Carreira

Trabalho, família e aparência definem sucesso para mulheres

Antropóloga discute o papel assumido por mulheres brasileiras de classe média no mercado de trabalho


	A antropóloga Mirian Goldenberg é autora de livros como "A Outra" e "Toda Mulher É Meio Leila Diniz"
 (Divulgação)

A antropóloga Mirian Goldenberg é autora de livros como "A Outra" e "Toda Mulher É Meio Leila Diniz" (Divulgação)

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Da Redação

Publicado em 17 de abril de 2013 às 11h34.

São Paulo - A antropóloga Mirian Goldenberg contou o que percebeu sobre as profissionais brasileiras em mais de 15 anos de pesquisas e 5 000 pessoas entrevistadas.

Pesquisadora de antropologia cultural e sociologia na Universidade Federal do Rio de Janeiro e autora de livros como "A Outra" e "Toda Mulher É Meio Leila Diniz", Mirian estuda atualmente o envelhecimento e a cultura da felicidade.

Na entrevista a seguir, ela fala da relação das mulheres brasileiras com a disputa entre vida profissional e pessoal e da crescente necessidade masculina por uma vida mais equilibrada nestes aspectos.

O que você observa sobre o perfil das profissionais brasileiras que já entrevistou nas suas pesquisas?

Mirian Goldenberg - Para a mulher brasileira, diferente do que acontece em outras culturas, o trabalho tem que vir junto com uma vida familiar feliz, com tempo para si, com pelo menos um filho.

As pessoas da classe média, que é o objeto da minha pesquisa, não abrem mão disto. O corpo também é uma preocupação para elas. É como se tivessem três grandes áreas a dominar para serem felizes e bem sucedidas: trabalho, família e a aparência.

Com isto, muitas mulheres no Brasil acabam se auto excluindo de posições de liderança porque esta posição não permite que possam investir da mesma maneira nas outras áreas da vida.

Costuma-se falar que as mulheres são discriminadas, mas ninguém fala desta auto exclusão que também acontece.

A dedicação exigida por postos de liderança faz com que mulheres abram mão deste crescimento, pois a maior ambição delas não é o sucesso e reconhecimento profissional. Elas querem isso, mas não é a maior prioridade da vida.


Sheryl Sandberg, chief operating officer do Facebook e autora do livro recém-lançado Faça Acontecer – Mulheres, Trabalho e a Vontade de Liderar (Companhia das Letras, 288 páginas, R$ 34,50), defende que parte desta auto exclusão das mulheres se dá pelo fato delas serem menos estimuladas a ter uma personalidade ambiciosa, competitiva e agressiva. Você concorda com isso?

Mirian Goldenberg - Não acho que as mulheres sejam menos ambiciosas e agressivas, isso é um estereótipo. O que encontro no mercado de trabalho são mulheres que têm todas estas características e são, sim, competitivas.

Não acredito que isto tenha a ver com gênero, isso tem a ver com caráter. Na Alemanha, por exemplo, é mais fácil fazer uma opção pela carreira. O valor de família, filhos e aparência, não é tão forte na cultura alemã. Lá o que se vê é a “cultura do ou”, elas optam por uma coisa ou outra, pois entenderam que não precisam ter tudo.

Qual a parcela de culpa das empresas e do atual modelo de trabalho? Em sua opinião, se exige demais dos executivos, o que é especialmente mais difícil para as mulheres, que não querem deixar de dar atenção aos outros âmbitos da vida?

Mirian Goldenberg - Se você quer ser super bem sucedido em qualquer profissão, é preciso muita dedicação. Não é só uma questão das empresas, mas de competição entre profissionais.

Vou te dar um depoimento pessoal: para eu ser reconhecida no meu trabalho preciso me dedicar muitíssimo e isso é uma prioridade para mim. Não digo que estou certa nem errada, mas a minha paixão e meu foco me levam a me dedicar quase exclusivamente ao trabalho. E é isso que as empresas desejam, este tipo de profissional.

Dizer que é culpa das empresas é não enxergar que existem pessoas que, com ou sem empresa, têm uma dedicação própria. Alguns são mais apaixonados e querem investir mais no trabalho.

Isso é normal, já que é o próprio indivíduo que elege suas prioridades. A maioria das mulheres que entrevisto na minha pesquisa não quer a posição de liderança, e não só por uma questão de flexibilidade, mas também pela tensão, por ter que mandar em outras pessoas, pela cobrança.

Aliás, vejo cada vez mais homens que também não querem isso. Ambos os gêneros estão preferindo vidas menos atribuladas, mesmo que deixem para trás salários bem maiores.

A cultura atual em que vivemos prioriza e valoriza o bem estar. Não adianta ganhar uma fortuna e não poder respirar. As pessoas que participam da minha pesquisa, homens e mulheres, querem tempo e qualidade de vida; são pessoas que abrem mão de cargos altos.

Mas, claro, ainda tem muita gente que quer poder e dinheiro. As pessoas só descobriram que isso tem preço alto.


Então mulheres e homens têm escolhido não alcançar cargos tão altos nas empresas para continuar se dedicando aos outros aspectos da vida?

Mirian Goldenberg - Para uma mulher é mais aceitável socialmente deixar altos cargos de lado, pois a sociedade cobra menos delas. A partir do momento em que este tipo de comportamento receber legitimidade social, mais homens se sentirão à vontade para fazer essas concessões. Na Alemanha isso já acontece, homens ficam em casa enquanto as mulheres vão trabalhar e sustentar a família. Mas isso é construído e legitimado naquela cultura, claro.

Não gosto do discurso que diz que as empresas – ou os homens, ou as mulheres – têm que mudar. Até porque já existem empresas tentando saídas, acompanhando mudanças. Acredito que uma transformação já está acontecendo.

É importante pensar em outra questão em relação a gênero e trabalho: por que para as mulheres é mais fácil dispensar a liderança e para os homens é mais difícil? Há uma pressão ainda grande sobre eles.

Não adianta culpar um lado ou outro. Tem uma cultura por trás disso tudo que permite que as mulheres digam não ou exijam que as lideranças sejam mais flexíveis, enquanto para os homens tais atitudes não são tão bem vindas assim. Eles ainda são mais cobrados – e se cobram – a ser poderosos e ter dinheiro.

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