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Da Redação
Publicado em 16 de outubro de 2013 às 13h02.
Última atualização em 28 de outubro de 2020 às 12h30.
Caro leitor, se você tem como meta na vida ocupar a cadeira de CEO ou se é daqueles que apostam num diploma de MBA para turbinar a carreira, saiba que jamais seria contratado pela senhora da foto ao lado. Ela é Anita Roddick, a polêmica inglesa fundadora de uma das maiores redes de cosméticos do mundo, a Body Shop.
Anita explica a razão do veto: "Os cursos de MBA ensinam processos, sistemas e planos. Não ensinam como administrar uma empresa com foco nas relações humanas, como é a Body Shop".
Em relação aos futuros CEOs, alfineta: "Ser CEO é uma das metas mais desinteressantes que alguém pode ter. A partir do momento em que você consegue isso, o que vem depois? Agora, se a pessoa sonha em administrar uma empresa e torná-la um celeiro de inovação e de valorização humana, aí é bem diferente".
Sua sorte -- ou azar -- é que Anita deixou a presidência da Body Shop e agora ocupa somente uma cadeira no conselho da empresa. Portanto, tem menos influência nas contratações. De qualquer forma, isso não invalida o que ela, ao lado do marido, Gordon Roddick, tem conquistado nas últimas três décadas, desde a fundação da primeira loja da rede, em Brighton, no litoral sul da Inglaterra.
Hoje, existem 1 800 lojas em 55 países. Estima-se que a Body Shop venda um produto a cada 0,4 segundo para mais de 77 milhões de clientes em todo o mundo. Em 1998, uma pesquisa do jornal inglês Financial Times elegeu a marca como a 27a mais respeitada do globo.
Anita é, certamente, uma mulher à frente do seu tempo. Por isso, muitas vezes é radical em suas opiniões. Fala o que pensa, faz o que acredita. E no que ela acredita? "Minha visão, minha esperança é apenas esta: que muitos líderes enxerguem o papel decisivo das empresas na formação do espírito humano, não se limitando a produzir bens e serviços."
Anita dá o exemplo. Colocou suas idéias em prática na Body Shop, abraçando causas que vão muito além do negócio. Brigou com empresas do porte da Shell para defender o povo Ogoni, que vivia no delta do rio Níger e teve suas terras arruinadas por causa da exploração de petróleo na área.
Também aderiu a programas de proteção ambiental ao lado do Greenpeace e participou de protestos contra a Organização Mundial do Comércio. "O mais importante nas empresas não deveria ser o lucro, mas, sim, a responsabilidade. Deveria ser o bem público, não a ambição privada", defende. "Nos últimos 25 anos, aprendi que o senso de comunidade é absolutamente vital para o sucesso."
As propostas de Anita são ousadas. Mas é por ter a coragem de defendê-las e por tentar aplicá-las em sua própria organização que ela tem conquistado cada vez mais espaço -- a empresária viaja o mundo dando palestras e visitando empresas. Enquanto lançava seu livro Meu Jeito de Fazer Negócios (Negócio Editora) no Brasil, no mês passado, já escrevia outro.
"Não precisamos apenas mudar o sistema, temos de mudar a nós mesmos", diz. Para que seu modelo de negócio funcione, Anita acredita que os profissionais precisam reavaliar a maneira pela qual medem o sucesso da empresa. "Precisamos redefinir o lucro passando a medir o progresso com base no desenvolvimento humano, e não no produto nacional", diz.
"O mundo empresarial precisa reencontrar a cordialidade e rejeitar o que é obsceno, como são obscenas, por exemplo, as remunerações dos CEOs. No meu ponto de vista, pecado é demitir milhares de pessoas e aceitar em seguida um bônus de 100 milhões de dólares. Deveria ser incluída no léxico empresarial a palavra frugalidade. Faria bem às empresas na mesma proporção em que o esbanjamento faz mal."
