempo para o seu filho, para atividades física e ainda assim ter um bom rendimento no trabalho."
"Por isso que hoje há uma resistência para a volta ao presencial, porque tem um público que experimentou algo diferente,” diz Diniz.
Foi-se o tempo em que o salário era um dos únicos itens importantes ao buscar um novo emprego. Hoje, muitos fatores podem influenciar a escolha das pessoas e até mesmo guiar suas carreiras, e o alinhamento com valores e propósito é o principal deles, segundo o estudo:
“Há algum tempo já temos observado há mais de 10 anos a remuneração não é o primeiro item na escolha. Oportunidade de crescimento, qualidade de vida, alinhamento de valores estão liderando, segundo as nossas pesquisas. Isso não significa que a remuneração não é importante, ela sempre será, ela só não é o principal.”
Dentre as principais práticas que impactam negativamente o ambiente de trabalho estão:
“O despreparo da liderança ele está apontado em inúmeras pesquisas. Desde o ano passado a principal prioridade na gestão de pessoas é o desenvolvimento da liderança. Muitas vezes o gestor de RH entendendo que o mundo mudou, mas quem faz isso na prática é o líder. Quando o funcionário diz que trabalha em uma ótima empresa, é porque ele tem um ótimo chefe,” afirma Diniz.
O líder também sofre muito atualmente, segundo Diniz, que reforça que ele tem atribuições hoje que não eram exigidas antes.
“Antes o foco do líder era treinar e gerar resultados, era mais objetivo. Hoje a responsabilidade é também subjetiva. Ele tem que estar mais próximo da equipe, saber os sonhos, detalhes sobre a vida pessoal para criar conexão, gerar engajamento e confiança. O líder de hoje precisa entender que a responsabilidade dele mudou.”
“Fazer o que gosta não necessariamente é sinal de uma relação saudável e positiva com o ambiente de trabalho, ele pode ser um dos pilares. É preciso considerar também fazer algo que o mundo precise, fazer algo que te pague e entender as suas habilidades.”
Outro ponto preocupante é o que está sendo impactado negativamente. Saúde mental, saúde física e sono são os principais.
Somente 11,49% das pessoas nascidas de 1945 a 1964 têm esse sentimento, enquanto 57,39% da geração Z sentem esse desânimo aos domingos. Mais um reflexo da insatisfação dos jovens com suas relações com o trabalho – ou com o próprio conceito de trabalho existente hoje.
“Na nossa amostra parece que esse profissional mais maduro está mais resolvido com a sua vida. Exerceu mais esse autoconhecimento e confiança. Já a juventude está mais em uma constante busca pelo lugar certo e reconhecimento,” diz Diniz.
Esta pesquisa trouxe um retrato do impacto dos últimos anos na carreira das pessoas:
Os reflexos no mundo corporativo apontaram uma falha que até então não estava sendo priorizada: a experiência das pessoas.
“Esse dado pode ser um retrato da Great Resignationno Brasil, que trouxe uma onda de demissões no período pós-pandemia, quando as pessoas começaram a questionar ainda mais as relações de trabalho, seus valores e o que gostariam de construir para suas vidas,” afirma Diniz.
Em relação à mudança de carreira, apesar de não ter acontecido para a maioria das pessoas, impactou 38,5% delas.
“Vivemos tempos de carreiras líquidas, que desafiam a ideia linear de trabalho e apontam para um caminho mais fluido, com diversas possibilidades e transformações. Por isso, altos índices de mudanças de carreira são esperados,” afirma Diniz.
Quase metade dos entrevistados 42,7%, segundo a pesquisa de Tendências para 2023, notam uma lacuna de habilidades e competências tanto técnicas quanto comportamentais em seus colaboradores.
Ou seja, não são apenas as soft skills (competências comportamentais) que merecem os holofotes, também é fundamental capacitar continuamente as pessoas em relação às hard skills (competências técnicas) para que acompanhem as tendências tecnológicas e novas ferramentas de trabalho.
E o mais interessante é que não são apenas as empresas que querem isso: 86,8% das pessoas gostariam de ter mais oportunidades de desenvolver suas habilidades técnicas e operacionais no trabalho.