Ambiente alto-astral
Na verdade, as idéias da empresária não são absolutamente novas. Ao contrário: a postura ética e socialmente responsável está na pauta de organizações mundo afora já há algum tempo e ganhou ainda mais destaque depois de crises como as ocorridas com as gigantes americanas Enron e WorldCom. Mas o caminho a ser percorrido ainda é longo.
Mesmo porque muitas empresas já falam de transparência financeira, mas poucas tratam seus times com a devida atenção e reconhecimento. A política de gestão de pessoas implementada por Anita na Body Shop tem sido referência internacional. Para a empresária, o ambiente de trabalho tem de ser, por princípio, um lugar de aprendizado permanente.
Além de oferecer infra-estrutura aos funcionários na sede da empresa, em Littlehampton, Anita se preocupa em trazer a beleza e a alegria para o ambiente de trabalho. Por todos os lados do escritório há fotografias, gravuras e frases motivadoras. Nos jardins, uma réplica em escala natural da obra Les Déjeneur sur LHerbe, de Manet.
Os funcionários com dons musicais são convidados a tocar. Há até o poeta da empresa, contratado exclusivamente para escrever sobre as pessoas e histórias da companhia.
Não é preciso nem dizer que essa é uma empresa criativa. Esse espírito inovador da fundadora se reflete na comunicação interna e externa da Body Shop. Para ouvir os funcionários vale tudo, inclusive usar os banheiros.
"No nosso escritório em Littlehampton, oficializamos o banheiro como centro de comunicação, convidando nosso pessoal a escrever mensagens, pichando suas idéias nas paredes e nas portas. Nós fornecemos papel e lápis, que estão disponíveis em cada vaso sanitário."
Para comunicar suas idéias aos consumidores, a Body Shop também desenvolveu uma série de estratégias polêmicas. É o caso da boneca Ruby, que desafia os estereótipos de beleza e contraria a influência persuasiva da indústria de cosméticos. "A imagem da Ruby pretendia lembrar que a beleza está associada à confiança, mais do que à circunferência das coxas."
Por trás da estratégia há o seguinte princípio de Anita: "Nenhum componente de fórmula química impressa no rótulo e nenhum creme fará os seus seios maiores ou as suas coxas mais finas. Nenhum xampu eliminará as pontas duplas dos cabelos, por mais que os fabricantes afirmem isso. Se quer se livrar das pontas duplas, vá ao cabeleireiro. Tudo o que um xampu pode fazer é limpar os seus cabelos".
Anita é uma empreendedora. E como ela mesma define, empreendedores odeiam hierarquia, organizações fechadas e planos de longo prazo. "Empreendedores são otimistas patológicos, visionários", diz. Da experiência em trabalhar ainda jovem no Clifton Café, de propriedade de seu pai, aprendeu a prestar um bom serviço aos clientes.
Depois, como professora, desenvolveu habilidades para organizar suas idéias visualmente, usando diversos recursos além do giz e da lousa. Antes da Body Shop, montou uma pensão e um restaurante, nos quais pôde aprimorar ainda mais seu know-how em atendimento.
É por tudo isso que Anita Roddick não é mais uma no mundo corporativo. E é também por tudo isso que ela não acredita somente na educação tradicional como a melhor maneira de preparar profissionais para empresas focadas em pessoas. "O sucesso da Body Shop envolve vários segredos. E um deles é que nós nunca recorremos a escolas de negócios", diz.
Para a empresária, o diploma do profissional não é um fator determinante em sua trajetória. "Antes de ser convidada para dar uma aula na Universidade Stanford, há alguns anos, pensava que jamais iria contratar alguém desse tipo de escola. Agora, mudei de idéia. Na verdade, você contrata pessoas, e não instituições. E lá encontrei algumas pessoas brilhantes."
Parece contraditório? Anita esclarece: "O que eu não gosto é do sistema de ensino, porque ele não mostra aos estudantes a realidade do ambiente de trabalho, ou seja, os viciados em drogas, os romances clandestinos, os dilemas humanos. Mas as pessoas com algo a dizer (e disposição para pôr em prática) serão sempre bem-vindas".