Novas tecnologias surgem praticamente todos os dias, e num mundo com inteligência artificial e big data, não dá para esperar que o conhecimento técnico de ontem seja suficiente para o amanhã.
Apesar de a capacidade de continuar se desenvolvendo (lifelong learning) ser uma das habilidades mais buscadas hoje, não são apenas as pessoas as responsáveis por isso. As organizações também precisam criar caminhos e oferecer oportunidades de desenvolvimento e reciclagem de conhecimentos técnicos.
E quando o assunto é soft skills, o que as pessoas querem hoje é:
A busca por autoconhecimento e inteligência emocional aparece em todas as idades, enquanto a inovação e a criatividade aparecem no top 3 da geração Z, millenials e pessoas da geração X.
Esse é o retrato das diferenças geracionais:
56,6% das pessoas preferem aprender em treinamentos presenciais, enquanto 38,6% em workshops e 34,9% em dinâmicas e atividades em grupo
“Treinar profissionais é uma necessidade. Apesar do país ainda ter uma considerável taxa de desemprego, você vai nas grandes empresas e sempre tem um gap profissional grande. O desenvolvimento de profissionais é sobretudo uma necessidade mesmo de oferecer um treinamento para você ter um celeiro de profissionais que vão corresponder às necessidades e expectativas dos negócios em um futuro muito perto,” afirma Diniz.
Estamos ouvindo falar de Inteligência Artificial já há um bom tempo, principalmente com a intensificação do uso dessas ferramentas no mundo corporativo e em tarefas previamente feitas apenas por seres humanos.
Contudo, segundo a pesquisa, 70,9% das pessoas ainda não trabalham com alguma ferramenta de Inteligência Artificial.
Segundo o Fórum Econômico Mundial, mais de 75% das empresas devem aderir a tecnologias como Inteligência Artificial, Big Data, Cloud Computing nos próximos 5 anos – o que acende um alerta para o fato de que ainda há tantas pessoas sem nenhum contato, no âmbito profissional, com as ferramentas de IA.
“Além do treinamento, as empresas podem diminuir esse gap com uma mudança de cultura. Você internalizar a IA na sua cultura, como apostar em funções que podem trabalhar remoto e abraçar as novas tecnologias como parte da rotina do trabalho. É o hábito que vira rotina e que entra na cultura,” diz Diniz.
Das 1376 pessoas respondentes, 47,3% ocupam um cargo de liderança atualmente, e quem são essas pessoas?
Diferença entre gêneros:
Diferença entre as gerações:
Essa porcentagem também sofre alterações se analisarmos recortes de raça e etnia.
“É preciso mudar o estereótipo de talento. Que é do menino, branco, formado nas melhores universidades, com inglês fluente. Se for repetir esse perfil, daqui 5 e 10 anos, vamos continuar tendo esses homens brancos com as mesmas formações no topo”.
“Abrir o mindset é falar de diversidade. Com diferentes faculdades, habilidades, berços é possível chegar a essa mudança. Esse é o caminho, algumas empresas já estão fazendo isso, principalmente com metas em relação ao gênero.”
Os millennials saem na frente, mas, ao contrário do que algumas hipóteses e até mesmo outras pesquisas apontam, neste nosso estudo, a geração Z, a mais nova dentro do mercado de trabalho, também tem esse objetivo.
“O tempo de carreira aparece de novo com esse dado. A geração Y e Z ainda está no início para o meio de carreira. É algo natural nesta fase buscar um cargo de liderança. Eles ainda carregam o estereótipo de que para alcançar o modelo de sucesso é preciso ser líder,” afirma a diretora.
Comunicação, empatia e inteligência emocional, respectivamente, são as 3 principais características mais valorizadas nas lideranças. Um verdadeiro reflexo do cenário atual e futuro do trabalho, de soft skills voltadas para o relacionamento interpessoal e a humanização dos ambientes corporativos e das culturas organizacionais.
Felizmente, esses novos interesses já são uma realidade para boa parte das pessoas:
Contudo:
“O que se espera hoje de um líder é que ele seja um pouco psicólogo, ele precisa saber dialogar, alinhar as expectativas, saber dar feedback...não é uma tarefa fácil, mas ter inteligência emocional, empatia e comunicação faz parte das características de um líder não apenas do futuro, mas também do presente,” afirma Diniz.